Os Dr. Salazar, um grupo de heavy metal, existem há cinco anos mas o nome tem-lhes valido “muita discrimi-nação”. Cantam em português e acabam de lançar o álbum de estreia. Ao CM, o grupo da Amadora põe o dedo em feridas da sociedade.
Correio da Manhã – Na origem do grupo está a Guerra do Ultramar. Como é que tudo começou?
Manuel de Albuquerque – Há uns anos houve um jornal que oferecia cassetes de vídeo com imagens da guerra colonial e isso inspirou-nos. Pensámos que Dr. Salazar era o mais adequado para quem pretende fazer crítica social e abordar a época da ditadura e pós-ditadura. Mas tivemos logo problemas. As pessoas não entendiam no porquê do nome e confundiram isso com ideologias neofascistas. Os Dr. Salazar nada têm a ver com essas coisas. Somos apenas músicos, mas com uma componente de crítica social mais aguda. É uma seta apontada. A nossa preocupação é fazermos a denúncia de certas situações. Livrámo-nos da ditadura de Salazar, mas vivemos sob outras ditaduras, nomeadamente a económica. E 30 anos de democracia é tempo mais do que suficiente para podermos dizer o que é que a democracia trouxe de bom e de mau. Dá a sensação de que tudo o que foi feito após o 25 de Abril foi bom. E nós não pensamos assim.
– Não temem que isso possa ser entendido como uma apologia do regime de Salazar?
M.A. – Não. Mas também não acreditamos que tudo aquilo que é do tempo de Salazar é mau. Ele roubou o povo, mas não deitou ao mar nem comprou ‘resorts’ de luxo no estrangeiro. Salazar morreu pobre. Ficou tudo no Estado. Uma certa classe política desbaratou tudo e não está interessada em que se fale de Salazar ou nas coisas boas que ele deixou, como as escolas primárias em alvenaria que ainda existem. Antes dele não havia estradas alcatroadas...
– A escolha do nome já lhes valeu dissabores, certo?
M.A. – Acontece-nos frequentemente. O disco foi recusado por editoras que não quiseram correr o risco de pôr uma banda na rua com este nome. E isso dói. Será que estas entidades vivem em liberdade? E já fomos abordados na rua.
– Andam com segurança?
M.A. – Até agora ainda não tivemos mais do que ameaças verbais e por ‘e--mail’, mas temos algum receio. Quando fomos tocar ao Seixal Metal Fest a imprensa local alertou a população para que não aparecesse porque ia haver violência e que vinham lá os skinheads. Com uma foto do grupo em que eu aparecia. Mas eu não sou ‘skin’, sou careca!
– Já perderam contratos?
M.A. – Perdemos participações em concertos; fomos excluídos. ‘Com esse nome não queremos arriscar’, dizem-nos.
– Escolheram o heavy metal em português por ser uma linguagem dura?
José Ramos – Não é bem heavy, é mais metal industrial, mas é, de facto, o mais indicado para passar a mensagem.
M.A. – Escolhemos o português porque estamos a tratar de uma realidade nacional e não faria sentido outra língua. Mas é provável que no futuro possamos fazer canções noutro idioma.
– Porquê a aposta na crítica social?
M.A. – Porque achamos que as pessoas estão cada vez mais amorfas, indiferentes, mais isoladas; não reagem, não questionam. O nosso objectivo é alertá-las.
– Mas têm canções como ‘Cais da Rocha do Conde D’Óbidos’ em que dizem que ‘o Ultramar é nosso’...
M.A. – Era o que se dizia aos jovens na altura. Às vezes dizemos isso às pessoas nos concertos. Para os jovens de hoje, o local não diz nada, são as docas, apenas. Mas à data era um local quase trágico, de despedida. Era, para muitos, o último adeus.
– Em ‘Falar do Mendigo’, dizem ‘pergunta ao mendigo se viu passar a democracia’. É uma denúncia forte...
M.A. – Queremos que as pessoas equacionem os benefícios da democracia, que também trouxe coisas más: os mendigos são cada vez mais e a miséria cada vez maior. O Salazar tinha a Sopa dos Pobres, que ainda existe. Os democratas preocuparam-se em destruir a estátua do Salazar e mudar o nome à ponte, mas esqueceram a Sopa dos Pobres? O ‘Mendigo’ é uma alfinetada nas pessoas.
– Quer isso dizer que, um pouco à semelhança de José Afonso, vocês fazem canções de intervenção?
M.A. – Nem mais! Não há qualquer pretensão nisso, mas temos um papel de intervenção tal como ele. Se calhar, se vivêssemos no tempo de Salazar, estaríamos presos, no Tarrafal. O José Afonso tem o seu enquadramento, mas quem nos dera ter tanta relevância como ele!
"GRANDE RESPEITO PELO ZECA"
CM – Ao vivo tocam uma versão de José Afonso. Porquê?
M.A. – É o ‘Vejam Bem’ e não há qualquer tipo de sátira. Pelo contrário. Temos um respeito muito grande por Zeca Afonso. Aliás, eu e o baterista (Pedro, que é meu filho) temos uma ligação à música tradicional portuguesa, pois integrámos os Pardais ao Ninho.
– Mas o tema não está no disco...
– Porque a família dele não deixou. Gravámos o tema há uns anos na Reboleira, mas nunca foi possível pô-lo em disco porque a família não autorizou. Respeitamos esse desejo, mas interpretamo-lo ao vivo, com muito gosto, e gostaríamos muito de o pôr em disco. Talvez um dia...
Manuel Albuquerque (45 anos) - voz, guitarra e samplers
José Ramos (32) - viola-baixo
Pedro Albuquerque (17) - bateria
Marco Moura (32) - guitarra
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