“Não faz sentido que Lusa e RTP estejam a duplicar despesas”
Presidente da Lusa diz que é “imoral” entregar parte do lucro aos accionistas, já que este foi conseguido com o corte no salário dos trabalhadores
Em 2012, a Lusa vai receber 19,1 milhões do contrato que tem com o Estado, mais do que os 18,3 milhões de 2011 e os 17,6 milhões de 2010....
É assim e não é assim...O valor líquido não mexeu um cêntimo. O que acontece é que o contrato prevê uma indexação à taxa de inflação e há aí numa variação no valor final. Por outro lado, este é um contrato com IVA e desde a assinatura que houve variações na taxa de IVA. Portanto, o valor líquido é exactamente o mesmo que era em 2009.
É falsa então a ideia de que a RTP vai sofrer cortes e a Lusa vai receber mais?
Não me compete falar sobre a RTP, relativamente à Lusa não há alteração de um cêntimo.
O actual contrato com o Governo termina em 2012. O que vai mudar?
A Lusa conhece bem a situação do País e conhece o discurso, o programa e as intenções do accionista Estado. Portanto, a Lusa não está fora do enquadramento global. Não está nem quer estar. A Lusa nunca fará parte do problema, quer estar sempre do lado das soluções. O que nos tem sido dito é que o Estado quer reduzir o seu esforço na vida da empresa. Sendo que essa é uma mensagem relativamente ao contrato que é suposto termos de 2013 em diante.
Já recebeu alguma indicação do ministro Miguel Relvas?
Temos conversado normalmente e tenho uma orientação global que é de contenção, boas práticas de gestão, que temos tido, e de consolidar o caminho que temos feito.
O ministro afirmou recentemente que lhe pediu ao "um plano de avaliação" da situação actual da empresa...quando será entregue?
Queremos entregá-lo em breve...
E já tem alguma conclusão?
A Lusa tem vindo a fazer um caminho positivo. Fez a transição de uma agência tradicional, vocacionada para o texto e para a foto para uma agência multimédia, moderna. A Lusa produz cerca de 1000 conteúdos por dia, em diferentes formatos, para jornais, revistas, televisões, rádios, sites, muitos sites. Fizemos essa transição que queremos aprofundar, consolidar. Vamos apostar agora na alta-definição, porque alguns dos nossos clientes reclamam alta-definição. Do ponto de vista da capacidade da Lusa responder ao mercado temos vindo a fazer uma evolução positiva. Queremos consolidar isso. Agora precisamos de crescer. Precisamos muito de crescer. Não alinhamos no discurso do coitadinho, agarradinho ao mercadinho nacional. Não. A Lusa precisa absolutamente de crescer. E tem tido resultados, não temos pedido dinheiro aos accionistas. E tem crescido de forma sustentada. Precisamos de crescer, mas de crescer onde? Se continuássemos agarrados exclusivamente ao mercado nacional definhávamos com ele. O mercado nacional é pequeno e nós somos um grossista de informação. Os nossos clientes são os media, os jornais, as revistas, as televisões, as rádios, os sites, instituições e empresas. E tem vindo a desinvestir, há títulos que fecham...O mercado tem vindo a diminuir e sentimos isso nas contas e compensámos isso no mercado internacional. No mercado é a língua, a língua é a nossa praia. É aí que temos apostar
A internacionalização da Lusa tem sido um dos seus grandes objectivos. Em que ponto está este processo?
A Lusa está em 25 países. Está, em primeiro lugar, onde o Estado português quer que estejamos. E estamos lá por razões que têm que ver com a geografia dos interesses nacionais.
Países de língua oficial portuguesa, países com forte componente de emigração...
Sobretudo no espaço da lusofonia. Durante anos este espaço significou para a Lusa despesa. Custo. Esse quadro tem vindo a alterar-se. Na área nos países emergentes estão países de língua portuguesa. Está o Brasil, Angola, mas a China também. A China é hoje um dos nossos bons clientes. A venda de produtos para a China representa mais do que alguns dos nossos principais clientes.
Porquê a China?
Porque há um território na China [Macau] cuja língua oficial é português. E a China atribuiu a Macau o papel de plataforma da relação da china com os países da lusofonia. A China compra noticiário com origem no espaço lusófono, está a desenvolver canais em língua portuguesa...Eles querem apostar num canal de língua portuguesa na CCTV.
A prioridade é China e Brasil?
A prioridade é língua. Não estamos a inventar a roda, estamos a olhar para as nossas contas, para a geografia onde temos crescido e para o potencial de crescimento que há. São países onde há dinheiro e que estão a crescer. E se não estamos com quem cresce estamos com quem?
