Cantora celebra 30 anos de carreira dia 12 no Coliseu do Porto e dia 13 no Campo Pequeno. O pretexto para recordar uma vida
Mafalda Veiga começou a cantar fado para a família ainda em criança para fazer a vontade do tio e escreveu a sua primeira canção na adolescência, um dia ao chegar da escola. O primeiro disco, o tal que tinha o megasucesso 'Planície', gravou-o em 1987, mas a sua estreia em palco só aconteceu em 1988. Contas feitas já passaram 30 anos.
No ano passado, já antecipando estes 30 anos de carreira, dizia que não gosta nada destes números redondos e que preferia festejar os 29 ou os 31. O que é que a fez mudar de ideia para avançar para dois espetáculos de celebração de carreira?
(risos) Não foi, de facto, ideia minha. Foi um convite que me lançaram. São trinta anos de estrada. Apesar do meu primeiro disco ter saído em dezembro de 1987, eu só comecei a tocar em março de 1988, até porque eu nem tinha banda formada. Só depois das gravações concluídas é que eu e o produtor Manuel Faria começámos a chamar os músicos.
Mas como é que lida com o passar do tempo. É pacífico para si?
É muito pacífico porque eu sou muito despistada. Quando eu vejo que passaram trinta anos fico mais admirada do que outra coisa qualquer.
Porquê admirada?
Porque parece que foi ontem que tudo começou. Eu sou ligada ao tempo de forma muito afetiva e só guardo as coisas quando há uma emoção que me liga a elas. Sempre fui assim na música e na vida. Eu tenho memórias da minha avó como se tivéssemos estado ontem juntas e, no entanto, ela morreu quando eu tinha seis anos. Lembro-me de imagens e de gestos. Ou seja, o tempo que traz memórias afetivas é sempre muito presente para mim. E na música é igual. E depois quando se gosta daquilo que se faz, acho que o tempo tende a passar rápido. Eu tenho uma relação com ele muito prática e leve. Não me pesa nada.
Falamos de 30 anos de carreira, mas na verdade passam 35 desde a sua primeira composição ‘Velho’. Que canção era essa?
Foi a primeira canção que escrevi em português. Eu tive a minha primeira viola aos 11 anos e comecei logo a compor. Rapidamente percebi que a viola era muito mais uma fonte criativa do que outra coisa. Nunca fui uma instrumentista e nunca estudei muito e a viola sempre foi para mim um terreno fértil para criar. Comecei a compor em inglês e, como nessa fase estava em Espanha, escrevia também algumas coisas em espanhol. A primeira canção que me atrevi a escrever em português foi o ‘Velho’.
Mas como é que ela surgiu?
Na altura morava em Montemor e andava na secundária. Lembro-me que quando ia para a escola passava num jardim no centro da vila, onde via muitos velhotes e aquilo impressionava-me muito. Na altura nem percebi, mas a letra é bastante violenta. Lembro-me que fiquei muito contente por ter feito aquela canção e que foi ela que me abriu o caminho para começar a escrever em português. Percebi ali o gozo que podia dar descobrir a musicalidade da língua portuguesa.
E é aí que entra a tal inspiração que não está ao alcance de todos!
Eu acredito que é muito importante o trabalho, mas a inspiração tem que lá estar. Muitas das minhas canções fi- -las em muito pouco tempo. São coisas que parece que já vêm feitas.
Mas nessa fase da adolescência, aparecia primeiro a palavra ou a música?
Eu acho que sou das poucas pessoas que ainda hoje fazem as duas coisas ao mesmo tempo, letra e música. Eu sinto-me um bocadinho escultora de canções. Trabalho-as como se fossem um objeto. Acho que em oitenta canções só para aí duas é que partiram de um texto para musicar.
E olhando bem lá para trás, não se recorda se deu primeiro atenção à palavra ou à música?
Não sei. A minha mãe diz que quando aprendi a falar, passava a vida a cantar.
Como é hoje a sua relação com as suas canções mais antigas?
