É o maior achado entre as 28 obras de restauro de igrejas do Fundo Rainha D. Leonor até hoje. A Bandeira Real, a Bandeira da Misericórida (frente e verso), o Compromisso da Santa Casa de Melgaço e uma tela, tesouros com centenas de anos, foram descobertos nas obras da Igreja da Misericórdia de Melgaço.
15 de dezembro de 2022 às 14:06Os técnicos do Fundo Rainha D. Leonor (FRDL), da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) tropeçaram num autêntico tesouro com centenas de anos escondido por espessas camadas de pó numa espécie de arrecadação do edifício. A descoberta aconteceu durante as obras de restauro na histórica igreja da Misericórdia de Melgaço, datada do século XII, levadas a cabo pela Santa Casa da Misericórdia de Melgaço e com a vistoria dos técnicos do FRDL.
As peças descobertas em 2021 têm origens dos séculos XVI ao XIX, já foram entretanto recuperadas através do Fundo Rainha D. Leonor e em breve estarão em exibição ao público em Melgaço, assegurou o provedor da Santa Casa da cidade minhota, Jorge Ribeiro (ver entrevista).
O tesouro é composto pela Bandeira Real, a Bandeira da Misericórdia na sua frente com a imagem da Nossa Senhora da Misericórdia e verso representar a Descida da Cruz, que foram usadas pelo povo de Melgaço em procissões dos séculos XVI e XVII; o Compromisso original da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço datado de 1516 e a tela que tapa o pano do Altar Mor, peça do século XIX.
A descoberta do Compromisso “tem impacto nacional uma vez que coloca a Misericórdia de Melgaço entre as primeiras do País e não em 1535, como até hoje se pensava”, destaca Inês Dentinho, gestora do Fundo Rainha D. Leonor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. “Mais: só havia conhecimento de 11 exemplares de Compromissos originais da primeira edição de 1516 (um está na Biblioteca de Harvard, EUA) e foi encontrado mais este em Melgaço. O volume foi cuidadosamente estudado pelos técnicos do Arquivo Histórico da Santa Casa da Misercórdia de Lisboa, que ofereceu o seu restauro integral antes de o devolver à Santa Casa do km 1 a Norte de Portugal”.
Na arrecadação onde foram encontradas as duas bandeiras da Misericórdia “estava também, enrolada, a tela que cobre o trono do Altar Mor, com a representação da Visitação, símbolo das Misericórdias que, tal como Maria que visita a sua Prima Isabel, se desinstalam para ir ao encontro dos mais necessitados”, acrescenta Inês Dentinho.
O Compromisso da Santa Casa de Melgaço de 1516
O arquiteto Jorge Brito e Abreu foi quem encontrou a frente da Bandeira Real da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço durante uma visita de acompanhamento da obra. “A peça estava guardada numa arrecadação num estado avançado de degradação, juntamente com outras alfaias fora de uso”, recordou Jorge Brito e Abreu, arquiteto que tem participado “em todas as obras de recuperação apoiadas pelo Fundo Rainha Dona Leonor (FRDL) desde que foi criada a secção do Património Histórico em 2017”.
Como explica a gestora do FRDL, as bandeiras descobertas “são o símbolo móvel das Misericórdias (por isso têm um cabo) e representavam as Santas Casas locais em todas as manifestações públicas e privadas”.
“A Bandeira Real foi restaurada pelo FRDL para a exposição do núcleo de exposições do Museu de S. Roque, em Lisboa, em 2018. A Bandeira da Misericórdia foi restaurada com o patrocínio de um concurso em que a Santa Casa da Misericórdia de Melgaço foi selecionada entre onze misericórdias nacionais para receber um donativo de mil dólares (813,59 euros), montante que resultou de uma oferta da empresa de soluções digitais para a área das lotarias e jogos sociais Neogames ao FRDL. Ambos os restauros foram feitos na Fundação Ricardo Espírito Santo Silva.