De quanto precisa para investir em força nesses mercados?
Não vamos precisar de dinheiro...Contámos com o património que já temos. Somos uma agência moderna, com credibilidade...
Mas precisam de meios, recursos humanos...
Queremos crescer em parceria. Seria um disparate pensar que a agência de um pequeno País vai agora à conquista do mercado brasileiro... É preciso identificar bons parceiros, parceiros credíveis e que queiram crescer connosco.
Parceiros nacionais ou internacionais?
Estamos a falar de parceiros...
No caso concreto da China, o grupo Ongoing tem estado muito activo lá. Já houve conversações?
Não estou a falar de parcerias nacionais ou internacionais, mas de crescer em parceria. E parcerias sobretudo locais. Não é um parceiro português que vai ensinar à Lusa como se actua no mercado brasileiro. E o que nós temos a acrescentar é credibilidade, mundo, porque a Lusa é a única agência de língua portuguesa a actuar de forma global. Estamos nos cinco continentes. E estamos com resultados. Estamos a crescer e queremos crescer mais. O único caminho que nos permite sustentabilidade é crescer em parceria na internacionalização.
Disse que o Estado quer reduzir o seu esforço. É possível crescer com menos dinheiro?
Não me compete a mim imiscuir no que é a prerrogativa dos accionistas. Não quero dizer, nem tenho que dizer aos accionistas, vão por aqui ou por acolá. Não confundamos participação de capital com contrato programa. O Estado não tem de ter a maioria da empresa...
Mas quando diz que o estado quer diminuir o seu esforço está a falar de venda de capital ou do contrato?
Essa questão é para ser colocada ao accionista. O que digo é que do ponto de vista empresarial, o mais importante não é se o Estado tem 50% ou se vai reduzir essa participação. Importante para a agência, para a sustentabilidade da agência a médio prazo, é mantermos esta matriz. Para a agência é crucial mantermos um contrato de serviço público. É crucial. O que se trata de discutir é se a dimensão do contrato vai ser maior ou menor. E do ponto de vista do accionista se a participação no capital se vai manter, se vai crescer ou diminuir.
Sabemos que a RTP está obrigada a reduzir custos. A Lusa não terá de a fazer?
A Lusa não é a RTP...
Mas é uma empresa do sector público...
A Lusa tem accionistas privados [Controlinveste e Impresa] e não temos estado à espera que o Estado nos mande cortar. Temos resultados positivos há vários anos consecutivos porque esse esforço tem vindo a ser feito. Em quatro anos reduzimos em 73% o consumo de papel na empresa…
Com o novo contrato vai ser obrigado a despedir?
Bom, não conheço o novo programa. Ele só vai ser discutido na segunda metade de 2012. Mas hoje só é possível sustentar empresas se racionalizarmos custos. Não há prateleiras douradas na empresa, eliminamos custos supérfluos. É uma empresa com critério.
Já teve alguma conversa com o Governo sobre a hipótese da venda do capital que o Estado detém [50,14%] na Lusa?
Tenho conversado com muita regularidade com o accionista Estado. A orientação é no sentido de reduzir os custos e de prepararmos a empresa para que custe menos ao contribuinte.
Mas a venda do capital não influencia o que a empresa custa ao contribuinte...
Mas essa é uma conversa para se ter com os accionistas e não com o administrador
Quanto valerá essa participação?
É aos donos da empresa que compete decidir sobre essas matérias, não a mim. O que digo é que é sustentável...
Mas quanto poderá valer metade da agência Lusa?
Essa conta não me compete a mim fazê-la...
Caso se verifique a venda de capital, que grupos de comunicação estão em melhor posição de a adquirir?
Também não lhe falo sobre isso. Tenho muita informação sobre isso...e chamo a atenção que é importante olharmos para o mercado da língua...
Vislumbra um cenário de aquisição por grupos de estrangeiros?
Repito, não me compete a mim falar sobre isso. É aos donos da empresa que compete decidir...
Mas seria contra?
Sou um oficial da indústria, estou aqui proposto numa lista única que foi subscrita pelo Estado e pelos principais accionistas privados...Sei exactamente para onde devemos ir, mas cabe aos donos da empresa decidir as coisas principais e o principal é quem são os accionistas...
Mas capital estrangeiro numa agência cujo objectivo é o serviço público...
Repara, isso é decisão accionista, mas quando digo que o mercado de uma agência noticiosa de índole portuguesa é a língua não vejo que possa haver problemas em ter no ‘board’ um consórcio...não vejo problema nenhum. Em última instância o critério daquilo que são as raízes da agência é a linha e quem comanda a linha é a direcção de informação. O critério é editorial, são os editores. O coração da agência é a rede e os editores.
