"Ainda não é tarde demais para Portugal, mas amanhã pode ser", disse um jovem brasileiro a viver em Portugal há 14 anos.
1 / 14
Contra o fascismo, o racismo e pela liberdade e direitos cívicos, centenas de pessoas manifestaram-se hoje em Lisboa num protesto que quem lá estava disse ser necessário pelo crescente à-vontade que a extrema-direita sente para cometer crimes.
Por volta das 15:00, hora marcada para a concentração no Largo Camões, já muitos se juntavam em torno da estátua do poeta onde, num modelo de microfone aberto, quem quis 'subiu ao palco' para falar a quem ali se dirigiu.
Breves discursos intervalados por palmas da assistência e pelas palavras de ordem mais repetidas -- "Não passarão" -- foram-se sucedendo entre quem fez questão de marcar presença para condenar o mais recente episódio de racismo em Portugal, em investigação pelo Ministério Público, que pretende apurar os factos relativos ao email intimidatório enviado a três deputadas e representantes de organizações de combate ao fascismo e ao racismo por um grupo conotado com a extrema-direita, a Nova Ordem de Avis -Resistência Nacional, ao qual também se atribui a organização da concentração frente à sede da SOS Racismo.
Rita Osório, da Frente Unitária Antifascista e uma das responsáveis pela organização da concentração de hoje tem o nome entre os 10 que constam da lista, declarou-se surpreendida com a quantidade de pessoas ali presentes, mas esperando que ainda pudessem chegar mais. Menos surpreendida está com o escalar das ações violentas da extrema-direita no país.
"A Frente Unitária Antifascista sempre tentou avisar que a extrema-direita se estava a desenvolver e a ganhar força", disse apontando o dedo a quem diz ser a cara do crescendo do discurso de ódio, racista e xenófobo em Portugal, dando força a grupos extremistas e legitimando o seu comportamento violento: o deputado André Ventura, do Chega.
Das autoridades públicas e das forças políticas disse que esperava mais e recusa o apelo à calma do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
"Nós não podemos ter calma como o nosso Presidente da República pediu, não podemos, porque nós é que estamos na linha da frente, nós é que estamos a receber essas ameaças. Por isso é impossível termos calma quando temos cada vez mais organizações racistas e fascistas a ganhar palco e espaço", disse, lembrando que o artigo 46.º da Constituição as proíbe.
A Constituição, e o seu artigo 46.º, que proíbe organizações racistas ou de ideologia fascista, andava hoje na boca de todos e nos cartazes de muitos. Como no de Inês Lopes, que dizia simplesmente "Constituição. Artigo 46.º", o artigo que ela própria só descobriu depois dos últimos acontecimentos no país em matéria de racismo a terem levado a ler a lei.
Proibir o fascismo na Constituição não chega? "Aparentemente não chega. Só chega um Chega", ironizou.
Inês Lopes não tem dúvidas no retrato que trata da sociedade portuguesa: "Normalizada com o racismo, portanto racista".
"Acho que falta empatia e acho que existe uma grande hipocrisia portuguesa, porque temos que reconhecer que existe racismo. Todos nós somos racistas e fomos ensinados subtilmente ou diretamente a tal. Como tal, precisamos de reconhecer primeiro que o somos. Faltam mais manifestações como esta, falta falar sobre isto", defendeu.
Para a manifestante estar ali, no Largo Camões, em 2020, pelos motivos que estava, é coisa que "não faz sentido em pleno século XXI". Ou até pode fazer, dependendo da atenção que se preste à História.
"Sabe-se que a História é circular e às vezes é preciso sermos relembrados que certas coisas podem, de facto, acontecer novamente. Por isso é que existem Constituições. É preciso ter ali um lembrete que nos diga que se calhar há o perigo de isto voltar a acontecer. [...] O racismo existe, assim como o discurso fascista, claramente. Como tal, temos que estar aqui", disse.
A História repete-se, sobretudo, por ignorância, defendeu Cláudia Santos, que partilha o sentimento de "absurdo" de sair à rua para defender direitos e liberdades conquistadas. Circulava com um cartaz onde se lia "Já liam mais", porque é ignorância que vê quando vê a História a repetir-se populismo que alimenta uma dimensão crescente dos discursos de ódio.
"Acho completamente absurdo o despudor das pessoas, o quão confortáveis elas estão para cometer crimes. Acho que as pessoas estão-se a sentir confortáveis e estão-se a sentir legitimadas também por alguns representantes que começam a encontrar", nomeadamente no parlamento, disse.
A mudança, disse, pode começar na escola: "A educação tem um papel bastante importante. Vamos não esquecer que uma boa parte do nosso programa, em especial de História, ainda descende muito do Estado Novo e sinto que é por isso também que as pessoas se sentem tão à vontade com sentir nacionalismo".
João Monteiro, dirigente do Livre, foi dos primeiros a pegar no microfone para falar aos manifestantes, aos quais disse que não esperava estar a viver aquilo que se está a viver no país. À Lusa disse que o momento é "inacreditável e inaceitável" e que fazer listas com nomes de pessoas e ameaça-las é "terrorismo interno", em relação ao qual espera ação da polícia e esperava uma ação diferente dos partidos.
"Acho que todos os partidos democráticos, da esquerda à direita, se devem unir e condenar este tipo de atitudes que são atentatórias dos direitos dos cidadãos", disse.
Erguido bem alto acima da cabeça da manifestante que o segurava e na direção de quem discursava, um cartaz alertava que "estamos a perder Abril", com um cravo murcho a reforçar a ideia. Ao microfone sucediam-se intervenções que culminavam quase todas numa ideia chave: a importância de agir e de não ficar em silêncio.
Ao microfone, um jovem brasileiro a viver em Portugal há 14 anos deixou um agradecimento: "Obrigada por estarem aqui hoje, a lutar pelo meu direito de viver aqui não sendo português".
Imediatamente a seguir, outra jovem brasileira, advertiu os portugueses que ainda se sentem confortáveis com o país onde vivem. Na posição de quem "assistiu de perto à ascensão de Bolsonaro" apontou o dedo ao "silêncio de quem acha que não é nada com eles" e pediu aos presentes para responsabilizarem amigos e familiares por não estarem ali com eles.
"Ainda não é tarde demais para Portugal, mas amanhã pode ser", disse.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.