Publicação de sentença judicial
Em cumprimento do artigo 34.º, da Lei de Imprensa publica-se extrato de sentença judicial.
Em cumprimento do artigo 34.º, da Lei de Imprensa publica-se extrato de sentença judicial proferida no processo n.º 17019/18.8T8LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 7, em que foram partes: Autor Hélder José Banha Coelho e Réus Joana Rita Versteeg Guedes Salgado, Cofina Media, S.A. e Octávio Ribeiro, da qual resultaram provados os seguintes factos:
1. O A. e a 1ª R. casaram em 16/03/2003.
2. O A. e a 1ª Ré encontram-se separados de facto desde 25 de Janeiro de 2013.
3. Já tendo sido decretado o respetivo divórcio.
4. A 2ª R. é proprietária do Jornal “Correio da Manhã”, um jornal diário e da “CMTV”, canal de televisão.
5. O 3º R. era, em Agosto de 2013, Diretor do “Correio da Manhã” e Diretor Geral da “CMTV”, competindo-lhe orientar, superintender e determinar os seus conteúdos.
6. O “Correio da Manhã é o jornal líder de mercado em Portugal.
7. Em 11, 12 e 18 de Agosto, o Jornal Correio da Manhã publicou três peças juntas a fls. 15 e 16 cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos.
8. Na primeira dessas peças, intitulada “Foge de Agressor para passar fome”, conta com declarações de “Anabela” (nome fictício), de 47 anos, licenciada e pós-graduada, mulher que se apresenta como alegada vítima de violência doméstica que relata ter fugido do seu marido para não morrer à pancada, correndo agora o risco de morrer à fome. A peça é ilustrada com uma fotografia da mulher de costas para a câmara, com a legenda: «Anabela abandonou o lar em Janeiro com os filhos menores».
9. Pode ler-se na referida peça: “Fugi do meu marido para não morrer de pancada e agora corro o risco de morrer à fome”. O desabafo é de Anabela (nome fictício), que em Janeiro deste ano abandonou o lar e pôs um ponto final em quase oito anos de agressões físicas, verbais e psicológicas. Hoje, com dois filhos menores a seu cargo, lamenta mal conseguir sobreviver com os apoios que o Estado concede às vítimas de violência doméstica. “A revolta que sinto é muito grande. Às vezes, até penso que o melhor era ter ficado em casa”, afirma a mulher, de 47 anos, pós-graduada no desemprego, e vítima silenciosa de um militar de carreira do Exército Português. Depois de ter apresentado queixa do marido às autoridades e denunciado o caso à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), foi morar com os filhos para uma casa arrendada em Santarém. Recebe 229 euros do Rendimento Social de Inserção (RSI) e um abono de família de 83 euros dos menores. As refeições são dadas por uma instituição de solidariedade. “Alguém acha isto suficiente para criar duas crianças?”, questiona Anabela, acrescentando que o dinheiro não chega “sequer para a renda, quanto mais para comida e outras despesas”, como a farmácia ou a escola. Mas o caso piora. O Tribunal de Santarém fixou a pensão de alimentos que o ex-marido terá que garantir aos filhos: 130 euros por cada um, que têm 4 e 5 anos. Porém, a partir do momento em que começar a receber estes 260 euros, perde o direito ao Rendimento Social de Inserção. “Nunca me conformarei com esta injustiça. Perco o único apoio que tenho por um direito que os meus filhos têm”, explica a mulher, que se queixa ainda da justiça ser cega e insensível ao fixar um valor tão baixo. “Não quero uma pensão de alimentos milionária, quero apenas algo que nos permita viver com o mínimo de dignidade, ainda por cima sem o RSI”, lamenta».
10. No dia 12 de Agosto de 2013 o Correio da Manhã, com uma chamada de primeira página publica – “Militar arranca dedo à mulher” – que remete para a página 21 da edição.
