A 13 de Novembro de 1965, Carlos Avilez estreava, no Gil Vicente, em Cascais, ‘Esopaida’, de António José da Silva, o Judeu, o primeiro espectáculo da história do TEC – Teatro Experimental de Cascais. Hoje, 40 anos passados, o carismático encenador recorda o trabalho feito e fala dos projectos para o futuro.
Correio da Manhã – Existe alguma razão para ter escolhido um texto do Judeu para iniciar um novo projecto teatral?
Carlos Avilez – Não. Tínhamos acabado de fazer as ‘Bodas de Sangue’, do Lorca, e já estávamos a ensaiar a ‘Esopaida’ quando formalizámos a nossa existência enquanto TEC e viemos para Cascais. Embora a dramaturgia portuguesa sempre tenha sido uma das vertentes de teatro que mais desenvolvemos...
– A criação do TEC foi um manifesto político ou estético? Ou ambos?
– Em 1965 vivia-se um clima de agitação política no País e nós estávamos nessa contestação. Estávamos a rebentar com uma série de coisas, a criar novos caminhos. O TEC foi uma pedrada no charco.
– Porquê Cascais e não outro lugar qualquer?
– Fomos a primeira companhia da descentralização, numa altura em que todos os movimentos europeus iam nesse sentido: o de levar a cultura para fora das grandes capitais. Eu achava que era necessário um certo tipo de isolamento para fazermos determinada experiência estética. Hoje, Cascais é Lisboa, mas há 30 ou 40 anos não era. Nem sequer havia auto-estrada. Parecia inconcebível uma companhia trabalhar diariamente fora da capital.
– A população era muito diferente da de hoje?
– Cascais era uma vila de pescadores, que coexistiam com um núcleo cascaense muito forte. Era uma vila de contrastes. Hoje também é. Há uma parte dormitório que não tem nada a ver com o centro... A ideia de virmos para cá partiu do João Vasco, que morava em Cascais e sabia que havia um teatro fechado, o Gil Vicente. Falámos com a Junta de Turismo da Costa do Sol e instalámo-nos.
– Nunca se sentiu limitado por fazer teatro em Cascais? Estar a trabalhar para uma população específica?
– Não. O público era de Lisboa. Sempre gostei de trabalhar fora e continuo a gostar.
– E hoje? Não se sente o encenador das ‘tias’?
– Não. Nunca fui. Continuamos a manter uma forte ligação com a gente jovem. Sobretudo porque temos a funcionar, desde há 14 anos, a Escola de Teatro de Cascais. Todos os anos sai muita gente da escola e sentimos essa juventude perto de nós.
– Em 40 anos, o teatro mudou completamente e se, no início, se justificava fazer teatro por guerrilha política, hoje a situação é bem diferente. Como é que o TEC evoluiu após o 25 de Abril?
– Deixámos de fazer teatro por contestação, passámos a desenvolver a nossa própria corrente.
– Como é que define essa corrente?
– Há uma grande preocupação plástica nos nossos espectáculos. Há a preocupação do grande texto e da interpretação dos actores. Uma coisa fundamental, cada vez mais, é a simplicidade de processos. Inicialmente, não a tinha, mas fui-a adquirindo e cultivando com o tempo. Estou a ficar mais próximo da simplicidade.
– O núcleo da companhia tem sido estável. Continua a acreditar nos elencos residentes?
– Há pessoas com 28 anos de casa, 30, 40... Continuo. Disse-lhe isso a propósito do Teatro Nacional e continuo a achar que o Teatro Nacional devia ser o exemplo e ter um elenco fixo. Evidentemente que manter uma companhia residente em Cascais acarreta alguns problemas de ordem económica...
– O Teatro Nacional ainda continua a ser um marco na sua vida profissional?
– Estimo muito o Teatro Nacional, onde estive nove anos como actor e sete como director. São 16 anos da minha vida, claro que é uma grande marca. Mas as coisas mudam, acabam e procuramos outras.
– Que comentários lhe merece a actuação do actual director do Nacional e a sua programação?
– Não faço comentários. Em Portugal sofremos de falta de memória. Mesmo com 40 anos de trabalho, muitas pessoas continuam a ignorar esta companhia. Lutámos durante anos, desbravámos tantos caminhos e não vejo o reconhecimento desse trabalho. Isso magoa-me.
– O TEC vai ter uma casa nova daqui a dois anos. Em que medida é que isso vai transformar a vida da companhia?
– Muito. Trabalhamos para uma plateia de 120 lugares, vamos passar a trabalhar para uma de quase 400. Vamos ter uma sala mais pequena, sempre a funcionar, com 100 lugares. Depois, temos de criar uma nova estratégia de públicos porque vamos sair de Cascais e para passar para Carcavelos. Mas continuo a gostar de desafios.
