Até que ponto o filme de Edward Berger consegue representar com rigor o processo envolto de secretismo?
Depois da morte do Papa, a conversa que surgiu sobre o conclave - reunião à porta-fechada para escolher o próximo pontífice - fez questionar até que ponto o ‘Conclave’ - filme vencedor de um Óscar - consegue representar com rigor o processo envolto de secretismo.
‘Conclave’ oferece ao mundo exterior um pequeno olhar sobre a ação que decorre no Vaticano após a morte ou resignação de um papa. Mas quão precisa será a longa-metragem?
De acordo com especialistas citados pelo The Guardian, o filme é mais certeiro do que errado e é, pelo menos, fruto de uma pesquisa meticulosa e cuidadosa. “Acertaram em muitos detalhes”, disse a historiadora de catolicismo de Notre Dame, Kathleen Sprows Cummings, que seguiu de perto a eleição do Papa Francisco em 2013.
“O filme fez um ótimo trabalho em equilibrar o humano – as pessoas, os homens ambiciosos, que têm crenças fortes sobre aquilo que a Igreja precisa – e o Espírito Santo” que guia os procedimentos, segundo a crença católica.
Bill Cavanaugh, professor de Estudos Católicos, na Universidade DePaul, nos EUA, concorda que o filme acerta em muitos detalhes. “Certamente a mise-en-scène do filme, eles esforçaram-se muito para serem rigorosos nisso”, afirmou Cavanaugh.
O realizador Edward Berger, o guionista Peter Straughan e a equipa de produção falaram, durante a campanha do filme para as premiações, sobre o processo meticuloso de pesquisa. Em vez de envolver diretamente o Vaticano, a equipa entrevistou vários cardeais sobre detalhes gerais, fez visitas ao Vaticano e recriou a Capela Sistina nos estúdios Cinecittà, em Roma.
A equipa consultou ainda conselheiros religiosos que revelaram procedimentos arcaicos passados de geração em geração, como a destruição do anel do papa que faleceu.
“Foi notável a forma como eles pegaram em algo que é secreto e acertaram em grande parte”, disse a historiadora.
O filme, acrescenta Cunnings, “deu uma ideia sobre o tipo de conversas que acontecem antes de um conclave”, durante as congregações gerais, onde todos os cardeais, quer votem ou não, discutem o futuro da Igreja. “Não vamos chamar um filme de ‘congregação geral’, é muito aborrecido”, disse em tom de piada.
As conversas não oficiais sobre a eleição terão começado logo em fevereiro, quando Francisco foi internado com uma pneumonia bilateral. Mas esta semana, “haverá jantares, reuniões em apartamentos”, afirmou a historiadora. “Quem apoia quem? Há uma maioria clara? Haverá um favorito claro? Isso tudo está a acontecer”, revelou Cunnings.
O filme delineou ainda as fações claras que existem no Vaticano, encabeçadas pelos diversos arquétipos: o reacionário que representa a ala conservadora e o candidato liberal que procura reformar a Igreja.
As fações encaixam-se vagamente numa Igreja em conflito com visões conservadoras e liberais, mas o ‘Conclave’ terá “exagerado um pouco”, disse Cavanaugh. “Os cardeais não se dividem perfeitamente entre campos progressistas e conservadores... em geral, é mais uma mistura”, explica o professor.
“São caricaturas, certamente, mas também captam algo que é real. Há certamente pessoas que são tradicionais, que pensam que o Papa Francisco foi demasiado longe em encontrar-se com pessoas marginalizadas. Do mesmo modo, há pessoas que querem que o seu legado continue”, informou Cummings.
Tanto Cavanaugh como Cummings, registaram algumas imprecisões no filme, nomeadamente a influência de um cardeal nomeado em segredo (in pectore). “A ideia de que um cardeal in pectore pode aparecer no conclave e dizer: Ei, estou aqui para votar – isso não poderia acontecer”, demonstrou Cummings, explicando que “um cardeal não tem os privilégios de ser cardeal até ser anunciado publicamente como tal”.
Os especialistas notaram que o papel de Ralph Fiennes, como decano do Colégio dos Cardeais, misturou funções com as do camerlengo, responsável por assuntos relativos à morte de um papa.
Imprecisões técnicas à parte, Cummings realçou um momento que capturou a essência emocional da eleição: a escolha do nome papal. O papa eleito é questionado, antes de ser escolhido, sobre o nome que iria adotar, ao que ele responde que nunca pensou sobre o assunto. Porém, mais tarde, admite que seria João. “Eu adoro isso, porque claro, se és cardeal, tens um nome papal em mente”, disse a historiadora. "Claro que ninguém diz que quer ser papa. Acho que isso capturou bem a humanidade dos cardeais", assume Cummings.
O mistério relativo à ação futura de um cardeal quando se torna papa também foi bem retratado, segundo Cavanaugh. “Quando elegemos alguém, não sabemos exatamente no que a pessoa se vai tornar”, disse o professor elogiando o filme.
Por exemplo, o Papa Pio IX foi eleito em 1846 como progressista, mas tornou-se conservador quando foi forçado a fugir de Roma, nas revoluções de 1848. Por sua vez, o Papa Francisco surpreendeu muitas pessoas com as posições progressistas sobre a homossexualidade e justiça social.
No final de contas, o mundo exterior terá de especular sobre o que se passa na Casa de Santa Marta e na Capela Sistina, porque “não é suposto sabermos como os cardeais votam”, disse Cavanaugh, enfatizando que “é suposto permanecer um segredo para sempre”.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.