11. O texto interior tem a mesma fotografia do dia anterior de uma mulher de costas que não é possível identificar. A fotografia é legendada com o seguinte texto: «vítima perdeu parte da cabeça do dedo anelar direito e teve de ser assistida no Hospital».
12. A noticia em causa intitula-se «Militar arranca dedo à mulher” também no corpo do jornal, e no seu pós-título refere-se «Vitima de violência doméstica agredida quando tentava reaver bens pessoais».
13. Pode ler-se no texto da referida peça: «Anabela, a vítima de violência doméstica que saíu de casa com dois filhos menores para não morrer às mãos do marido, em Santarém, foi alvo de mais uma agressão por parte do ainda marido, um militar de carreira do Exército. Anabela perdeu parte da cabeça do dedo anelar direito por causa de um pontapé que o agressor desferiu na mão. O episódio ocorreu sábado, quando se deslocou à sua antiga casa para reaver alguns bens pessoais que deixou quando abandonou o lar, e que só serão divididos no final do processo de divórcio. “Tinham-me dito que ele se andava a desfazer das minhas coisas e fui ver se era verdade”, contou a mulher ao CM, acrescentando que o homem lhe vedou, de imediato, o acesso à residência. Quando Anabela estava com a mão debaixo da porta da garagem, tentando impedir que se fechasse, o marido desferiu, segundo o seu relato, um pontapé, que o atingiu na mão e lhe levou parte do dedo. A mulher acabou por ser assistida no Hospital de São José, em Lisboa, onde esteve quatro horas para lhe suturarem o dedo. A briga entre o casal foi presenciada por um dos filhos, que, segundo Anabela, também foi atingido. A agressão deu origem a mais uma queixa-crime na PSP».
14. Na terceira peça publicada pelo CM, com data de 18 de Agosto de 2013, encontra-se escrito que «Joana, 47 anos, vítima de violência doméstica durante oito anos, saiu do anonimato (nesta peça deixa de figurar como Anabela, nome fictício que lhe fora dado anteriormente) para denunciar que o Estado lhe retirou o Rendimento Social de Inserção». A alegada vítima de violência doméstica, residente em Santarém e ex-mulher de um militar, sublinha que lhe foi retirado o Rendimento Social de Inserção (RSI), no valor de 229€, após começar a receber a pensão de alimentos, no valor de 130€/filho (perfazendo um total de 260€). Acresce a este valor 83€/mês a título de abono de família. O foco da noticia é a indignação da alegada vítima perante a perda do RSI. A peça dá ainda nota de que no dia anterior em entrevista à CMTV, Joana tinha afirmado que sentia dificuldade em encontrar emprego por excesso de habilitações ao ser pós-graduada em Psicologia. Tendo confidenciado já ter trabalhado em limpezas. Encontra-se «zangada e triste com o Estado porque a pensão de alimentos dos filhos é para gastar com eles».
15. Na imagem que ilustra a peça é já possível identificar a alegada vítima, a 1ª Ré, que é fotografada de frente para a câmara.
16. Na véspera da noticia de 18 de Agosto de 2013, a R. Joana Salgado esteve presente em programa de televisão da CMTV.
17. Neste programa exibido pela CMTV, o “Despertar Correio da Manhã”, a 1ª Ré, Joana Salgado, esteve com os apresentadores Maya e Nuno Graciano.
18. Maya começa por introduzir o tema, dizendo que tem em estúdio alguém que tem sido «uma vítima da vida». No seu testemunho diz ter sido casada durante 10 anos e estar agora separada de facto, do relacionamento com o seu marido nasceram duas crianças, cujos nomes prefere não dizer porque «Santarém é uma cidade pequena».
