"[São] vozes em silêncio há demasiado tempo", afirmou Cristiana Leal, em nome da Marcha do Orgulho do Porto.
Mais de uma centena de pessoas, entre ex-alunos, professores e funcionários, assim como profissionais da cultura manifestaram-se esta segunda-feira contra os abusos na ACE -- Escola de Artes, no Porto, e a cultura de "medo" em torno da instituição.
Convocada pela Marcha do Orgulho LGBTQIA+ do Porto e por duas páginas na rede social Instagram que têm publicado denúncias de alunos e ex-alunos daquela escola de teatro, no Porto, a manifestação, junto às instalações da instituição na Rua Formosa, juntou mais de uma centena de pessoas.
"[São] vozes em silêncio há demasiado tempo. Isto é uma situação que decorre há décadas, não é de agora, e tem de terminar o silêncio. Têm de ser dado espaço às vítimas que sofreram não só de assédio sexual mas também assédio moral, em ambiente de humilhação, em que tudo era esperado em prol da arte, todos os sacrifícios", disse aos jornalistas Cristiana Leal, em nome da Marcha do Orgulho do Porto.
Uma grande faixa - "Quebramos o silêncio; aqui ninguém está sozinha" - dialogava com cartazes que exigiam "justiça" para as vítimas que vieram denunciar alegados abusos e assédio moral e sexual de vários ex-professores, entre eles António Capelo, um dos principais visados, que nega acusações.
"O essencial é visível aos olhos. Se viste, se sabes, se ouviste rumores... a responsabilidade também é nossa", lia-se noutro dos cartazes empunhado por manifestantes, sob o mote do evento, "O assédio não pode ficar nos bastidores".
Cristiana Leal destacou o "medo e vergonha" que muitas vítimas foram sentindo, quando os abusos eram "normalizados", sendo-lhes repetido que "toda a gente aguentava".
"Eu não tenho dúvidas de que os casos que já surgiram não são, de todo, os únicos, e tenho a certeza que este tipo de ação como a desta segunda-feira serve para dar voz a quem mais queira chegar-se à frente, contar o seu testemunho", afirmou.
Entre os manifestantes, a Lusa ouviu vários que notavam a ausência de muitos colegas de escola que não compareceram por sentirem medo de possíveis represálias.
À Lusa, Tiago Jácome, que utiliza pronomes femininos, explica que estudou naquela instituição de 2010 a 2013 e não foi alvo de assédio porque "já tinha 1,90 metros e barba na cara".
"Por isso, eu nunca fui um alvo. (...) Entrávamos a saber com que professores dava para copiar, e quais eram os que nos iam assediar. Era um manual de instruções", denunciou.
A profissional da cultura disse ainda ter sofrido "assédio moral", porque este "fazia parte da lógica de educação e formação" na ACE, pedindo clarificação nas demissões da sua direção, dos papéis dos profissionais empregados na escola e no Teatro do Bolhão, a ele associado, e depois "uma renovação e uma limpeza".
Um ex-aluno, que não quis ser identificado, contou à Lusa que embora nunca tenha recebido qualquer contacto como os que têm sido expostos nas redes sociais, de António Capelo, teve vários "amigos que receberam" e assistiu a esses momentos de contacto.
"Comentários dele sobre convites para jantar recusados... Esse ambiente era conhecido por todos os alunos, acho difícil que a escola não soubesse. Quando falamos dos abusos do Capelo, estes têm uma natureza do poder, sexual, de abuso e assédio, mas há outros abusos que acontecem na instituição", criticou.
Este ex-aluno presente na manifestação notou os abusos de professores em nome da arte, que considerou "atravessar a escola", sofrendo "como todos um abuso de poder, de se ter de lidar com professores" a berrar e intimidar, numa "lógica de impunidade" que considerou estar alicerçada há muito na ACE.
Raquel S., dramaturga e encenadora, era professora de dramaturgia na ACE até à última terça-feira, tendo saído "por causa do silêncio da escola em relação às acusações gravíssimas que foram feitas nas redes sociais".
"Para mim, é fundamental que a escola averigue o que aconteceu e crie um manual de práticas que proteja as alunas, alunos e alunes. E que, para além disso, haja um canal de denúncias, que tenha consequências, seja independente, e não inclua pessoas da escola", declarou.
Na manifestação marcaram presença ex-alunos, antigos professores e funcionários, mas também profissionais da cultura, solidários "com os colegas", como a atriz e encenadora Linda Rodrigues, de 40 anos.
"Temos de nos apoiar, tentar descobrir a verdade, partir do princípio que não é a destruição de uma instituição de ensino, muito pelo contrário. Queremos transformá-la para que possa continuar a existir, mas nos moldes corretos", exigiu.
No domingo, o Ministério da Educação disse à Lusa que a Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) tinha aberto um processo de averiguações à escola, depois de ter recebido uma denúncia.
A direção da Academia Contemporânea do Espectáculo - Escola de Artes demitiu-se na quinta-feira na sequência da vinda a público de testemunhos de alunos e ex-alunos a darem conta de um clima de intimidação, abusos e humilhação dentro da escola, e de abordagens impróprias da parte de professores, a que se seguiu uma outra denúncia, pelo Bloco de Esquerda, que envolvia o ator António Capelo, um dos fundadores do estabelecimento de ensino, onde deu aulas até 2022.
Esse testemunho, de Mia Filipa, foi revelado pelo jornal Público, tendo-se juntado mais denúncias publicadas pelo portal 'online' Observador.
O ator, de 69 anos, negou à Lusa todas as acusações e disse ter apresentado uma queixa-crime no Ministério Público contra "uma página anónima no Instagram".
A ACE é uma escola de artes do espectáculo, tutelada pelo Ministério da Educação, que leciona cursos profissionais artísticos do 10.º ao 12.º ano.
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