Foi um Carnaval conturbado, o de 1993. Cavaco Silva, então primeiro-ministro, acabara de tomar uma das medidas mais contestadas da sua dupla legislatura: a de negar a ‘tolerância de ponto’ na Terça-feira Gorda que todos julgavam ser feriado. O governo israelita convidava Michael Jackson a tentar no Mar Morto o tratamento contra “a estranha doença” que lhe afectava “a pigmentação da pele”. E nesse sábado, 20 de Fevereiro de 1993, às 20h00 em ponto, sob o signo de Aquário, nascia em Portugal um novo canal de televisão. TVI, ‘Televisão Independente’ de seu nome completo. Quatro para os amigos.
A emissão inaugural da então “televisão de inspiração cristã” durou cerca de cinco horas e meia. Os primeiros 45 minutos foram preenchidos com um “programa especial de apresentação da estação”, a que se seguiu um ‘Filme de Primeira’: ‘Um Homem Fora de Série’, protagonizado por Robert Redford. Em 1993, não parecia estranho ocupar o horário nobre com cinema. Nem que o primeiro espaço noticioso fosse para o ar às 22h50. Chamava-se ‘Informação 4’ e marcava a estreia como pivô de uma ‘cara desconhecida’ do grande público: Clara de Sousa. A jornalista, hoje com 40 anos, recorda desse serão longínquo que “não estava nada nervosa”. Já acumulara experiência nas emissões da Rádio Marginal e também na RTP onde “apresentava programas de desportos radicais”, daí que tivesse pensado que estar à frente do noticiário da TVI “não devia ser nada do outro mundo”. Guarda boas memórias dos anos passados na Quatro e garante que “não se sentia muito o domínio da Igreja”.
Opinião diferente tem José Nuno Martins, à época director de Programas da estação: “A interferência [por parte da Igreja nos conteúdos da televisão] era completa!”, afirma. O actual Provedor do Ouvinte da RDP contornou as dificuldades tentando “construir uma estação estável com uma programação muito familiar”. Porém, lembra que o princípio “foi muito difícil”. “Nas primeiras semanas não se via sequer em toda a Lisboa”, refere, salientando “o esforço violentíssimo por parte dos profissionais” da estação que, “do ponto de vista administrativo, começou às três pancadas”. O antigo director de Programas atribui as “opções de gestão disparatadas” a uma “administração amadora”. “Havia pouca margem de manobra”, recorda. “Estávamos na euforia do capitalismo popular –15 anos depois, ainda estamos a sofrer as consequências disso”, e destaca “os frades e as freirinhas que tinham investido as suas economias e esperavam um retorno imediato.” Apesar da falta de condições, nomeadamente técnicas com que se debatiam, José Nuno Martins salienta momentos especiais dos primeiros tempos da Quatro, como a Grande Noite do Fado, entre outras “operações de grande porte.” E afirma que foi nessa altura que a estação se distinguiu das outras por algo que “ainda hoje é um factor de excelência da TVI”: “a aquisição de filmes e pacotes de séries de qualidade.” Sobre a estação de Queluz na altura em que esta completa 15 anos conclui: “É uma televisão popular como eu gostaria que tivesse sido de início.”
A grelha inicial da TVI apostava em muito cinema, com selecção a cargo de Lauro António, algumas séries estrangeiras e produção nacional em doses apreciáveis. A primeira telenovela chamava-se ‘Telhados de Vidro’ e era da autoria de Rosa Lobato Faria. Carlos Alberto Moniz era o anfitrião da ‘Casa do Tio Carlos’, o espaço infantil dos domingos de manhã. O ‘prato forte’ das terças-feiras chamava-se ‘Cozido à Portuguesa’, um programa de humor com Florbela Queiroz. Com um momento de humor também se iniciaram os blocos publicitários do canal: o primeiro anúncio da TVI era o do ‘Halls Mentholyptus’ em que um monge rouco chupava um rebuçado para poder regressar ao coro da igreja juntamente com os outros irmãos.
Ribeiro e Castro integrou o projecto desde a sua concepção e dez anos volvidos sobre a sua saída ainda se sente “parte da equipa”. Recorda “a experiência como uma das mais apaixonantes” da sua vida. O ex-dirigente do CDS-PP, que chegou a ser Director de Informação da TVI, destaca o “desafio de ter uma rede de emissores próprios”, naquilo que classifica como “uma operação de grande envergadura.” Fala também na “equipa muito jovem” de onde saíram caras novas, cujo trajecto tem “seguido com interesse.” Lamenta a perda de Miguel Ganhão Pereira, “um jovem de grande talento, desaparecido em circunstâncias trágicas”, que recorda “com grande saudade” e salienta figuras como Francisco Penim, Luís Bernardo e Bárbara Guimarães. “Costumo dizer, na brincadeira, que foi minha estagiária”.
