‘Conclave’, o filme: Verdades e mitos sobre a eleição de um Papa

Até que ponto o filme de Edward Berger consegue representar com rigor o processo envolto de secretismo?

23 de abril de 2025 às 17:02
'Conclave', o filme Foto: Direitos Reservados
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Depois da morte do Papa, a conversa que surgiu sobre o conclave - reunião à porta-fechada para escolher o próximo pontífice - fez questionar até que ponto o ‘Conclave’ - filme vencedor de um Óscar - consegue representar com rigor o processo envolto de secretismo. 

‘Conclave’ oferece ao mundo exterior um pequeno olhar sobre a ação que decorre no Vaticano após a morte ou resignação de um papa. Mas quão precisa será a longa-metragem? 

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De acordo com especialistas citados pelo The Guardian, o filme é mais certeiro do que errado e é, pelo menos, fruto de uma pesquisa meticulosa e cuidadosa. “Acertaram em muitos detalhes”, disse a historiadora de catolicismo de Notre Dame, Kathleen Sprows Cummings, que seguiu de perto a eleição do Papa Francisco em 2013.

“O filme fez um ótimo trabalho em equilibrar o humano – as pessoas, os homens ambiciosos, que têm crenças fortes sobre aquilo que a Igreja precisa – e o Espírito Santo” que guia os procedimentos, segundo a crença católica.

Bill Cavanaugh, professor de Estudos Católicos, na Universidade DePaul, nos EUA, concorda que o filme acerta em muitos detalhes. “Certamente a mise-en-scène  do filme, eles esforçaram-se muito para serem rigorosos nisso”, afirmou Cavanaugh. 

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O realizador Edward Berger, o guionista Peter Straughan e a equipa de produção falaram, durante a campanha do filme para as premiações, sobre o processo meticuloso de pesquisa. Em vez de envolver diretamente o Vaticano, a equipa entrevistou vários cardeais sobre detalhes gerais, fez visitas ao Vaticano e recriou a Capela Sistina nos estúdios Cinecittà, em Roma.  

A equipa consultou ainda conselheiros religiosos que revelaram procedimentos arcaicos passados de geração em geração, como a destruição do anel do papa que faleceu.

“Foi notável a forma como eles pegaram em algo que é secreto e acertaram em grande parte”, disse a historiadora. 

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O filme, acrescenta Cunnings, “deu uma ideia sobre o tipo de conversas que acontecem antes de um conclave”, durante as congregações gerais, onde todos os cardeais, quer votem ou não, discutem o futuro da Igreja. “Não vamos chamar um filme de ‘congregação geral’, é muito aborrecido”, disse em tom de piada. 

As conversas não oficiais sobre a eleição terão começado logo em fevereiro, quando Francisco foi internado com uma pneumonia bilateral. Mas esta semana, “haverá jantares, reuniões em apartamentos”, afirmou a historiadora. “Quem apoia quem? Há uma maioria clara? Haverá um favorito claro? Isso tudo está a acontecer”, revelou Cunnings. 

O filme delineou ainda as fações claras que existem no Vaticano, encabeçadas pelos diversos arquétipos: o reacionário que representa a ala conservadora e o candidato liberal que procura reformar a Igreja.

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As fações encaixam-se vagamente numa Igreja em conflito com visões conservadoras e liberais, mas o ‘Conclave’ terá “exagerado um pouco”, disse Cavanaugh. “Os cardeais não se dividem perfeitamente entre campos progressistas e conservadores... em geral, é mais uma mistura”, explica o professor. 

“São caricaturas, certamente, mas também captam algo que é real. Há certamente pessoas que são tradicionais, que pensam que o Papa Francisco foi demasiado longe em encontrar-se com pessoas marginalizadas. Do mesmo modo, há pessoas que querem que o seu legado continue”, informou Cummings. 

Tanto Cavanaugh como Cummings, registaram algumas imprecisões no filme, nomeadamente a influência de um cardeal nomeado em segredo (in pectore). “A ideia de que um cardeal in pectore pode aparecer no conclave e dizer: Ei, estou aqui para votar – isso não poderia acontecer”, demonstrou Cummings, explicando que “um cardeal não tem os privilégios de ser cardeal até ser anunciado publicamente como tal”. 

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Os especialistas notaram que o papel de Ralph Fiennes, como decano do Colégio dos Cardeais, misturou funções com as do camerlengo, responsável por assuntos relativos à morte de um papa.

Imprecisões técnicas à parte, Cummings realçou um momento que capturou a essência emocional da eleição: a escolha do nome papal. O papa eleito é questionado, antes de ser escolhido, sobre o nome que iria adotar, ao que ele responde que nunca pensou sobre o assunto. Porém, mais tarde, admite que seria João. “Eu adoro isso, porque claro, se és cardeal, tens um nome papal em mente”, disse a historiadora. "Claro que ninguém diz que quer ser papa. Acho que isso capturou bem a humanidade dos cardeais", assume Cummings.

O mistério relativo à ação futura de um cardeal quando se torna papa também foi bem retratado, segundo Cavanaugh. “Quando elegemos alguém, não sabemos exatamente no que a pessoa se vai tornar”, disse o professor elogiando o filme. 

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Por exemplo, o Papa Pio IX foi eleito em 1846 como progressista, mas tornou-se conservador quando foi forçado a fugir de Roma, nas revoluções de 1848. Por sua vez, o Papa Francisco surpreendeu muitas pessoas com as posições progressistas sobre a homossexualidade e justiça social. 

No final de contas, o mundo exterior terá de especular sobre o que se passa na Casa de Santa Marta e na Capela Sistina, porque “não é suposto sabermos como os cardeais votam”, disse Cavanaugh, enfatizando que “é suposto permanecer um segredo para sempre”. 

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