O arquiteto Jorge Brito e Abreu realça que durante o acompanhamento das obras nos vários edificados, “a equipa do FRDL tem promovido o tratamento dos valiosíssimos arquivos históricos e quando necessário, a realização do Inventário do património móvel igualmente patrocinado pela SCML”.
“Ainda no contexto europeu, registamos a recente intervenção do FRDL na criação do Núcleo Museológico da Santa Casa de Évora, uma das Misericórdias mais antigas do país, que sem dúvida vai contribuir para a realização de Évora Capital Europeia da Cultura em 2027”.
O provedor da Santa Casa de Melgaço, Jorge Ribeiro, recorda que o estado de degradação das peças descobertas era tal que “batia-se com um dedo e desfaziam-se em pó”.
Que importância tem a descoberta e restauro destas duas bandeiras para Melgaço?
Quando descobrimos a Bandeira Real há um ano, nas obras do Fundo Rainha D. Leonor na igreja da Misericórdia de Melgaço, foi também descoberta outra bandeira, Descida da Cruz, no mesmo momento. Estavam na arrecadação e a equipa técnica olhou e percebeu que eram peças de valor. O estado de degradação era tal que batia-se com um dedo e desfaziam-se em pó. Quando disseram que era recuperável nem queria acreditar. A Bandeira Real é o nosso título, passou a ser vista como a nossa peça principal.
Agora que foram restauradas, estas peças estarão em exposição?
Sim, brevemente estarão em exposição. Vamos criar um espaço para garantir a conservação e segurança das peças. Será no salão do antigo Hospital da Misericórdia de Melgaço, que comemorou 130 anos este ano. Ali será criado uma espécie de museu.
A Bandeira da Misericórdia já completamente restaurada
Nesse museu estarão outras peças icónicas?
Sem dúvida. Estará por exemplo o primeiro Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço (as Misericórdias eram constituídas a partir do compromisso de Lisboa, dos estatutos, era emitido um alvará para que o compromisso fosse assinado), imprimido em 1516. Foi descoberto nestas obras do Fundo Rainha D. Leonor, onde também se acharam as bandeiras. Andávamos à procura de documentação para registar a Misericórdia em nosso nome quando o encontrámos. Fizeram uma avaliação da peça em 60 mil euros para efeitos de seguro de transporte. As bandeiras ainda não têm seguro.
Melgaço: a descoberta mais significativa
“As descobertas de Melgaço são, talvez, as mais significativas do ponto de vista da simbologia das Misericórdias”, destacou a gestora do Fundo Rainha D.Leonor, Inês Dentinho.
Desde 2017, como referiu, o Fundo Rainha D. Leonor (FRDL) apoiou obras de conservação e restauro do Património de 28 Misericórdias Portuguesas: Melgaço, Alenquer, Ericeira, Tomar, Montemor-o-Novo, Coruche, Buarcos, Lourinhã, Abrantes, Évora, Alhos Vedros, Miranda do Douro, Monção, Tentúgal, Montemor-o-Velho, Santarém, Vila de Pereira, Constância, Óbidos, Palmela, Cano, Salvaterra de Magos, Alcochete, Celorico da Beira, Guimarães, Soalheira, Cabeção e Lousã. Decorrem ainda as obras de Melgaço, Lourinhã, Tentúgal, Montemor-o-Velho, Vila de Pereira, Constância, Celorico da Beira e Guimarães.
Os orçamentos anuais do FRDL têm sido variáveis, consoante as possibilidades da SCML em cada ano. Inicialmente foram de cinco milhões de euros / ano, para as áreas social (75%) e do património (25%) mas há exceções. Por exemplo, em 2019 o orçamento foi de seis milhões de euros (1,25 milhões para restauros para celebrar o Ano Europeu do Património). Desde 2021 que o FRDL não tem dotação orçamental estando a acompanhar 34 obras em curso.