Na sua opinião será benéfica a saída do Estado da Lusa?
Sobre essas matérias não quero falar...
E a agregação Lusa/RTP, falada em 2010. Ainda pode ocorrer?
Não me ouvirá uma palavra sobre o que o outro Governo queria e o que este quer. Comigo, a Lusa procurará sempre estar do lado da solução e não do problema e a Lusa está preparada para os desafios que lhe coloquem à frente...o que nos parece óbvio é que, sobretudo na rede internacional, não fazem sentido algumas duplicações que existem. E estou a falar da logística. São coisas caras, não faz sentido que empresas pagas pelo contribuinte estejam a duplicar despesas com rendas, com telecomunicações...é caríssimo fazer ‘upload’ de vídeos e áudios a partir de alguns países...
Como está a ser gerido o processo de sinergias?
Isto é como nos casamentos...faz-se conversando. É um processo, pelo menos, a dois.
Vão partilhar espaços, meios...
Sim...
Já há algum caso concreto?
Sim, Dili, em Timor, Angola. Em Timor a RTP está nas nossas instalações, em Luanda nós estamos nas instalações da RTP. Em cima da mesa está aprofundar este conceito. E na rede nacional também. Nós na rede nacional não precisamos de instalações. Decidimos acabar em 2009 com o conceito de delegações regionais. As únicas que temos são nas regiões autónomas. Cada correspondente reporta directamente ao seu editor...
Mas têm espaços físicos...
Estamos a acabar com eles. Não nos fazem falta...A não ser em casos excepcionais, mas aí temos sempre os nossos parceiros locais, clientes ou estas parcerias que estabelecemos. E estamos em 52 cidades.
E em termos editoriais, que sinergias podem haver?
A Lusa é um grossista, se a RTP nos pedir que diariamente façamos coisas a partir de Bragança, já o fazemos, faremos mais...
Os jornalistas Lusa vão cumprir o papel de correspondentes da RTP?
Já vê...
Estou a falar a tempo inteiro...
A tempo inteiro para a Lusa. Os jornalistas trabalham para a Lusa e trabalhar para a Lusa significa trabalhar para o universo de clientes.
Como é gerir uma empresa com capital público e privado?
São accionistas distintos, a experiência que temos é positiva. Está à vista. Sei que há momentos em que o interesses conflituam. O interesse privado está no dividendo, quer serviço, desconto no serviço e dividendo e o casamento destes interesses nem sempre é fácil. A verdade é que tem resultado aqui...
Nos últimos anos a Lusa tem distribuído dividendos aos seus accionistas. Este ano foram quase 330 mil euros, Nos últimos três anos, segundo contas do CM, o Estado recebeu cerca de 370 mil euros, mas os privados também...A Controlinveste [23,36%] nos últimos três anos ganhou mais de 170 mil euros e a Impresa, [22,35%] 163 mil.
Não conheço os números ao pormenor...
Compensa ser accionista privado da Lusa?
Bom, tem de perguntar aos privados… A verdade é que eles estão cá.. E têm tido uma presença positiva. A convivência tem sido positiva. Agora, o Conselho de Administração, nos termos da Lei, faz sempre uma proposta à assembleia geral e tem sido o accionista Estado a decidir se há ou não distribuição de dividendos...
O Estado considera então que é justo atribuir estes dividendos...
Tenho tido opinião sobre esse assunto. Acho que uma empresa que tem resultados e que tem projectos de crescimento o dinheiro ganho, o valor criado na empresa devia ser aplicado na própria empresa. Este ano, por maioria de razão, estarei do lado dos que estão contra a distribuição de dividendos...
Quando grande parte das receitas da agência provêm do Estado, mais de 70%, é justo atribuir dividendos aos privados?
Não fui eu que construí o pacto social da empresa. Não acho é justo que se possam distribuir dividendos quando uma parte do valor criado na empresa foi feita a custa da diminuição de salários. Isso acho imoral...
Esta a falar dos cortes de 5%...
Sim.
Não vai propor então a distribuição de dividendos...
A administração fará a proposta nos termos da Lei, que é que se proponha a aplicação de pelo menos 50%... Agora quem decide é assembleia-geral e aí estão os accionistas.
Mas por si não seriam distribuídos dividendos...
Sou contra a ideia de distribuirmos dividendos. Sobretudo, porque no resultado que é positivo estão salários dos trabalhadores e acho isso imoral. Serei contra e manifestarei. Fica em acta. Já está na acta da última assembleia-geral. Está lá um voto de protesto meu.
