António Fagundes: “Tive a sorte de poder fazer só o que eu quis”

Aos 76 anos, o veterano ator brasileiro esteve à conversa com a ‘Vidas’ e falou dos 60 anos de carreira, de como é trabalhar com a mulher em palco e revela por que razão não deixa os espetadores entrarem após os espetáculos.

04 de outubro de 2025 às 01:30
António Fagundes fala sobre os 60 anos de carreira e o trabalho com a mulher
António Fagundes com a mulher, Alexandra Martins
António Fagundes na peça 'Dois de Nós'
António Fagundes e Christiane Torloni na peça 'Dois de Nós'

1/4

Partilhar

Estreou, a nível nacional, a peça ‘Dois de Nós’, no Coliseu Micaelense, em São Miguel nos Açores. Como foi a estreia?

Estamos emocionados com esse teatro, o Coliseu Micaelense. Realmente, é um teatro muito bonito, grande… Então foi uma surpresa para nós fazermos três espetáculos esgotados aqui. É uma novidade aqui, fazer-se três espetáculos, sempre esgotados. Na sexta-feira foi a nossa estreia, um público extremamente caloroso e extremamente recetivo. A gente estava um pouco ansioso, porque são culturas diferentes e a peça fala de muita coisa brasileira. É uma comédia, então é preciso que o público entenda para poder rir, e foi maravilhoso. Tive aplausos durante a peça, então foi muito emocionante o espetáculo de sexta-feira. Eu tenho a certeza que vai ser assim daqui para a frente. O público português está muito acostumado com a cultura brasileira, a receção foi extraordinária, foi muito bom.

Pub

O que conheceu dos Açores e gostou mais?

Não posso deixar de falar da natureza que é uma coisa assustadora. Fomos à Lagoa das Sete Cidades e à Lagoa do Fogo também, fomos às Furnas, tomamos um banho, comi o milho, adorei tudo. E a cidade é linda e São Miguel é lindo, é uma ilha verde. O povo é muito generoso, muito simpático e estarmos recebendo esse calor no teatro é maravilhoso.

Vão ficar no nosso país até meados de dezembro. Por que locais é que a peça irá passar?

Pub

Vamos ficar no Teatro Tivoli, em Lisboa a partir de 1 de outubro até 2 de novembro. Depois vamos ao Porto e depois percorrer o país até Faro. Vamos passar por Leiria, Figueira da Foz, Oliveira de Azeméis, Famalicão…

Ao longo dos meses vai conseguir experimentar a diversidade da gastronomia portuguesa? O que mais gosta de comer?

Nem me fale… Esse é um problema, porque a comida é toda muito boa. O meu prato favorito é o bacalhau, é extraordinário. Mas toda a comida portuguesa é muito boa. Esse é um problema para nós, que tivemos de fazer dieta antes de vir para Portugal (risos). Se engordarmos só dois ou três quilos até ao final do ano seria bom (risos).

Pub

Nesta peça contracena com a sua mulher, Alexandra Martins, com quem está casado há 18 anos. Como é atuar com a sua mulher?

Toda a gente pergunta isso, parece que é estranho trabalhar com a mulher. Quer dizer que está dando certo (risos). É muito bom trabalhar com a Alexandra, a gente faz muita coisa juntos. A gente produz cinema juntos, a gente faz teatro, já fizemos televisão. Às vezes ela está como atriz, noutra vezes não. É sempre muito gostoso, é uma troca muito boa.

O que mais gosta na Alexandra?

Pub

Além dela ser uma mulher muito inteligente e bem-humorada, ela é muito talentosa como atriz e também tem um grande talento para a produção. Então, a gente junta tudo: a Alexandra é uma companheira completa porque não só é uma boa companheira como pessoa, como também é uma boa profissional. E o camarim com a Alexandra é só alegria. A gente diz que não trabalha juntos, a gente tem prazer juntos, quer na casa, quer no trabalho.

O António é conhecido por ser rigoroso nos horários da peça de teatro e não deixa o público entrar na sala, após a hora de início do espetáculo. Isso já lhe valeu, inclusive, alguns processos no Brasil. Porque é tão rigoroso?

Uma das coisas que mais preservamos é a comunicação com a plateia. Então, a gente se prepara durante meses para criar aquele ambiente, para criar aquela comunicação plena, e sem ruídos para a plateia. Não é à toa que a gente apaga a luz da plateia, não é à toa que a gente pede para desligar o telemóvel. As pessoas questionam: ‘que rigidez mandar desligar o telemóvel’. Mas aquele barulhinho pode incomodar as pessoas que estão à volta. Imagine uma pessoa atrasada para o espetáculo com a lanterna acesa, passando no meio de toda a gente, uma fila inteira ter de se levantar para ele se sentar no lugar, porque se atrasou e numa plateia de 1000 pessoas temos três atrasados que vão atrapalhar o espetáculo inteiro. Então, é por isso que a gente é rígido, porque queremos que aquelas pessoas que já estão sentadas e acomodadas para assistir ao espetáculo não tenham nenhuma interferência de comunicação entre nós.