19. Prossegue, referindo que em 2005 começou a ser vítima de agressões que se agravaram num «passado recente» em relação à data da entrevista. Motivo pelo qual começou a pensar em sair daquela situação. Questionada por Nuno Graciano sobre a razão pela qual não pôs fim mais cedo àquela situação, afirma ter sentido uma dependência emocional em relação ao agressor. Por outro lado, também era difícil conseguir «juntar dinheiro» para conseguir sair. Afirma Joana que «ao apanhar um agressor…como psicóloga…talvez haja a tentação, ao inicio, de tentar mudar aquela pessoa». Segundo diz, cada vez estava mais envolvida naquela situação, havia ameaças e preocupação com o bem estar dos filhos. Caso decida sair, a vergonha social associada à assunção de que se é vítima de violência doméstica. Maya intervém e pergunta a Joana qual foi o momento decisivo. Ao que aquela responde ter existido um somatório de motivos, salientando o facto de as brincadeiras dos filhos evidenciarem uma imitação do comportamento do pai. Descreve que o seu marido só vinha a casa ao fim de semana e os filhos à quinta começavam a temer a chegada do pai, porque este «vinha aos gritos».
20. Antes de sair de casa, Joana procurou informar-se sobre as ajudas que teria ao seu dispor. Após a saída pediu a regulação das responsabilidades parentais no tribunal, processo que demorou três meses. Foi-lhe atribuído também o estatuto de vítima de violência doméstica quando apresentou queixa na PSP. De acordo com esse estatuto teria direito ao apoio ao arrendamento e habitação social (mas em Santarém não há), teria ainda direito ao RSI e a apoio psicológico. Maya sublinha que este estatuto é atribuído perante a queixa, sem que seja provada a existência de uma situação de violência doméstica. (…)
21. Joana Salgado salienta que valeu a pena porque ganhou paz. Esteja a casa como estiver, está bem, não há ninguém a impor nada, nem a ralhar. O que a preocupa no momento é não ter emprego e precisar de sustentar os seus filhos. A única resposta que o Centro de Emprego lhe dá é que «tem que procurar emprego», mas Joana tem dois filhos de quem tem de tomar conta, dificultando, por exemplo, a possibilidade de trabalhar por turnos.
22. No final, Nuno Graciano agradece a Joana ter vindo partilhar a sua história e tê-lo feito de cara descoberta.
23. Nenhum dos outros RR. conhece o Autor nem o auscultou ou sequer informou ou confrontou sobre o conteúdo das publicações ou da ida da sua mulher ao programa ou o respectivo tema.
24. O A. não foi convidado pelos RR. a apresentar a sua versão dos factos nem lhe dada oportunidade de os desmentir.
25. Os 2º e 3º RR optaram por ouvir apenas a versão da história da 1ª Ré.
26. A Entidade Reguladora da Comunicação Social, quanto ao Correio da Manhã, considerou verificar-se a violação dos deveres ético legais aplicáveis à atividade
jornalística e alertou o jornal a cumprir escrupulosamente os deveres legais e deontológicos do jornalismo e a respeitar os direitos fundamentais dos visados nas noticias, designadamente o seu direito ao bom nome e à imagem e à presunção da inocência;
27. A Entidade Reguladora da Comunicação Social quanto à CMTV, sublinhou a importância da preservação da presunção da inocência e garantia do direito ao bom nome dos visados, sendo de aprofundar em situações futuras o papel dos moderadores que, no caso em apreço, fizeram notar que os factos relatados não se encontravam provados, minorando a lesão ao bom nome do queixoso.
28. O A. é militar de carreira, e em Agosto de 2013 tinha o posto de Major de Cavalaria.
29. Atualmente tem o posto de Tenente Coronel.
30. O A. é pessoa séria, respeitada e considerada na cidade de Santarém onde vive.
31. O A. é facilmente identificável como o visado das noticias por todos quanto o conheçam ou à R. Joana Salgado.
32. As noticias foram comentadas entre conhecidos, colegas militares e mesmo desconhecidos que vendo o A., sobre isso comentaram.
33. O A. sentiu-se triste, diminuído, ofendido, humilhado e ultrajado.
34. Sentiu-se envergonhado e constrangido, exposto, apontado e acusado.
35. Foi abordado por familiares, colegas, amigos e seus conhecidos, e até desconhecidos, que o interpelaram sobre os factos dos jornais e conteúdo do programa televisivo.
