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O estigma social de ser leproso

A lepra é uma doença que, em Portugal, foi erradicada há vários anos. Ainda assim, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, em 2009 registaram-se nove doentes no País.

23 de janeiro de 2011 às 00:30

Segundo os especialistas, os valores surgem associados a imigrantes, nomeadamente de África e do Brasil – o segundo país com mais casos no Mundo, – que já chegaram a Portugal com a doença. "Não havendo casos de resistência, a lepra é uma doença tratada em ambulatório, sem qualquer problema. Com um conjunto de antibióticos específicos, fazemos o tratamento, num período de tempo que varia entre os seis meses e os dois anos", explicou ao Correio da Manhã José Pagaimo, director do Serviço de ex-Hansenianos do Rovisco Pais – Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro, na Tocha, Cantanhede.

Actualmente, os doentes com Hansen (como também é conhecida a lepra) são detectados em consultas de rotina, devido a alguns sintomas, nomeadamente o "aparecimento de manchas na pele". Contudo, durante décadas, os portugueses diagnosticados com lepra eram enviados para o Rovisco Pais. Milhares de pessoas passaram pela antiga leprosaria da Tocha, criada em 1947 para albergar os leprosos do País e das ex-colónias.

Um dos complexos do hospital manteve-se como "lar de idosos" e hoje estão ali 18 pessoas que tiveram lepra. São homens e mulheres com uma média de idades que ultrapassa os 80 anos e que, mesmo curados, não conseguiram retomar a vida que a doença lhes roubou.

"A doença provocava alterações visíveis no corpo das pessoas. Devido ao estigma, algumas não se integraram na sociedade. Uns ficaram, outros saíram e voltaram porque não se adaptaram lá fora", indica Catarina Curado, enfermeira do Serviço de ex-Hansenianos.

LEPROSOS COM DIA MUNDIAL

A lepra é causada pelo bacilo ‘Mycobacterium leprae’ e foi classificada em 1873 pelo médico norueguês Armauer Hansen.

O especialista concluiu que não era hereditária mas contagiosa e que proliferava em ambientes com fracas condições de higiene e alimentação. A instituição, em 1954, do Dia Mundial dos Leprosos, que se assinala no último domingo de Janeiro, deve-se ao francês Raoul Follereau.

PICO DA DOENÇA FOI NOS ANOS 50

Nos anos 50 do século passado, quando se registou o maior pico de internamentos em Portugal, chegaram a estar 900 doentes na leprosaria da Tocha. As pessoas eram sujeitas a uma clausura, num espaço onde havia hospital, prisão, oficinas, creches, campos de cultivo e se fazia criação de animais. O hospital deixou de receber internamentos quando a doença passou a ser tratada em ambulatório.

DISCURSO DIRECTO

"APOIAMOS QUEM MAIS PRECISA": João Ferreira, Pres. Ass. Port. Amigos de Raoul Follereau

CM – Quem é apoiado pela associação?

João Ferreira – Estamos a apoiar cerca de 50 pessoas em Portugal, doentes com lepra e ex-doentes, e fazemos algumas missões fora do País, nomeadamente em África, nos PALOP.

– Que tipo de ajuda é concedida?

– Dentro do possível, prestamos apoio no tratamento e cura de doentes, alimentação, vestuário, distribuição de água. No fundo, estamos atentos a todas as necessidades da população.

– Quais as principais dificuldades da APARF?

– Temos, naturalmente, algumas dificuldades a nível económico, mas não deixamos de apoiar quem nos procura. Em Portugal, já financiámos a aquisição de cinco casas para habitação de ex-doentes.

O MEU CASO: ABEL ALMEIDA

"PARECIA UM CAMPO DE CONCENTRAÇÃO"

A lepra foi diagnosticada a Abel Almeida aos 12 anos, frequentava então o seminário da Figueira da Foz. A doença foi-lhe transmitida pela mãe. Chegou à Tocha dez anos depois, numa altura em que havia "separação entre sexos, recolher obrigatório, correspondência com o exterior controlada e repressão para quem era contra a administração", lembra.

Hoje, aos 85 anos, continua numa casa que conhece bem. "Isto agora é um lar. Noutros tempos é que ninguém nos tocava e até as portas eram abertas a pontapé. Os leprosos eram vistos como impuros, e isto parecia um campo de concentração. As pessoas não estavam aqui para se curarem, era para as isolarem", recorda.

Abel trabalhou no Rovisco Pais: foi escriturário, explorou o bar, escreveu para um jornal de circulação interna. Conheceu uma mulher, namorou e casou-se. Quando as portas da instituição se abriram à comunidade, o casal pediu alta e, em 1978, foi viver para Ansião. Problemas de saúde obrigaram-nos a voltar. A mulher faleceu há anos. Abel Almeida acabou por ficar na instituição que lhe marcou a vida.

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