"Tenho medo. Medo de tudo": Mafalda recorda gravidez em pleno pico da pandemia do coronavírus

Técnica de farmácia, de 32 anos, deu entrada no Hospital de Vila Franca de Xira no dia 4 de abril para ter o segundo filho.

03 de agosto de 2020 às 10:00
Mafalda grávida com a filha Matilde, de 4 anosl Foto: Direitos Reservados / Mafalda Coutinho
Partilhar

Estávamos a 1 de julho de 2019. Mafalda Coutinho acabava de descobrir que estava grávida do seu segundo filho com chegada prevista para 2020. O novo ano tinha tudo para ser marcante, mas a mãe estava longe de saber que o o pequeno Dinis nasceria num tempo 'atípico', marcado pela pandemia do coronavírus.

A técnica de farmácia, de 32 anos, mãe de Matilde, de 4 anos, viveu uma gravidez tranquila.

Pub

À época, o coronavírus andava na boca do mundo, mas ainda longe da realidade portuguesa. Já de baixa de maternidade, foi durante uma visita à farmácia e aos colegas que Mafalda percebeu que a Covid-19 se aproximava de Portugal a passos largos.

"Estava a entrar à minha frente um senhor com um saco cheio de caixas de máscaras. Não percebia qual era o sentido, porque é que estavam a pedir uma coisa assim", estranhou Mafalda, que descobriu através de uma colega que o coronavírus "estava a vir para cá".

Em fevereiro e março os colegas começaram a usar a máscara na farmácia e rapidamente foram anunciados os primeiros casos e mortes relacionadas com a pandemia no País. Portugal entrou em confinamento e as semanas que se seguiram não foram fáceis.

Pub

"Foi terrível, foi um stress, com uma menina de 4 anos que não pára quieta, que só quer correr e brincar. Foi ficando mais irritada connosco, via os desenhos animados a fazer asneiras, parecia que queria fazer o mesmo, foi um bocadinho stressante", confessou.

Com a família no Porto, Mafalda e o marido viram-se sozinhos em Lisboa, perante uma pandemia, com uma criança pequena e um bebé prestes a nascer. 

O primeiro mês de confinamento e o último de gravidez foi um stress para a mãe de segunda viagem. Afinal, o Dinis estava prestes a nascer num País em pleno estado de emergência.

Pub

"Havia amigos que podiam ficar com a pequenina, mas também não os queria estar a colocar em risco. Eu deixava de dormir a pensar no que é que eu ia fazer quando fosse para o hospital", admitiu.

O dia do parto

"Tinha algumas contrações e a enfermeira aconselhou-me a ficar. Tive que ligar ao meu marido porque ele já não podia estar comigo e não tínhamos onde deixar a pequenina", contou a mãe, que não foi sujeita a qualquer teste à Covid-19 na unidade hospitalar.Mafalda encontrou um cenário ligeiramente diferente daquele que tinha vivido no nascimento da primeira filha, Matilde. "As enfermeiras estavam sempre de máscara, 

Pub

"O meu maior medo enquanto mãe era: vou ter Covid-19, vão tirar-me a criança"

O momento mais esperado "foi tranquilo e de alívio". "O que mais queria era voltar para casa para junto dos meus e o meu maior medo enquanto mãe era: vou ter Covid-19, vão tirar-me a criança. A partir do momento em que ele nasceu foi o maior alívio que tive e só queria ficar na minha bolha", recordou Mafalda, que não contou com a presença do marido no hospital durante o parto."Ele 

apenas recebeu uma fotografia da enfermeira porque nós conhecíamos", referiu a técnica, que se fez acompanhar do telemóvel sempre que lhe foi permitido, numa tentativa de encurtar a distância para com o companheiro. "Mal tive o parto, deixaram-me sossegada com o Dinis, amamentei e entrámos em videochamada com o pai", recordou.Durante todo o acompanhamento, Mafalda destacou a preocupação constante dos profissionais de saúde em manterem a higienização e todos os procedimentos devido à pandemia.

Pub

Mafalda foi apenas uma das mães que teve de lidar com a ausência do pai do bebé no momento do nascimento, uma medida que não a incomodou porque, afirma, "o que faz falta é o pai à mãe e não o pai ao bebé". A técnica considerou que "o papel do pai continuou lá sempre presente. Quando o bebé nasce o pai não pode fazer nada, a única coisa que pode fazer é apoiar a mãe".

A mãe garante que "atrasou apenas o momento de conhecer o bebé. Foram 48 horas de atraso. De resto, chegou a casa e foi um namoro com o filho". Mafalda sentia também que o pai estava a apoiar a sua outra filha, em casa, uma certeza que a deixava "mais sossegada".

Durante todo o acompanhamento, Mafalda destacou a preocupação constante dos profissionais de saúde em manterem a higienização e todos os procedimentos devido à pandemia.

Pub

No entanto, à saída do internamento 48 horas depois, não recebeu nenhum conselho por parte do pessoal médico sobre o coronavírus e os cuidados a ter com o recém-nascido. "As enfermeiras só me deram o aconselhamento normal de quando se tem o bebé", relembrou a mãe.

O regresso a casa com um recém-nascido

Já em casa, as rotinas alteraram-se e moldaram-se aos tempos da pandemia. "Os primeiros dias foram fáceis. O mais difícil é o pai ter que ir ao supermercado, entrar em casa, eu ter que andar a desinfetar as compras todas. Não há beijos para ninguém porque tenho medo que entre alguém e que faça alguma coisa ao miúdo. A pequenina às vezes andava com um brinquedo e depois ia pôr-lhe uma chupeta e eu dizia-lhe "Matilde, não podes. Tens que ir desinfetar as mãos", contou Mafalda, que lidou com a primeira visita do bebé aos avós com alguma apreensão.

Pub

"Foi cerca de duas semanas depois de ter terminado o Estado de Emergência. Fomos e viemos no mesmo dia ao Porto só para os avós o conhecerem. Mandámos os avós vestirem uma roupa lavada, passarem desinfetante nas mãos e estarem com a máscara. Foi em casa, têm muito espaço, foi a única maneira de estarmos tranquilos", frisou, acusando stress no momento do reencontro.

"A família viveu os dias com muita ansiedade. Estavam sempre a perguntar quando é que íamos", relembrou Mafalda, que se preocupava igualmente com os pais, um grupo de doentes de risco.

"Coube-me a mim fazer o papel de má e travar [contactos], não só por causa do menino, mas também por causa deles", afirmou.

Pub

O processo tem sido gradual. Alguns amigos já conheceram o membro mais novo da família, salvaguardando a distância física. Nas idas ao posto de saúde, Mafalda nota as pessoas "mais tranquilas", mas não diminuiu os cuidados. O receio continuou presente.

Passo a correr com medo que alguém espirre. Tenho medo. Medo de tudo. Vou ao posto de saúde e não toco em nada.

 Tenho de ficar em pé porque tenho medo de me sentar e de vez em quando tocar em alguma coisa e tocar no carrinho. Mesmo dentro do gabinete de enfermagem, não vejo se desinfetam a cadeira entre um pai e o outro. Tenho tanto medo que, só de me encostar à maca, quando chego a casa, a roupa tem de ir para lavar", admitiu.

Pub

"Tenham os cuidados básicos e não se preocupem com o momento do parto porque vão lá estar pessoas especializadas. E o pai, se está ou não está presente...estamos sempre à distância de um telefonema. Não é por 48 horas que o pai não conhece o filho e que vai ser melhor pai ou pior pai", relembrou.

Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?

Envie para geral@cmjornal.pt

Partilhar