Há canções com as quais eu já não me identifico mesmo nada. Com o tempo, o ângulo com que olhamos para as coisas muda e, num compositor, obviamente que isso se reflete muito na escrita. Na verdade há canções que têm palavras que eu já nem sinto minhas. Mas depois também há outras canções que eu escrevi com 19 ou 20 anos que continuam a refletir exatamente aquilo que eu sou.
Mas a Mafalda Veiga é daquelas cantoras que não ouvem aquilo que gravaram no passado?
Eu geralmente já não ouço o que gravei ontem (risos). Quando acabamos de gravar um disco, de repente damos por nós e já estamos na sala de ensaios a preparar tudo para tocar ao vivo. E as próprias canções vão-se transformando.
Mas para este espetáculo teve de ir ouvir o que gravou para trás, ou não?
Sim, fiz essa recolha, mas curiosamente acabei por ouvir mais versões que fiz com o tempo, do que propriamente os originais.
Falava da sua primeira guitarra. Ainda se recorda de a ter recebido?
Sim, foi um mundo novo que se abriu. Eu não esperava nada aquilo. Na altura eu andava a aprender a tocar na guitarra do meu tio que tocava fado. Um verão, o meu pai decidiu fazer-me a surpresa. A partir daí passei a ser a irmã mais chata do Mundo porque passava a vida a fazer barulho. Passei a minha adolescência com a viola atrás, sempre a cantar. Não dava para tocar para dentro (risos).
Mas ainda tem essa guitarra?
Não. Dei-a a uma sobrinha. Está cheia de autocolantes da escola.
E começa a tocar para a família!
Sim. O meu tio começou a tocar muito novo e como precisava de alguém que cantasse, lá ia eu. Lembro- -me de ter oito ou nove anos e de o meu tio me ensinar uns fados. A minha família era muito numerosa e as festas tinham sempre muita gente.
Mas tinha jeito para o fado?
Não, acho que não (risos). Mas como o meu tio precisava eu lá cantava.
Logo no início da carreira teve de lidar com o mega sucesso ‘Planície’ que hoje todos conhecem como ‘Pássaros do Sul’. Consegue explicar aquele fenómeno?
Eu acho que era uma boa canção feita por uma escritora de canções, uma mulher, coisa que não havia em Portugal.
Mas nunca se cansou de cantar esse tema?
Eu cansei-me na altura porque aquilo foi espremido até mais não. Aliás, estive quinze anos sem o cantar e só vou voltar a ela agora nos espetáculos dos 30 anos.
ESPETÁCULO CRIADO DE RAIZ
O que está a preparar para estes espetáculos?
É um espetáculo construído de raiz com arranjos novos e banda nova e cuja produção está a ser feita por mim e pelo João Gil dos We Can’t Win, Charlie Brown. O espetáculo inclui ainda um ensemble de três sopros e três cordas e tem ainda três convidados com os quais me identifico bastante. Em Lisboa é o Tiago Bettencourt, o Rui Reininho e o Jorge Palma. No Porto repete, mas na vez do Tiago é o Miguel Araújo. O espetáculo vai incluir temas desde o primeiro disco, os que eu gosto mais e aos quais estou mais ligada.
Com o Palma vai cantar o tema ‘Imortais’, que regravou onze anos depois de ter gravado ‘Tatuagens’. Como foi este reencontro?
Nós encontrámo-nos algumas vezes, inclusive num espetáculo que fui convidada para fazer em que tinha que escolher um autor para cantar. Eu escolhi dezoito canções do Palma e ele chegou a estar num desses concertos a assistir. Depois encontrámo-nos pontualmente noutras situações mas nunca tínhamos gravado nada em dueto.
Outro dos convidados é Miguel Araújo com quem regravou ‘Planície’. Como é a sua relação com estas gerações mais novas da música portuguesa?
Sempre foi muito boa. Sempre toquei com músicos mais novos do que eu, embora as minhas escolhas nada tenham a ver com a idade, mas sim com o tipo de música que fazem. Mas é sempre uma experiência muito boa trocar com eles. Eu tenho um gosto muito de pele em relação à música, ou gosto ou não.
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