Os accionistas não atenderam ao seu protesto...
Pois, mas os accionistas são os donos da empresa.
Que avaliação faz da política do Governo para o sector da comunicação social?
Não sou um comentador, não estou aqui para dar opiniões. O que digo é que me tenho dado bem com os accionistas. A relação tem sido correcta. Têm-me apoiado em tudo o que é preciso...
Chegou à presidência da Lusa em 2009 e o seu mandato está a terminar. Vai continuar?
Vamos ver...
Foi convidado para renovar mandato pelo Ministro?
Não vou falar sobre isso...
Quando vamos ter novidades?
Pergunte ao ministro (risos)
Chega satisfeito ao final do mandato?
Sim. Satisfeito. A agência tem um belíssimo quadro profissional. Fez um excelente caminho. Estou associado ao que de bom e de mau se fez nesta agência desde 2005. Agora, ou se fazem coisas, e já, ou perdemos tempo...
Está preocupado com o futuro?
Claro que estou. Temos o mercado nacional a cair há vários anos. A agência tem sido o único meio de comunicação social que não tem destruído emprego...
E teme que o tenha de fazer?
Espero que não seja preciso. Não o temos feito, apesar de termos lançado um plano de pré-reformas que representou uma redução de 10% no efectivo global da agência. Agora, claro que estou preocupado com o futuro. Os nossos clientes estão com dificuldades...
Se lhe for imposta uma redução de custos, tem margem para trabalhar ou tem que tocar nos efectivos?
Espero que qualquer plano de redução de custos não ponha em causa aquilo que são os pilares da agência: uma agência com uma pequena rede não tem interesse para os clientes. Estamos preocupados porque não conhecemos bem ainda a dimensão das quebras de mercado que vêm aí e temos de nos ajustar. É um esforço que vamos ter que fazer em 2012.
A Lusa tem vivido algumas questões internas, com algumas divergências da redacção, demissão de editores e acusações de interferência política. Como é o ambiente na empresa?
É bom. Conheço vários grupos de comunicação e as redacções são espaços muito ricos, também de tensão. O ambiente é excelente.
Não há grandes questões neste momento...
Os órgãos funcionam. A linha, que é a minha obsessão, está a funcionar. Temos um nível de satisfação do cliente superior a 90%. O quadro de editores está estável, houve alterações na direcção, houve diminuição de custos também aí...temos hoje uma estrutura mais leve, há menos chefes...
Mas havia problemas com a anterior direcção?
Não conheço nenhuma casa onde de vez em quando não haja problemas...
É normal a saída do director de informação [Luís Miguel Viana] depois da mudança de Governo?
Quando se fala numa rescisão amigável é o timing que está bem para as duas partes.
Não existiu nenhuma ligação política nesta mudança?
Não foram os accionistas que pediram à Lusa para fazer alterações. O que temos aqui é um novo ciclo. Vimos de um período de crescimento na rede e no custo da rede. Em 2006 houve aumento de salários. A Lusa vem de um período de vários anos de crescimento, mas entretanto a realidade alterou-se e não se pode pedir a uma direcção de um período expansionista que depois vá cortar nos sítios que aumentou. É muito difícil esse exercício. E portanto a solução foi natural.
E a escolha para a nova direcção. Está satisfeito?
Muito positivo. Estou muito satisfeito a todos os níveis.
Está a conseguir fazer o que a anterior direcção não conseguiu?
Estamos a conseguir aquilo que é importante para a agência.
Perfil
Afonso Camões nasceu a 12 de Novembro de 1956. Casado e com dois filhos, começou a sua carreira no ‘Jornal do Fundão’, em 1974. Cinco anos depois chega ao ‘Primeiro de Janeiro’, tendo integrado ainda a equipa fundadora do ‘Semanário’ e sido editor do ‘Expresso’. Em 1991 parte para Macau, onde fica oito anos. Aí foi director de comunicação do Governo e administrador da Teledifusão de Macau (TDM). Em 2005 entra na administração da Controlinveste e em 2009 assume a presidência.
AMBIENTE É EXCELENTE
za algumas questões internas na Lusa, dizendo que “o ambiente é excelente”. Sobre a anterior direcção de informação, liderada por Luís Mguel Viana, que se demitiu após as eleições legislativas, garante que “não foram os accionistas que pediram à Lusa para fazer alterações”, acrescentando “não se pode pedir a uma direcção de um período expansionista que depois vá cortar nos sítios que aumentou”.
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