Para a comissão independente "a questão está em saber se não é a própria instituição, uma vez evitada a denúncia, que acaba por violar os seus deveres de 'vigilância'".
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja atribui, em parte, à alegada preservação dos "bons costumes" e do "bom nome da Igreja" a ocultação dos crimes de abuso na instituição durante décadas.
Deixando críticas à atuação da Igreja, o relatório da comissão, divulgado na segunda-feira, recorda que, segundo a Concordata assinada entre Portugal e a Santa Sé, os membros do clero não podem ser interrogados por magistrados ou outras autoridades "sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do seu ministério", mas adverte que isso "não invalida que outra seja a conclusão a retirar quando, passando do abstrato, se olha à situação concreta a avaliar".
Para o grupo de trabalho liderado pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, "dada a relação de confiança que, naturalmente, se encontra na base da ligação da criança, e sua família, a uma instituição como a Igreja Católica, não pode esta deixar de assumir a condição de 'garante' de bens jurídicos que, ainda que não consagrada pela lei civil, resulta inequivocamente dos fundamentos do Direito Canónico e jamais pode ser desprezada pelos membros da Igreja, no seu todo".
"Também por isso, importa reter que o que está em causa não é apenas o dever jurídico de denúncia, mas, para além deste e independentemente dele, também o dever ético, moral e cívico de denunciar", adianta o documento da comissão, lembrando que "basta pensar em situações em que à pessoa abusadora foi permitido que prosseguisse o exercício das suas funções, ainda que deslocada para local diferente daquele em que terá cometido o primeiro abuso conhecido".
Para a comissão independente, "em situações destas, a questão está em saber se não é a própria instituição, uma vez evitada a denúncia, que acaba por violar os seus deveres de 'vigilância' e sobretudo de 'proteção', exatamente os que dão corpo àquela sua referida condição de 'garante'".
Admitindo que há situações "ocultadas pelas próprias vítimas ou seus familiares; até outras denunciadas por aquelas ou por estes, mas com pedido de segredo relativamente à Justiça do Estado; passando por queixas reclamando a intervenção desta, ou nada dizendo nesse ponto", o relatório é perentório ao concluir que "tudo foi sendo, ao longo do tempo, tratado por forma a evitar o conhecimento público dos casos, aparentemente em nome da salvaguarda de outros bens 'maiores' a preservar, nomeadamente, os bons costumes e o bom nome da própria Igreja".
Com a revisão da lei penal que em 2007 veio atribuir natureza pública aos crimes sexuais contra menores, "mais difícil se torna aceitar tal omissão" na denúncia dos crimes por parte da Igreja, considera o grupo de trabalho, acrescentando que, "a partir do momento em que o crime adquire natureza pública, a ausência de comunicação ao Ministério Público transforma o silêncio em verdadeira ocultação".
"Como agiria a Igreja se, em vez de um crime sexual cometido contra crianças, estivesse colocada perante um crime de homicídio?", questiona a comissão, para lamentar o "caldo de cultura" em que "veio a instalar-se a ocultação que agora se pretende, em boa parte, 'desocultar'".
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica em Portugal iniciou a recolha de testemunhos de vítimas em 11 de janeiro de 2022, tendo validado 512 denúncias das 564 recebidas, o que permitiu a extrapolação para a existência de um número mínimo de 4.815 vítimas nos últimos 72 anos.
A Conferência Episcopal Portuguesa vai tomar posição sobre o relatório, de quase 500 páginas, numa Assembleia Plenária agendada para 03 de março, em Fátima.
JLG // FPA
Lusa/Fim
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