Há quem diga que pensa em sair de Monchique, há quem não tenha dúvidas e já arregace as mangas.
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Monchique é dos concelhos mais envelhecidos do Algarve, com menos população e com menor poder de compra. Perante mais um grande fogo no espaço de 15 anos, as pessoas procuram recompor-se, entre o desânimo e a esperança firme.
Monchique é um concelho diferente da maioria dos do Algarve, onde a praia e o mar trouxeram riqueza e emprego. Situado na serra, tem uma economia centrada na floresta, na pedra e na água, além de algum turismo. Está nos lugares cimeiros do distrito de Faro quando se fala de envelhecimento - com 3,6 idosos por cada jovem -, de desemprego, de poder de compra e de população (de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística).
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Com o fogo que lavrou entre 03 e 10 de agosto, queimando no concelho 16.700 hectares, foram-se medronheiros, sobreiros e colmeias, que pululavam pela serra e que funcionavam como uma espécie de mealheiro ou até atividade principal para parte dos monchiqueiros.
No terreno, perante o cenário, fazem-se contas à vida. Há quem diga que pensa em sair de Monchique, há quem não tenha dúvidas e já arregace as mangas, há quem esteja num limbo para ver o que acontece - se a floresta muda, se surgem outras oportunidades, se as árvores recuperam.
Ricardo Sousa, de 28 anos, com uma empresa de silvicultura, viu grande parte da sua área de trabalho desaparecer, ainda para mais numa altura em que os jovens naturais de Monchique "estavam a voltar" à sua terra, depois do grande incêndio de 2003.
"O concelho estava a ter outra dinâmica. Já se sentia uma recuperação, pessoas a investir em algumas coisas, usando o rendimento da cortiça ou dos eucaliptos. Agora, toda a gente perde o ânimo de investir algum, que daqui a dez anos isto volta a arder", frisa.
António Valério, de 60 anos, é mais otimista: "Aqui nunca se levanta a cabeça, porque ela nunca se baixou. Temos que olhar em frente".
Apesar de admitir que Monchique "é dos concelhos mais pobres do Algarve", aponta para os estrangeiros que vão aparecendo e criando as raízes na sua terra como o vislumbre de uma saída para um concelho envelhecido.
"Isto é só velhos e daqui a meia dúzia de anos nem velhos vão estar por aqui. Não há nada a fazer", lamenta António da Costa, de 72 anos, depois de perder vários hectares de medronhal, na zona do Peso, que lhe davam a matéria prima para a sua aguardente - "de marca registada", realça.
Já o técnico da Câmara e guia turístico Reinaldo Alves divide o discurso entre o receio de os incêndios serem mais um convite para abandonar o território e a confiança na resiliência das gentes.
"O espírito é de não poder baixar os braços. Perdemos medronho, mel, eucaliptos e sobreiros, que são uma fonte de riqueza que desaparece, mas acho que não seja assim tão difícil de olhar para o futuro. Daqui a quatro ou cinco anos vamos estar a bombar outra vez", vinca Reinaldo.
Stephen Hugman, que preside à associação ecologista A Nossa Terra, sediada em Monchique, espera que o incêndio seja também uma forma de se aprender com os erros do passado, nomeadamente com uma aposta real nas espécies autóctones, como têm feito em terrenos cedidos pela Câmara com a plantação de carvalhos.
No entanto, aquilo que a associação tem plantado "é uma gota de água no meio do oceano", reconhece, apontando para os milhares de hectares de eucaliptal que invadiram a serra de Monchique nas últimas décadas.
"A liberalização do eucalipto aumentou muito a sua área e continuam a ser plantados, porque há a ideia de que é a única coisa que dá dinheiro", conta à Lusa Stephen Hugman, considerando que o caminho terá de passar pelo turismo e que "o eucalipto não é compatível com o turismo".
Amândio de Jesus, de mãos negras de andar a tentar repor o seu sistema de rega, por entre críticas à forma como o fogo foi combatido, deixa uma pergunta sobre o futuro: "Sem cortiça, sem eucalipto, o que é que se tem agora? A riqueza desapareceu".
Apesar disso, aos 87 anos, ciranda pelos seus terrenos à procura de dar um jeito às coisas, para ver se tudo volta a crescer.
"Temos que andar por aqui. Se não andar aqui, nestes trabalhos, não tenho água para as coisas voltarem a crescer. Vou fazer o quê? Pedir água a Deus? Não tem nada para me dar", sublinha.
Apesar de já ter visto um grande incêndio em 2003 no concelho, o presidente da Câmara, Rui André, mantém-se confiante em relação ao futuro de Monchique.
"Temos visto a vinda de pessoas de fora para cá - não só estrangeiros, mas também portugueses. Cerca de 20% da população é estrangeira e querem vir para Monchique à procura da natureza. Espero que agora essa vontade não fique beliscada por este cenário que ficou aqui", salienta.
Por enquanto, os relatos que tem recebido das pessoas são de esperança, ainda que que se esteja numa "fase de luto".
"Estamos numa fase de choque. [As pessoas] acabaram de perder tudo. É um momento de reflexão, de tristeza. Mas esse momento vai ter de ser deixado para trás, para Monchique poder dar um contributo grande à região. O Algarve de sol e da praia, o Algarve turístico, precisa de um complemento que só nós conseguimos dar, nós o Algarve interior, nós a serra algarvia", vinca.
Pela serra, espera-se que a natureza faça agora o seu caminho na regeneração de tudo o que ficou queimado, na expectativa de que o Homem a acompanhe.
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