Lisboa foi escolhida como Capital Europeia da Inovação 2023, uma distinção atribuída pela Comissão Europeia. A capital portuguesa vai receber um milhão de euros para aplicar na fábrica de unicórnios e na criação de um prémio de inovação social.
11 de dezembro de 2023 às 12:30A distinção de Lisboa como Capital Europeia da Inovação 2023 é fruto de muito trabalho e investimento público. "É o reconhecimento enorme do trabalho que fizemos com a fábrica de unicórnios, que trouxe para Lisboa não só estes 12 unicórnios, mas mais de 50 empresas, que anunciaram mais de 10 mil postos de trabalho", explica Carlos Moedas. Além do reconhecimento, o prémio traduz-se num cheque de um milhão de euros que a autarquia receberá da União Europeia (UE), cujo valor será aplicado na fábrica de unicórnios e na criação de um prémio para atribuir às empresas que tragam ideias inovadoras de bem-estar.
A este propósito, Gil Azevedo, diretor-executivo da Startup Lisboa, recorda que esta não foi a primeira vez que a cidade se candidatou a este prémio, tendo ficado em quinto ou sexto lugar. Segundo o empresário, o prémio irá acelerar os três grandes objetivos: crescer o ecossistema e tornar Lisboa numa capital de relevo internacional a nível de inovação, criar mentalidades com soluções viradas para o futuro e, por fim, criar competências em diferentes áreas que possam atrair talento, investimento e ideias, tais como a área social. "Já existe uma incubadora de ideias e programas na área social, como a Casa do Impacto ou o Impact Hub, mas podemos colaborar em conjunto, fazer uma rede e, juntos, ganharmos mais escala a nível local e sermos mais relevantes a nível internacional".
Gil Azevedo, da Startup Lisboa, e João Baracho, da Apps for Good
Prémio para a inovação social
O prémio traduz-se não só no reconhecimento do caminho que tem vindo a ser percorrido, mas também num cheque de um milhão de euros que a autarquia irá receber da União Europeia (UE), cujo valor será aplicado na fábrica de unicórnios e na criação de um prémio para atribuir às empresas que tragam ideias de bem-estar, através da inovação, para a cidade. "É uma forma de podermos contribuir com o que recebemos da UE", revela o autarca.
Este prémio será útil para "diminuir a fricção entre aqueles que criam empresas e alguns setores da sociedade, que acham que as empresas são algo negativo". O objetivo é canalizar a energia das startups e transformá-la em ideias úteis para "ajudar nos problemas e nos grandes desafios que temos hoje".
A EGEAC está a dinamizar o ciclo de conferências "Lisboa em Ação, Uma Cidade com Futuro". Para Pedro Moreira, presidente do Conselho de Administração da EGEAC, "a cidade de Lisboa vive esta efervescência na área da cultura e da inovação" e, como tal, é importante dar a conhecer o que se está a desenvolver em termos de inovação social. "Estas iniciativas são relevantes para permitir que as pessoas possam começar a usufruir destas aplicações e projetos. A inovação social também pode estar ao serviço da cultura e vice-versa", prossegue.
Quando questionado que aplicação gostaria de ver implementada na cidade de Lisboa, o responsável admite que gostaria que existisse uma app com "oportunidades culturais", para que as pessoas pudessem ter instantaneamente informação sobre o que está a acontecer no espaço em que estão a passar. "Muitas vezes passamos ao lado de eventos que estão a decorrer, porque não sabemos." Segundo Pedro Moreira, esta aplicação já existe em algumas cidades e em breve poderá chegar a Lisboa.
EXEMPLOS DE SUCESSO
Lisboa tem sido o lar de alguns projetos de inovação de sucesso, tal como exemplifica António Miguel, fundador da Maze:
SPEAK. Projeto que promove a integração de pessoas migrantes e refugiadas nas suas novas cidades através de um programa de intercâmbio linguístico/cultural e de eventos sociais. "Utiliza tecnologia para que todos os materiais do ensino da língua portuguesa estejam disponíveis online para que todos os que chegam a Portugal possam aprender a nossa língua", conta António Miguel.
CHATTERBOX. "É uma app criada por uma refugiada afegã, que escolheu Lisboa para desenvolver a sua startup de inclusão social", explica o fundador da Maze. Trata-se de uma espécie de sala de aula virtual, onde os refugiados ensinam a sua língua e cultura. Também disponibiliza aulas presenciais.
ACADEMIA DE CÓDIGO.
Foi com o objetivo de agilizar o financiamento de projetos sociais que nasceu a Maze, um projeto sem fins lucrativos, criado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2013.
"O que fazemos é o casamento entre quem quer investir na resolução de problemas sociais e quem, no terreno, resolve esses desafios", explica António Miguel, fundador da Maze.
