Agora, aqui

Eu próprio me interrogo sobre o valor que possuo da democracia.

29 de outubro de 2014 às 00:30
Baptista Bastos Foto: Vítor Mota
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Às quartas-feiras, todas e por aí fora, tocarei no batente do Correio da Manhã para deixar o meu recado. Com esta presença, fecho um ciclo pessoal na Imprensa portuguesa: escrevi, nos últimos cinquenta anos, em todos os jornais nacionais, inclusive em ‘A Bola’. Não é fadário: é um destino por mim próprio escolhido e procurado. Estou, agora, no Correio da Manhã, com o gosto e o prazer que sempre comigo viveram: pertenço a isto e isto sempre me pertenceu.

Sou de uma longa família de construtores de jornais: o meu pai, o meu irmão, andaram de componedor a erigir os caracteres tipográficos à glória da comunicação. Eu fiquei-me por aqui, a perfilar palavras e a organizar frases, cheio da soberba de me presumir útil.

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Nos últimos sete anos, batuquei, nas teclas, prosa desse jaez e estilo, publicada, semanalmente, no ‘Diário de Notícias’, com o razoável êxito abonatório de todos aqueles (já somos poucos) que não vendem fruta com bicho. Na segunda-feira, dia 6 deste mês, um factótum, cujo nome ignoro, telefonou-me e disse: acabou. Redigi um texto modesto de adeus e pena, e fui à vida, como até hoje o tenho feito. Ensinaram-me a não me lamuriar e a não me queixar. E a saber esperar, com paciente expectativa, o que de melhor a vida tem para nos oferecer.

Sem vaidade ou presunção, recebi centenas, repito: centenas de mails, de sms, de telefonemas, numa solidariedade provinda de todas as direcções. Velhos parceiros de luta e de jornalismo, alguns dos quais muito recuados no tempo, vieram a terreiro. Claro que houve ausências e silêncios precavidos. O medo mantém vigilâncias apertadas. Mas, horas depois de o meu saneamento ser conhecido, apenas horas depois, o Octávio Ribeiro abria-me as portas do seu jornal, numa demonstração de camaradagem já rara. E cá estou.

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Como ia dizendo, há três quartas-feiras, "na certeza das minhas convicções, sem certezas absolutas", assimilei que a experiência democrática tem feito de nós sujeitos éticos, cujo silêncio não significa nem aquiescência nem resignação. Porém, não há democracia que seja a inexistência do todo. Eu próprio me interrogo sobre o valor que possuo da democracia. Reconhecendo que esta, a "nossa", é abjecta. Mas tem saída. Porque estamos cá.

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