Programas de conservação arrancaram com a reprodução em cativeiro e posterior libertação de animais na natureza.
A genética do lince ibérico, a menos diversa de todas as conhecidas no planeta, foi um problema para a conservação do felino, mas tornou-se um elemento chave dos bem-sucedidos programas de recuperação das últimas duas décadas.
Foi precisamente por ser "um problema" e um elemento crítico que precipitava a extinção da espécie no início do século XXI, que a genética do lince ibérico acabou por se tornar essencial para salvar o felino, como explicou esta quarta-feira o investigador José António Godoy, da Estação Biológica de Doñana - Conselho Superior de Investigações Científicas de Espanha.
Os cientistas conseguiram "transmitir essa ideia" e "a genética foi incorporada nos programas de conservação", disse José António Godoy, que trabalhou com os sucessivos programas de recuperação do lince ibérico e que falava no Congresso Internacional Lince Ibérico, que decorre em Sevilha, Espanha.
Em 2002, quando arrancaram os programas de conservação, restavam menos de 100 linces na Península Ibérica, distribuídos por duas populações isoladas na Andaluzia, sul de Espanha, uma delas no Parque Nacional de Doñana, onde trabalha o investigador. Em Portugal, o animal fora dado como extinto.
Em 2024, segundo o censo oficial feito pelas autoridades dos dois países, havia 2.401 linces na Península Ibérica (354 em Portugal) e a espécie deixou de ser classificada como "em risco" para passar a "vulnerável" na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
A genética "foi chave desde o princípio", explicou esta quarta-feira José António Godoy, que sublinhou que em 2002 o lince ibérico, reduzido a duas populações isoladas e muito pequenas, tinha "níveis extremos" de consanguinidade e endogamia, que além de se manifestar em doenças e outras "coisas estranhas", tinha associada uma capacidade muito reduzida de adaptação a eventuais mudanças no meio ambiente e ecossistemas.
"Era a espécie que, das conhecidas, tinha menor diversidade genética nesse momento e continua a ser das que tem menor diversidade. De qualquer espécie, não só entre felinos", sublinhou.
Para preservar a diversidade genética e potenciá-la ao máximo e, em simultâneo, salvar o lince ibérico, os programas de conservação arrancaram com a reprodução em cativeiro e posterior libertação de animais na natureza, nos quais, até hoje, há seleção criteriosa de exemplares para formar casais e garantir que não se perdeu nada da genética que sobrava.
"Por sorte", as duas populações que permaneciam em 2002 "não tinham exatamente" a mesma variedade genética, pelo que se misturaram linces reprodutores dos dois grupos, explicou o investigador.
Também a libertação dos animais nascidos em cativeiro seguiu sempre critérios rigorosos relacionados com a genética, a que se soma uma monitorização permanente das populações na natureza, através da recolha de contínua de milhares de excrementos para análise de ADN e genoma.
Com base nestas monitorizações, existe também um programa de translocação de animais entre populações, com a captura de exemplares de um grupo e posterior libertação noutro local, sempre com o objetivo de reforço e preservação da diversidade genética.
Nas últimas duas décadas, o lince ibérico parece ter saído, assim, do "vórtex da extinção", em que uma população total pequena se soma a níveis altos de endogamia e baixos de diversidade, assim como a fracos índices de adaptação, em três vetores que são em simultâneo origem e consequência uns dos outros.
Foi "um processo espetacular", em que a um "declive dramático" se sucedeu "uma recuperação espetacular", mas ainda assim mantém-se "a preocupação de o lince ibérico continuar a ser das espécies com menor diversidade genética" e sofrer "a ameaça significativa" de uma "fraca capacidade de adaptação", alertou José Antonio Godoy.
As populações de lince ibérico têm ainda de continuar a crescer e misturar-se para serem viáveis e sustentáveis, sendo a migração e ligação entre elas essencial.
No entanto, no que toca à diversidade genética, "não pode ser inventada" e a que restava em 2002 tem sido potenciada e foi preservada ao máximo, explicou.
Neste contexto, o investigador sugeriu que o futuro pode passar por introduzir técnicas de reprodução assistida em cativeiro, para por exemplo preservar elementos genéticos de animais que naturalmente foram incapazes de procriar.
Outra hipótese que disse que deveria ser ponderado - e que reconheceu poder ser polémico - é o cruzamento do lince ibérico com outra das três espécies de lince que existem mais no planeta, nomeadamente o lince boreal ou euro-asiático.
José Antonio Godoy sublinhou que as duas espécies se cruzaram no passado com impactos positivos na diversidade e reforço genético do lince ibérico, como documenta a ciência em estudos recentes.
Os responsáveis e cientistas do projeto LIFE LynxConnect - o programa de recuperação do lince ibérico atualmente em vigor - consideram que para se alcançar um "estado de conservação favorável" será necessário chegar a uma população de 4.500 a 6.000 indivíduos, com pelo menos 1.100 fêmeas reprodutoras.
O censo de 2024 identificou 1.557 linces adultos, dos quais 470 fêmeas reprodutoras.
Segundo um comunicado oficial divulgado na terça-feira, o programa de reprodução em cativeiro vai continuar "a reproduzir ao mesmo ritmo dos anos anteriores" atendendo às "necessidades futuras dos programas de reintrodução e as necessidades de reposição de reprodutores".
"Neste contexto, os centros de criação preveem formar 30 casais reprodutores em 2026, seguindo as recomendações genéticas mais adequadas para satisfazer as futuras exigências dos programas de reintrodução", acrescentou o mesmo comunicado.
Um recorde de 62 crias nasceram este ano nos cinco centros de reprodução em cativeiro que existem em Portugal e Espanha.
O programa de reprodução em cativeiro do lince ibérico cumpriu em 2025 o vigésimo aniversário e nestas duas décadas nasceram 835 crias, 640 das quais sobreviveram ao desmame e 424 foram posteriormente libertadas na natureza em diversos pontos da Península Ibérica.
Os projetos de conservação do lince ibérico têm 23 anos, são maioritariamente financiados por programas europeus LIFE e envolvem diversas entidades públicas e privadas em Portugal e Espanha.
Em Portugal, a coordenação cabe ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF).
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