Sobreposição de humanos e vida selvagem deverá aumentar em mais de metade do planeta até 2070
Investigadores acreditam que os conflitos entre espécies vão aumentar.
Mais de metade da superfície terrestre do planeta registará uma crescente sobreposição de humanos e vida selvagem até 2070, devido ao crescimento da população, indica um estudo divulgado esta quarta-feira pela Universidade do Michigan (UM), nos Estados Unidos.
A ocupação do mesmo espaço pelos dois grupos poderá levar a mais conflitos entre ambos e os investigadores tentaram perceber onde será mais provável que ocorra a sobreposição e quais os animais que têm maior probabilidade de interagir com os seres humanos em áreas específicas, informação essencial para o planeamento urbano e para os conservacionistas.
"Verificámos que a sobreposição das populações humanas e da vida selvagem aumentará em cerca de 57% das terras a nível global e diminuirá em apenas cerca de 12%", com principal incidência nas áreas agrícolas e florestais, disse Deqiang Ma, principal autor do estudo e investigador de pós-doutoramento na UM, citado num comunicado do estabelecimento de ensino superior.
O estudo mostrou também que a sobreposição será impulsionada pelo crescimento da população humana, que expande a área de ocupação, e não pelas alterações climáticas, que obrigam animais a mudarem de local onde vivem.
Para calcular a futura sobreposição, os investigadores criaram um índice que combinou estimativas de onde as pessoas provavelmente povoarão a terra e as distribuições espaciais de 22.374 espécies de anfíbios terrestres, aves, mamíferos e répteis.
No primeiro caso foram tidas em conta projeções de desenvolvimento económico, da sociedade e da demografia e, no segundo, dados publicados anteriormente que preveem onde as espécies viverão tendo em conta as consequências das alterações climáticas nos seus 'habitat'.
E descobriram que as áreas que se prevê que tenham uma elevada sobreposição de humanos e vida selvagem em 2070 estão concentradas em regiões onde a densidade populacional já é elevada, incluindo a China e a Índia.
Além destes locais, também é preocupante a situação das florestas, particularmente em África e na América do Sul, que devem registar "um grande aumento da sobreposição no futuro" e "têm uma biodiversidade muito elevada" que sofrerá grande pressão, explicou Neil Carter, investigador principal do estudo e professor associado na UM.
Segundo os cientistas, a riqueza média de espécies (variedade de espécies numa determinada área) "deverá diminuir na maioria das florestas de África e da América do Sul".
"Na América do Sul, prevê-se que a riqueza de mamíferos diminua 33%, a de anfíbios 45%, a de répteis 40% e a de aves 37%". Em África, a variedade de mamíferos deverá reduzir-se em 21% e a de aves em 26%.
Preservar a biodiversidade nas zonas de sobreposição traz benefícios reais, notou Carter.
Em relação ao consequente aumento das interações entre humanos e animais selvagens, o estudo refere a preocupação com o surgimento de novas doenças, como aconteceu com a covid-19, sem esquecer que também há espécies cuja proximidade beneficia as pessoas, por exemplo reduzindo a profusão de pragas.
O aumento das zonas de coexistência de pessoas e animais obrigará à evolução das estratégias de conservação, que se têm baseado principalmente na criação de áreas protegidas onde o acesso humano é restringido, o que "está a tornar-se mais difícil de implementar".
"O nosso estudo sugere que, com a expectativa de que mais áreas do mundo sejam partilhadas pelas pessoas e pela vida selvagem, o planeamento da conservação terá de ser mais criativo e inclusivo", indicou.
Recomenda-se o envolvimento das comunidades locais para despertar o interesse em ajudar a melhorar o processo de conservação, que poderá "incluir o estabelecimento de corredores de 'habitat' para ligar áreas protegidas existentes a áreas potencialmente novas ou para criar áreas protegidas temporariamente durante períodos críticos para a vida selvagem, como o da reprodução, bem como outras inovações".
"Preocupam-nos muito as áreas que poderão abrigar populações de espécies ameaçadas, como os tigres", tendo em conta o modo como os humanos "interagem com estas espécies", disse Carter.
"Em alguns lugares será muito difícil fazer tudo ao mesmo tempo: ter agricultura, áreas urbanas e proteger estas espécies e os seus 'habitat'. Mas se pudermos começar a planear agora, temos muitas ferramentas para nos ajudar a promover uma coexistência sustentável".
Os coautores do estudo, publicado na revista científica Science Advances, incluem Jacob Allgeier e Brian Weeks, da UM, Briana Abrahms, da Universidade de Washington, e Tim Newbold, da University College London.
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