É um dos 862 utentes registados na sala de consumo de droga vigiado de Lisboa, nas imediações do antigo Casal Ventoso.
Ricky R., de 44 anos, vai todos os dias do Campo Pequeno ao Vale de Alcântara, em Lisboa, para consumir droga em salas vigiadas por enfermeiros e psicólogos que lhe "acudam" se precisar e que também lhe dão "carinho".
Este é um dos 862 utentes registados na sala de consumo de droga vigiado de Lisboa, nas imediações do antigo Casal Ventoso, que começou a funcionar em 18 de maio e que é frequentada diariamente por 200 pessoas.
Como Ricky, a maioria são homens (85%) e a média de idades está nos 44 anos, com o mais novo a ter 20 e o mais velho 70, segundo os dados da associação Ares do Pinhal, que se dedica à recuperação de toxicodependentes e gere o projeto, tutelado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD). Fazem-se sobretudo consumos exclusivamente fumados (72% do total).
Ricky vai diariamente do Campo Pequeno, onde vive, à "sala de chuto" (como é vulgarmente conhecida), a única do país, desde há seis meses, "de manhã, à tarde e à noite", para consumir com "segurança" a heroína e a cocaína que compra nas ruas, sob o olhar de técnicos de saúde e usando os materiais esterilizados que ali lhe fornecem, desde as pratas às seringas, passando pelos garrotes.
"[Venho] por uma questão de segurança, de higiene e a pensar que, caso possa acontecer alguma coisa, tenho aqui um grupo de pessoas, de enfermeiros, que me acode", diz à Lusa, depois de ter passado pela sala de consumo fumado, que partilhou com outros cinco homens.
Esta sala "está sempre cheia", diz Inês Pereira, psicóloga, que com um enfermeiro vigia os consumos a partir do "aquário", um espaço de vidro a partir de onde observam quem está a fumar drogas, de um lado, e quem as injeta, do outro.
Todo o material usado pelos utentes é fornecido dentro do espaço e são registados consumidores e substâncias que trazem da rua, para a equipa poder atuar em caso de 'overdose'.
Em simultâneo, podem estar até 10 pessoas nas duas salas, sendo que para a de consumo fumado há, por norma, utentes à espera na receção. O tempo máximo de permanência no espaço de consumo é 40 minutos, fruto de negociação com os utilizadores.
"Sinto-me confortável dentro desta casa, porque não somos discriminados, e dão-nos um conforto, toda a gente que trabalha aqui, dão carinho, dão um conforto, não nos sentimos lixo", explica Ricky, consumidor de drogas desde os 16 anos, que já passou por fases de tratamento e sucessivas recaídas e que antes fumava e injetava "onde calhava", "dentro de um prédio" ou "no meio do mato".
"Pode haver pessoas que não percebem por que é que nós estamos aqui, entre aspas, a ajudar o consumo, a facilitar o consumo. Não é verdade. O que nestas equipas de redução de danos se procura é dar mais segurança a um consumo que eu não consigo evitar, vai acontecer de qualquer forma. Então vou dar-lhe mais segurança e fazer com que esse consumo seja feito de forma mais higiénica. É o que nós fazemos aqui", diz à Lusa o enfermeiro Paulo Marques, coordenador da área de saúde deste projeto, que durante um ano funciona como projeto-piloto.
Depois de os utentes entrarem no espaço pela primeira vez, a equipa que ali trabalha inicia um processo de aproximação, levando-os a fazer testes de rastreio (HIV, hepatite, tuberculose) ou tratamentos (de feridas, por exemplo). Desde há pouco tempo, faz-se também no gabinete de enfermagem dispensa de medicação prescrita nos hospitais ou nos centros de saúde.
"Este serviço está pensado para pessoas que consomem substâncias, mas também temos outra parte. Com isto, não quer dizer que a pessoa tenha de consumir. Isso acontece com muita gente que vem à procura do banho, da roupa, da alimentação e, inclusivamente, às vezes, fazer estes rastreios sem utilizar as salas [de consumo]", explica Paulo Marques.
Além da cafetaria da entrada, das salas de consumo de drogas e do gabinete de enfermagem, há neste espaço um banco de roupa e balneários, a pensar, sobretudo, nos 18% de utentes que estão em situação de sem-abrigo.
"A população chega a nós muito pelos pares, que informam da existência do serviço. Sabem que nós estamos aqui, sabem mais ou menos a resposta. Também pelas outras equipas que atuam aqui no terreno que vão dando a conhecer a nossa resposta e pela nossa equipa comunitária que vai à rua diariamente e entra em contacto com as pessoas que estão a consumir na zona", explica Roberta Reis, a psicóloga que coordena o Serviço de Apoio Integrado.
Foi precisamente através das unidades móveis do programa de metadona (substituição de drogas) da Ares do Pinhal que Ricky soube da sala de consumo vigiado, onde nestes seis meses houve registo de uma 'overdose' dentro dos espaços de consumo, que os enfermeiros conseguiram reverter.
"O que acontece muitas vezes é que não chegamos à 'overdose' porque fazemos prevenção antes", diz Paulo Marques, que explica que por vezes se fazem, por exemplo, "negociações" com os utentes em relação à quantidade de drogas que pretendem consumir.
O controlo do tipo e da qualidade das substâncias que os utentes levam para consumir ainda não está a ser feito, mas a Ares do Pinhal está a finalizar um protocolo com uma entidade acreditada para esse efeito.
O número de utentes, que antes da abertura da sala de consumo vigiado estava estimado em 300, não tem parado de crescer nestes seis meses e a previsão de quem gere a sala é que assim continue com a chegada do inverno.
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