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JOÃO LAGARTO: SOU O PADRINHO DE AMBOS

João Lagarto, actor. Para despir Andrei e vestir Gurov tem pouco mais de dez minutos, intervalo entre "Uma Peça Mais Tarde" e "O Jogo de Ialta", duas abordagens ao universo dramatúrgico de Brian Friel sob a égide de Anton Tchekov, que Nuno Carinhas encena no Teatro Nacional S. João, no Porto.

22 de julho de 2003 às 00:00

- Correio da Manhã - Como resume estes dois espectáculos geminados?

João Lagarto - Em "Uma Peça Mais Tarde", Friel coloca frente a frente, num café de Moscovo, duas personagens de Tchekov, 20 anos depois de o dramaturgo russo lhes ter dado vida: Sónia Serebriakov de "Tio Vânia" e Andrei Prozorov de "Três Irmãs". Entretanto, em "O Jogo de Ialta" sugere-se uma reinvenção dramática a partir de um tema do conto de Tchekov "A Senhora do Cãozinho".

- Como aconteceu a sua escolha para o elenco destas peças em que contracena com Sandra Faleiro?

- Foi a Fernanda Lapa que indicou o meu nome para as personagens masculinas. Afinal, a Escola de Mulheres já havia montado, com sucesso, "O Curandeiro", outra peça marcante do Friel, justamente encenada pelo Nuno Carinhas.

- E como foi a sensação de embrenhar-se no mundo de reinvenção da memória, que é o teatro de Friel?

- Na verdade, o mundo tecido por Friel é muito peculiar. Nele, o óbvio não tem hipóteses de se configurar. É de uma subtileza que entusiasma. O seu discurso dramatúrgico aparece-nos como visceralmente original, não catalogável com escritas e estilos precedentes. Ele deve ser vivenciado como um material que reveste características próprias.

- Concorda que nestes dois registos, neste jogo de espelhos entre Friel e Tchekov, o autor irlandês retenha a aura das criações do genial russo.

- Penso que retém, na essência, o lado humano que emana do teatro tchekoviano. São duas histórias de amor contadas com um pendor profundamente humano. Mas voltando à singularidade que Friel investe no modo como olha para a sua realidade teatral, refira-se que, embora "Uma Peça Mais Tarde" se passe em Moscovo, na ebulição da Revolução Russa, não há referências explícitas a isso. A trama tem uma autonomia que supera as conotações e restrições de tempo e lugar.

- Que visões e interacções lhe sugerem as psicologias de Andrei e Gurov?

- Em duas palavras, poderia dizer que Andrei é um menino grande e Gurov um galã. Educado pelas três irmãs, Andrei não cresceu. Gurov é um homem amadurecido, que não sobrecarrega os outros com os seus problemas.

- No final das peças, creio que os espectadores masculinos se sentem como Andrei mas gostariam de ser como Gurov.

- Não me compete aderir a esse desafio de identificações. A minha função será, antes, a de assumir-me como padrinho de ambos nesse duelo de seduções na conquista de uma mulher. O que posso sublinhar é que, de certa maneira, Andrei pode ser lido como uma homenagem aos falhados, aos que ficam pelo caminho. No fim de contas, é um homem culto e revoltado, mas está encalhado na vida.

- Como está a ser trabalhar com Nuno Carinhas, que quase trata Friel por "tu"?

- Foi uma surpresa de que já estava à espera. É notório que gosta de Friel. Tem o raro condão de saber desmontar as "armadilhas" montadas por ele. Depois, evidencia a vantagem da sua formação anterior de cenógrafo: consegue harmonizar, com profunda e extensa pulsão teatral, o sentido plástico com o sentido dramatúrgico.

João Lagarto já tem no activo mais de 50 espectáculos teatrais, mas popularizou-se através do cinema e da televisão. Começou no teatro de revista antes do 25 de Abril e em 1978 fez a primeira incursão no cinema em "Vilarinho das Furnas". A partir de então exibiu a sua versatilidade em filmes como "Jogo de Mão", "Adeus Pai" ou "Terra Estrangeira". Entrou em novelas como "A Banqueira do Povo", "Terra Mãe", "Os Lobos" e "Lusitana Paixão". Porém, foi nas séries "Polícias", "Esquadra de Polícia" e "Não És Homem Não És Nada" que a sua popularidade subiu em flecha, por mérito de José Maria.

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