CLARA DE SOUSA: A PRIMEIRA PIVÔ DA TVI
Não se lembra em concreto do alinhamento das notícias, excepto “algo relacionado com o Centro Cultural de Belém”. Contudo, a actual pivô do ‘Jornal da Noite’ da SIC [em dupla com Rodrigo Guedes de Carvalho] “guarda boas memórias” dos tempos em que trabalhou no canal “de inspiração cristã” de onde saiu em 1996 para apresentar o ‘Telejornal’ da RTP 1. Ribeiro e Castro, antigo director de Informação, lembra que a jornalista foi “seleccionada num casting” e também o “entusiasmo de José Nuno Martins” em relação à jovem escolhida para ser a cara da informação do canal aos fins-de-semana.
DATAS MARCANTES
O canal que começou por ser dominado pela Igreja é hoje líder de audiências. Ao longo de 15 anos, a TVI conheceu muitos altos e baixos, mas hoje assume uma posição confortável no mercado.
20 DE FEVEREIRO DE 1993
Arrancam as emissões da TVI (Televisão Independente, ligada à Igreja Católica).
1995
Manuela Moura Guedes integra a redacção por um curto período.
1995-1998
A TVI, com 260 funcionários, vive um período conturbado, com injecções permanentes de capital, que se revela nunca ser suficiente.
1997
A estação instala-se em Queluz de Baixo, unindo programação e informação. Até então, a primeira funcionava no edifício Altejo e a redacção no antigo cinema Berna, ambos em Lisboa.
1999
José Eduardo Moniz assume a direcção-geral da estação. No mesmo ano, Miguel Pais do Amaral chega à Media Capital (empresa detentora da TVI). Fala-se de tensão entre ambos, mas o primeiro mantém-se no cargo.
2000
A estreia do polémico ‘Big Brother’ em Portugal consolida o momento de recuperação de audiências vivido desde a entrada de José Eduardo Moniz. Entretanto, Manuela Moura Guedes também regressa ao canal e assume a apresentação de ‘Jornal Nacional’.
2001
‘Anjo Selvagem’, com Paula Neves e António Cerdeira, é a primeira telenovela portuguesa exibida no horário da tarde e revela-se um êxito sem precedentes.
2003
‘Morangos com Açúcar’, uma espécie de telenovela juvenil inspirada na brasileira ‘New Wave’, estreia na TVI e alcança o sucesso entre a camada mais jovem.
2004
A empresa alemã RTL (do grupo Bertelsmann) adquire 11,6% da Media Capital. Em Outubro, Marcelo Rebelo de Sousa deixa a TVI, onde era comentador desde Maio de 2000. A saída foi ditada por Pais do Amaral, durante a ausência de Moniz.
2005
Em Julho, o grupo espanhol Prisa passa a controlar 46,32% da Media Capital. Em Agosto, a RTL reforça a posição para 16%. Em Dezembro, Manuela Moura Guedes abandona ‘Jornal Nacional’, mantendo o cargo de directora-adjunta de Informação.
2008
Nicolau Breyner assina contrato de exclusividade com a TVI, tornando-se na segunda estrela do canal, a seguir a Alexandra Lencastre. A estação tem agora 460 funcionários.
SHARES DE AUDIÊNCIAS
Share de audiências dos 4 canais generalistas de âmbito nacional (1992 - 2007) em %. A TVI é líder desde 2005.
1992: 72,2 (RTP1) / 17,9 (RTP2) / 8,5* (SIC) / ** (TVI)
1993: 61,5 (RTP1) / 17,6 (RTP2) / 14,3 (SIC) / 6,6 (TVI)
1994: 46,9 (RTP1) / 9,8 (RTP2) / 28,4 / (SIC) / 14,7 (TVI)
1995: 38,4 (RTP1) / 6,4 (RTP2) / 41,4 (SIC) / 13,8 (TVI)
1996: 32,6 (RTP1) / 6,5 (RTP2) / 48,6 (SIC) / 12,3 (TVI)
1997: 33,0 (RTP1) / 5,6 (RTP2) / 49,3 (SIC) / 12,1 (TVI)
1998: 31,5 (RTP1) / 6,2 (RTP2) / 49,2 (SIC) / 13,1 (TVI)
1999: 27,0 (RTP1) / 5,6 (RTP2) / 45,5 (SIC) / 16,4 (TVI)
2000: 24,3 (RTP1) / 5,6 (RTP2) / 42,2 (SIC) / 20,8 (TVI)
2001: 20,1 (RTP1) / 5,6 (RTP2) / 34,0 (SIC) / 31,9 (TVI)
2002: 21,1 (RTP1) / 5,3 (RTP2) / 31,5 (SIC) / 31,4 (TVI)
2003: 23,8 (RTP1) / 5,0 (RTP2) / 30,3 (SIC) / 28,5 (TVI)
2004: 24,7 (RTP1) / 4,4 (RTP2) / 29,3 (SIC) / 28,9 (TVI)
2005: 23,6 (RTP1) / 5,0 (RTP2) / 27,2 (SIC) / 30,0 (TVI)
2006: 24,5 (RTP1) / 5,4 (RTP2) / 26,2 (SIC) / 30,0 (TVI)
2007: 25,2 (RTP1) / 5,2 (RTP2) / 25,1 (SIC) / 29,0 (TVI)
* Este valor reporta-se ao último trimestre de 1992. A SIC iniciou as emissões a 6-10-92;
** A TVI iniciou as emissões a 20-02-93 a 05-01-04 a RTP 2 foi substituída pela 2:
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