36. Todas as queixas apresentadas pela 1ª Ré contra o A. resultaram na absolvição deste ou no arquivamento dos autos.
37. A 1ª Ré foi condenada pela prática de 4 crimes de difamação sobre o ora A. por sentença proferida no Processo Comum Singular nº 927/14.2PBSTR que correu termos no Juiz 2 da Instância Local criminal de Santarém, e já transitada em julgado.
Da contestação da Ré Joana Salgado provou-se que:
38. A Ré saiu de casa com os seus dois filhos, tendo sido acolhida numa casa abrigo que lhe foi providenciada pela APAV.
39. A Ré passou a viver com dificuldades depois de ter saído de casa uma vez que, até aí dependeu economicamente do Autor.
40. Por via do Estatuto de vítima que lhe foi atribuído, no dia 24/01/2013, que a Ré, requereu o RSI (rendimento social de inserção), que lhe foi atribuído a partir de Fevereiro de 2013, no montante de 247,80 € mensais.
41. Em Abril de 2013 o Juízo de Família de Menores da Comarca de Santarém, no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais dos seus dois filhos menores, fixou uma pensão de alimentos a pagar, a cada um deles, pelo Autor, no montante de 130 €.
42. Por via desta decisão judicial que a Segurança Social veio proceder à cessação do RSI a pagar à Ré: “Ter-se verificado que o rendimento do conjunto do agregado familiar a considerar, para efeitos de atribuição da prestação, passarem a ser superiores ao valor do RSI (al. a) do artigo 22.º e al. c) do n.º 1 do artigo 6.º)”
43. Na data das entrevistas, estavam pendentes as seguintes queixas-crime:
a) NUIPC 63/2013 relativamente às agressões do dia 24 de Janeiro de 2013;
b) NUIPC 600/13.9PBSTR, relativamente à agressão do dia 10 de Agosto de 2013.
44. Anteriormente já a Ré tinha apresentado queixas crime por agressões do Autor
(NUIPC 544/05.8GEALR, 464/05.6GCACB, 407/12.0PBSTR)
45. A 1ª Ré foi não pronunciada e absolvida no âmbito dos processos 250/18.3T9STR e
452/18.2T9STR instaurados pelo A..
Da contestação dos RR. Cofina e Octávio Ribeiro provou-se que:
46. O R. Octávio Ribeiro não fez entrevistas a Joana Salgado, não escreveu os textos publicados, e não acompanhou a entrevista televisiva feita pela CMTV.
47. Faz parte das funções de Octávio Ribeiro, ainda que delegadas, aprovar e autorizar a publicação dos textos que são publicados e das entrevistas realizadas.
48. O tema da violência domestica está pré-autorizado pois faz parte da linha editorial daquela publicação.
49. O Jornal Correio da Manha é um jornal diário de grande divulgação.
50. A 1ª Ré deslocou-se a outros programas televisivos “Querida Júlia” e “Queridas Manhas” apresentando-se como vitima de violência domestica.
51. Dois dos artigos do Correio da Manha são da Autoria de João Nuno Pepino.
52. No programa televisivo “Despertar Correio da Manha” decorreu uma entrevista à 1ª Ré por livre e espontânea vontade desta.
Indemnização fixada:
A primeira instância condenou os Réus Joana Rita Versteeg Guedes Salgado, Cofina Media, S.A. e Octávio Ribeiro, solidariamente, no pagamento ao Autor Hélder José Banha Coelho, da quantia de 15.000 € (quinze mil euros), acrescido de juros de mora desde citação até efetivo e integral pagamento. Na sequência da interposição de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa no que à Cofina Media, S.A. diz respeito reduziu o montante da indemnização a seu cargo para 12.000 €, pelo que só até esse montante é responsável solidariamente com os réus Joana Salgado e Octávio Ribeiro.
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