Pediatras alertam que "há menos crianças a serem testadas", o que pode dar "a ideia falsa de que infetam menos".
As crianças são infetadas pelo novo coronavírus de forma menos severa, e habitualmente através de um adulto, mas não é claro por que razão isso acontece e se elas infetam outras crianças e os adultos.
As incógnitas são muitas, mas a reabertura das creches, na segunda-feira, e dos infantários, a 1 de junho, poderá aclarar dúvidas, assim como a realização de estudos prospetivos, segundo pediatras ouvidos pela Lusa, que lembram que o impacto da infeção da covid-19 nas crianças foi estudado quando ainda estavam confinadas em casa.
As crianças "são infetadas como os adultos e têm excreção de vírus em quantidade semelhante, talvez menos tempo", refere o pediatra Gonçalo Cordeiro Ferreira.
Contudo, salvo, por vezes, "manifestações clínicas mais graves", o seu "quadro clínico é geralmente muito benigno", com poucos ou nenhuns sintomas, assinala o diretor da Área de Pediatria Médica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, do qual faz parte o Hospital Dona Estefânia, que esteve na primeira linha na identificação de casos de covid-19 nas crianças.
Uma vez que a infeção é, na generalidade, menos severa nas crianças, "há menos crianças a serem testadas", dando "a impressão, que pode ser falsa, de que se infetam menos", adverte.
Mas porque é que as crianças têm um quadro clínico menos grave? "Não se sabe", responde.
"Menos recetores pulmonares para o vírus entrar? Maior imunidade inata? Mais cuidados dos adultos para não se infetarem? Não se sabe", insiste Gonçalo Cordeiro Ferreira, que preside à Comissão Nacional da Saúde Materna, da Criança e do Adolescente, defendendo que "só estudos prospetivos podem elucidar este ponto".
Ponto que, alerta, "até pode estar falseado pelo encerramento precoce das escolas", que em Portugal aconteceu em 16 de março e levou ao confinamento das crianças em casa.
A pediatra Maria João Brito avança várias explicações possíveis para as crianças serem mais poupadas à doença da covid-19, à qual, em contrapartida, têm sido mais vulneráveis os idosos com patologias crónicas.
Uma das possíveis explicações reside na imunidade inata, a que permite responder imediatamente, através de determinadas células e proteínas, a um microrganismo como o coronavírus SARS-CoV-2 e que nas crianças é "mais forte".
Depois, nas crianças, os vírus respiratórios emergentes, como o SARS-CoV (Síndrome Respiratória Aguda Grave), o MERS-CoV (Síndrome Respiratória do Médio Oriente) e o SARS-CoV-2 (covid-19), têm menos oportunidades de se ligarem às células do aparelho respiratório.
Segundo a pediatra, que coordena a Unidade de Infecciologia do Hospital Dona Estefânia, as crianças possuem, por comparação com os adultos, "menos recetores" nas células do aparelho respiratório (que inclui pulmões) às quais a proteína-chave do SARS-CoV-2, a chamada proteína da espícula, se pode ligar.
É esta proteína, à superfície, que permite ao novo coronavírus entrar nas células humanas e replicar-se, gerando doença.
Nas crianças, os recetores celulares, as designadas enzimas ACE2, além de serem em menor número, "não funcionam tão bem como na idade adulta", acrescenta Maria João Brito.
Por último, nas crianças, que têm infeções provocadas por vários microrganismos em simultâneo, pode haver "quatro ou cinco vírus que competem entre si". Vencerá o mais forte.
De acordo com a médica, tal como os coronavírus SARS-CoV e MERS-CoV, o SARS-CoV-2 é transmitido "habitualmente à criança" por um adulto, que tem mais recetores celulares para estes tipos de vírus.
No caso de outros vírus respiratórios, como o da gripe sazonal, em circulação todos os anos, é a criança que, em regra, transmite a infeção ao adulto e não o contrário, dado que, devido à sua idade, tem menos perceção dos cuidados a ter, sendo, por isso, um foco de contágio.
No entanto, adianta Maria João Brito, uma criança infetada com o SARS-CoV-2 também poderá vir a transmitir a infeção, tal como faz um adulto.
"Se as crianças infetam as outras e os adultos, logo veremos", afirma, prudente, o pediatra Gonçalo Cordeiro Ferreira, reiterando que só com estudos prospetivos, envolvendo famílias, "se poderá ter uma resposta mais robusta a estas interrogações".
Segundo o diretor da Área de Pediatria Médica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, "na maior parte dos países não há evidência de que uma criança tenha sido infetada por outra criança ou tenha sido fonte de infeção para um adulto".
"Há sempre um adulto infetante (professor ou familiar) na cadeia de transmissão à criança", descreve, salientando que "as crianças infetadas fora de casa não infetaram ninguém na família".
Porém, para Gonçalo Cordeiro Ferreira, estes dados, que contrariam "a habitual transmissibilidade dos vírus respiratórios que circulam das crianças para outras crianças e para os adultos", como o mencionado da gripe sazonal, "podem estar enviesados".
O presidente da Comissão Nacional da Saúde Materna, da Criança e do Adolescente apresenta dois motivos: as crianças não foram "sistematicamente testadas" à covid-19 por serem assintomáticas ou pouco sintomáticas e na maioria dos países ocidentais, incluindo Portugal, houve "um encerramento precoce das escolas e um confinamento das crianças".
Nas escolas, recorda Gonçalo Cordeiro Ferreira, as crianças "podem ser infetadas por professores e educadores, como em casa pelos familiares e pais". Para acautelar isso, o Governo decidiu testar cerca de 29 mil funcionários de mais de duas mil creches.
A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, reconheceu esta semana que as regras para a reabertura das creches, uma das medidas do Governo para o desconfinamento faseado do país durante a mitigação da pandemia da covid-19, não garantem "risco zero" de contágio, mas "ajudam a minimizar o risco" de infeção "sem coartar o desenvolvimento normal" das crianças.
"Devem ser crianças, brincar", vinca a pediatra Maria João Brito, que, apesar dos receios e resistência manifestados por pais, vaticina um regresso "tranquilo" às creches.
"Mais dia, menos dia", diz, as crianças vão ter de voltar ao seu espaço habitual de brincadeiras e conviver com outras crianças, porque o vírus "vai permanecer" na vida quotidiana e as pessoas terão de "aprender a lidar com ele".
Maria João Brito ressalva, contudo, que se um dos progenitores ou encarregado de educação estiver infetado, a criança, mesmo sem sintomas, não deve ir à creche, mas ficar em casa por precaução.
Sobre o convívio das crianças com os avós, que muitas vezes cuidam dos netos quando os pais estão a trabalhar, o pediatra Gonçalo Cordeiro Ferreira sublinha que "os avós só por serem avós não estão automaticamente em risco, desde que não tenham doenças crónicas debilitantes ou não tenham muita idade, para cima dos 75 anos".
O diretor da Área de Pediatria Médica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central enfatiza que há casos de avós em que "a falta de contacto com os netos lhes faz pior, pelo isolamento social, do que uma eventual exposição ao vírus".
"Cada caso é um caso e não podemos nunca generalizar", avisa.
Em Portugal, morreram 1.190 pessoas das 28.583 confirmadas como infetadas, e há 3.328 casos recuperados, de acordo com o mais recente balanço da Direção-Geral da Saúde.
O grupo etário até aos 9 anos é o menos afetado pela covid-19, com 499 casos de infeção confirmados e sem mortes registadas.
A doença respiratória, que se tornou numa pandemia devido à sua disseminação pelo mundo, é causada por um novo coronavírus detetado em dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
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