Pub

O António tem 60 anos de carreira. Como descreveria essas seis décadas a nível profissional e pessoal?

Eu sempre fiz de tudo: teatro, televisão, cinema. Eu sempre prezei a minha comunicação com a plateia, qualquer que seja o veículo. Sempre tenho buscado isso e quando a gente esgota um auditório de 1100 lugares fora do nosso país, quer dizer que esse objetivo foi alcançado.

Sente que estes 60 anos passaram a voar?

Pub

Foram seis décadas muito bem saboreadas, mas passaram voando. Passou rápido, mas quando passa rápido quer dizer que foi bom. Curti bastante aquilo que fiz,  continuo curtindo e ainda tenho um caminho longo pela frente.

Fez mais de 50 personagens em novelas e séries brasileiras. Quais seriam os três que elegeria como os que gostou mais?

É difícil, porque aquele personagem que achamos que não deu certo foi aquele em que aprendemos mais, então eu diria que seria uma profunda injustiça se eu conseguisse eleger dois ou três numa carreira onde eu fiz mais de 200 personagens.

Pub

Tem um carinho especial por alguma personagem?

Por todos. Eu tive a sorte de poder fazer só o que eu quis. Então, não houve personagem que tenha feito que não tivesse querido fazer.

O início da sua carreira foi difícil? Alguém lhe tentou passar a perna quando era jovem?

Pub

Eu tive muita sorte porque comecei a fazer teatro aos 16 anos, mas eu já vinha de uma pequena carreira teatral antes, então eu já tinha uma pequena carreira e experiência. Eu entrei para o teatro profissional num grupo muito importante do Brasil, o Teatro de Arena, um grupo que pesquisava a realidade brasileira. Então era como se fosse quase uma família e isso deu-me um imenso prazer. Eu produzo os meus espetáculos há 50 anos. Posso dizer que já produzi 30 espetáculos já e eles ficam muito tempo em cartaz. Não tive ninguém contra mim, nem querendo me derrubar, pelo contrário, é sempre agradável trabalhar com uma Christiane Torloni, um Thiago Fragoso. Com a Christine a gente já fez três ou quatro novelas juntos, fizemos cinema juntos e faltava o teatro. Nós tínhamos combinado há 44 anos que íamos fazer uma peça juntos e demoraram essas 44 anos, mas finalmente estamos aqui e eu só posso dizer que é um prazer poder compartilhar com gente tão talentosa. Já estamos há um ano com essa peça em cartaz, já tivemos 100 mil espetadores, então tenho realmente muito prazer em recordar as coisas que eu fiz e não me lembro de nenhum revés.

Qual a sua maior qualidade e o seu pior defeito?

Gosto de imaginar que sou uma pessoa justa, então se vejo alguma qualidade é a perseguição pela justiça. Esse começar rigorosamente no horário marcado e não deixar ninguém entrar após o início do espetáculo posso dizer que seja um sintoma de justiça para com aquelas 1000 pessoas que estou respeitando ali. E quando me dizem que eu estou castigando as pessoas atrasadas, pelo contrário, eu estou respeitando as 1000 pessoas que chegaram a horas. E talvez o meu defeito seja essa mesma justiça, porque de repente algumas pessoas não compreendem isso e se irritam. Algumas pessoas tentaram me processar, mas a Justiça nem aceita esse tipo de pedido. A Justiça tem mais coisas sérias para fazer do que discutir se a pessoa que chegou atrasada a um espetáculo.

Pub

O seu filho, o Bruno Fagundes também seguiu a carreira de ator. O António apoiou-o nessa escolha?

Sempre apoiei! Eu tenho quatro filhos e sempre apoiei naquilo que eles quiseram fazer. O meu lema com eles sempre foi: ‘eu quero que vocês sejam felizes. Podem escolher o que vocês quiserem’. O Bruno escolheu ser ator, é uma profissão muito difícil, hoje em dia, ainda mais do que na minha época. Ser ator exige empenho, uma paixão que nem todo o mundo tem, mas o Bruno tem essa paixão, esse talento. Ele também é um belíssimo produtor, já produziu dois ou três espetáculos e para mim saber que ele, além de ser aquele menino que eu vi crescer e a quem troquei as fraldas ele é um profissional respeitado e amado por todo o mundo que trabalha com ele.

E o António é crítico do trabalho dele?

Pub

Sim, mas essa crítica é sempre construtivo, no sentido de poder ajudar de alguma forma, a gente ajuda, da maneira que ele também me ajuda nos meus espetáculos. A gente conversa muito, trocamos muitas ideias. E é um comentário que queremos ouvir, porque sabemos que vai ser honesto e carinhoso.

Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?

Envie para geral@cmjornal.pt

Partilhar