Segundo o seu fundador, a empresa tem uma missão simples, mas clara: provar que a inovação social é a maior oportunidade económica dos nossos tempos, pois "ao resolver desafios sociais trabalhamos grandes oportunidades de mercado".
Além disso, "há muito talento a querer trabalhar em empresas tecnológicas que tenham um propósito. É o que os clientes e consumidores querem cada vez mais", prossegue. Neste campo, a tecnologia tem um papel essencial para trazer impacto social, pois democratiza o acesso, tem escalabilidade, permite criar um modelo de negócio e aceder a dados. "A tecnologia dá-nos acesso a muitas coisas e se tivermos um olhar com perspetiva de impacto social abrem-se inúmeras oportunidades."
António Miguel, fundador da Maze
Para João Baracho, fundador da Apps for Good – um programa do CDI Portugal (Center of Digital Inclusion) que tem como objetivo a inovação social através da utilização da tecnologia –, a inovação social permite reduzir a assistência e a emergência social, ou seja, "minimizar as pessoas que sofrem. Na educação, temos cada vez mais crianças desalinhadas com o sistema e, muitas vezes, ou se tornam marginais ou criam startups fantásticas. O que fazemos é dar um modelo educativo interessante para os alunos e entusiasmante para professores", explica o responsável.
Na prática, esta organização sem fins lucrativos trabalha na área da educação tecnológica e está focada em capacitar jovens e professores a criarem soluções inovadoras para problemas do mundo real usando a tecnologia. "Estamos muito focados em projetos que possam trazer novas ideias para políticas públicas", conta João Baracho.
Neste momento, estão envolvidas entre 150 e 200 escolas por todo o país e anualmente existe uma competição que permite que os jovens tenham a oportunidade de experimentar o ciclo de desenvolvimento de um produto. "No fim da competição normalmente temos cerca de 500 ideias de aplicações para apresentar", diz João Baracho.
Como é que a inovação nos pode ajudar no desafio da habitação? "Nós investimos mais do que qualquer outro município na habitação, mas precisamos de mais soluções, mais ideias. A tecnologia tem o seu papel", afirma Carlos Moedas.
Este ano, a Startup Lisboa, em conjunto com a Câmara Municipal de Lisboa, realizou um hackathon para a área de habitação – um fim de semana em que um conjunto de equipas jovens estiveram a trabalhar em ideias para a habitação e, no final, as melhores receberam um prémio e apoio para tornar as ideias em realidade.
"Surgiram muitas ideias boas, de como a tecnologia poderia ajudar a habitação", afirma Gil Azevedo, da Startup Lisboa. A solução vencedora assenta em tecnologia blockchain para ligar investidores e proprietários de imóveis devolutos. Ao reconhecer o potencial do imóvel, os investidores interessados podem aplicar fundos à sua renovação e, uma vez concluídas as obras, a casa pode ser vendida ou arrendada, resultando num retorno financeiro a todos os envolvidos.
Deste encontro resultaram outras ideias, tais como uma ferramenta de crowdfunding para estimular a reabilitação de casas ou uma aplicação que permite a qualquer pessoa reportar uma casa inabitada em tempo real.
As startups de inovação social enfrentam uma série de desafios únicos, pois procuram equilibrar a geração de impacto social positivo com a sustentabilidade financeira. "Um dos maiores desafios que temos é a nível de investimento, conseguirmos ter investidores que possam apoiar as suas ideias; em segundo lugar ter um modelo de negócio sustentável e rentável; e, em terceiro lugar, ter acesso a mercado", diz Gil Azevedo.
Neste último ponto, as autarquias, como Lisboa, poderão ter um papel preponderante, nomeadamente ao identificar soluções com potencial, permitindo usar a cidade como piloto e laboratório de ideias. "Temos de trabalhar no pipeline de ideias, identificar startups nacionais ou internacionais que já tenham soluções inovadoras que contribuam para a resolução de problemas como o da habitação e dar-lhes esse espaço de testarem as suas soluções."
António Miguel corrobora com esta teoria. "É importante refletir como é que é possível utilizar o município de Lisboa, com cerca de 10 mil colaboradores, como uma plataforma de experimentação", disse o fundador da Maze.
Mas o programa não pretende ajudar apenas os alunos. Os professores também podem encontrar nesta plataforma uma abordagem diferente para dar as suas aulas. "No início estávamos a ter um grande impacto nos alunos, mas percebemos que também estávamos a impactar os professores". Foi exatamente esta abordagem diferenciadora que dá aos professores, ao nível da formação e materiais didáticos inovadores, que fez o projeto trazer para casa o prémio UNESCO, em 2020.
"O grande interesse da UNESCO no nosso programa é que é multilingue e não obriga a conectividade permanente. Os professores podem fazer o download dos conteúdos e dar o programa. Em alguns países da África, Ásia ou América Latina é uma vantagem", explicou João Baracho.