– Ao fim de 40 anos, não sente que fez tudo o que tinha a fazer?
– Há tanta coisa que ainda me apetece fazer. Não vou ter tempo de vida para fazer o que queria. Quero fazer Shakespeare, quero fazer mais originais portugueses...
– Pensa em reformar-se?
– Não. Mas acho que a pessoa deve estar enquanto tiver qualidade para estar. Deve ter consciência de quando se deve retirar. Não me vou arrastar pelos palcos. Coloca-se um problema de dignidade profissional, de respeito pelo público e por nós próprios.
– Imagina um futuro TEC sem o Carlos Avilez?
– Não sei. Essas coisas são complicadas. A maioria das companhias portuguesas organizou-se em volta de um encenador, numa altura em que os encenadores eram vedetas. Isso mudou, mas as estruturas vêm desse tempo. Acho que uma companhia, a partir do momento em que mude a sua orientação, deve mudar de nome. A coisa deve acabar, em vez de ser arrastada para algo que já nada tem a ver com o projecto inicial.
– Como é que definiria o estado do teatro actual?
– Está a fazer-se muito bom teatro. Isso é indiscutível. Paralelamente, e isso parece incompreensível, há um certo desconhecimento das coisas. Hoje, se acabar uma companhia, ninguém liga nenhuma. Antes isso era impensável.
– É o público que está desinteressado?
– Não. O público está a vir mais ao teatro, a procurar mais o contacto directo com os actores. A televisão é muito episódica e já teve mais importância do que tem agora.
– É a Comunicação Social que está desinteressada do teatro?
– Já não há o apoio que havia. Há menos jornais, também. As coisas mudaram um bocado. É pena, porque os jornais eram uma referência para nós, gente de teatro.
–A importância da crítica foi-se diluindo...
– Sim. A crítica perdeu campo, por sua própria culpa. Tornou-se tendenciosa... Embora eu continue a ler os críticos. Sempre! Mas sou do tempo em que os profissionais de teatro esperavam até às cinco da manhã que os jornais saíssem da gráfica para ler as críticas. Hoje, nunca se sabe quando é que as críticas saem, se é que saem...
– Que perfil tem o público do TEC?
– É gente nova, sobretudo. É o nosso maior trunfo. Sinto que estamos no caminho certo.
– A política de subsídios continua a ser a grande dor de cabeça do teatro. A esse nível, o que prevê para o futuro?
– Espero que a política de subsídios mude, no sentido de as pessoas se responsabilizarem por aquilo que fazem. Deve haver justiça, acima de tudo.
UMA ESTREIA PARA O 40º ANIVERSÁRIO
Para assinalar o 40.º aniversário do TEC, Carlos Avilez estreia hoje, no Teatro Mirita Casimiro, ‘O Vento nas Ramas do Sassafraz’, de René de Obaldia, uma paródia aos ‘westerns’ dos anos 30 e 40, e que Natália Correia traduziu especialmente a pensar na companhia de Cascais.
No espectáculo participam tanto os elementos mais antigos do grupo – como Anna Paula, João Vasco, Santos Manuel ou António Marques – como alguns dos mais recentes: Renato Godinho e Vanessa Agapito.
Com cenografia de António Casimiro e dramaturgia de Tito Lívio, trata-se de um espectáculo para maiores de 12 anos que é para ver de quarta a sábado às 21h30, domingos às 17h00.
SHAKESPEARE, GUIMARÃES E CARROLL
William Shakespeare, Jorge Guimarães e Lewis Carroll são os próximos autores a merecerem a atenção de Carlos Avilez. Levar à cena a peça ‘Henrique VIII’, do dramaturgo isabelino, era, de resto, um sonho antigo do encenador, que sempre se deixou fascinar pela temática do poder. De Jorge Guimarães, Avilez fará ‘O Mistério da Estrada da Vida’, peça inédita que versa sobre o polémico tema do nascimento de Eça de Queiroz (que tanto tem dado que falar).
A pensar no público mais jovem, Avilez tenciona estrear, também brevemente, o delicioso ‘Alice no País das Maravilhas’, de Lewis Carroll.
Carlos Victor Machado nasceu em Lisboa a 13 de Abril de 1939. Aos 15 anos, e por sugestão de um amigo de infância, adoptou o pseudónimo Avilez. Um ano depois, escrevia uma carta a Amélia Rey Colaço e no dia seguinte entrava como actor no Teatro Nacional D. Maria II. Depois de nove anos, percebeu que não queria ser actor e saiu para dirigir os seus próprios projectos. É director do TEC há 40 anos, dirige uma escola de teatro e o museu Espaço Memória. Para o ano completará 50 anos de carreira.
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