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Tara Perdida: "A melhor forma de homenagear o João era continuar"

Um ano após a Morte de João Ribas, os Tara Perdida editam ‘Luto’. As novas canções foram feitas a partir da dor e da revolta e contam já com o novo vocalista, Tiago Afonso. O guitarrista Rui Costa (Ruka) fala sobre a perda e a continuação do grupo.

28 de junho de 2015 às 17:41

No final do ano passado dizia que era o público que iria definir o futuro dos Tara Perdida. Como é que sentiram os fãs depois da morte do João Ribas?

Todos sentimos muito a morte do João, mas também sentimos logo que os fãs estavam connosco. A melhor forma de homenagear o João era continuar, também a bem da nossa sanidade mental. Curiosamente, acho que o regresso a estúdio acabou por funcionar para nós quase como uma sala de terapia.

E como é que foi a adaptação do novo vocalista, Tiago Afonso?

Bem, tenho de confessar que não foi fácil ouvir o Tiago a cantar as canções que foram gravadas com a voz do João. Mas a vida continua e o João não volta.

Porque é que a escolha recaiu sobre o Tiago?

Acho que o Tiago foi a melhor escolha que poderíamos ter tido. Ele enquadrava-se muito bem na linguagem dos Tara Perdida. O Tiago era dos Easyway, que são uma banda mais melódica, e claro que vinha com os seus vícios mas nós ajudámo-lo a cortar com eles [risos]. Lembro-me, por exemplo, de lhe ter dito para não se preocupar tanto com a afinação e mais com o cantar ‘lá de dentro’.

O João Ribas já conhecia o Tiago?

Sim, já éramos todos amigos. Uma coisa engraçada com o Tiago é que ele é uma pessoa com o cérebro limpo, que nem sequer bebe [risos]. E por isso decorou as coisas muito rápido. Para mim ele é neste momento o melhor vocalista em Portugal. Não posso dizer outra coisa.

Mas durante muito tempo muita gente pensou que era o Ruka que iria ocupar o lugar do João?

Eu canto neste disco o tema ‘Até Ao Fim’, só que quero o melhor para os Tara Perdida [risos]. Ainda houve amigos que queriam que eu fosse para vocalista do grupo, mas a verdade é que a minha voz não chega lá. Sou bom nos tons baixos, assim na onda de um Jorge Palma, mas mais do que isso já não dá. O que eu quero é sempre uns Tara Perdida em grande. Preferi alguém que cantasse bem e neste aspeto acho que fui honesto comigo próprio e com o grupo.

O que é que aprendeu com o João ao longo destes anos?

Aprendi a não me deslumbrar, aprendi o valor da amizade e a importância do pôr o coração naquilo que fazemos. Acho que o João sabia que era influente para os outros, mas não sabia o quanto. Se calhar é por isso que para muita gente é quase uma afronta continuarmos, mas é isto que queremos fazer. Para nós é um estilo de vida. Se queres que te diga, hoje até acho que a motivação é a dobrar. Quanto ao Ribas, ele há de ser o maior de todos até daqui a cem anos. Posso dizer que hoje continuamos a ser uma banda cheia de força. A revolta é positiva e tenho a certeza de que vamos arrasar por onde passarmos. Há um ciclo que se fecha e outro que se abre.

Decidiram intitular o novo disco de ‘Luto’. É difícil ultrapassar este período?

Sim. É muito difícil. Quando o João morreu eu fiquei desfeito, até porque acompanhei todo o seu percurso até ao final. Posso dizer que estive presente no último momento do João.

E em algum momento vos passou pela cabeça colocar um ponto final no grupo?

Não. A melhor maneira era mesmo continuar. É verdade que podíamos fazer outra banda, mas eu sinto que o João continua vivo enquanto os Tara Perdida também continuarem. Posso dizer que até ao momento em que o Ribas fechou os olhos eu nunca acreditei que ele ia morrer. Parece que estive a viver num outro mundo qualquer.

E estas novas canções foram mais difíceis de escrever do que era habitual?

Devo dizer-te que estas novas composições saíram de penálti, tal era a revolta. Estávamos a gravar uma música e de repente já estava a sair outra. Tudo o que se fez neste disco foi com amor e verdade.

Já lá vão muitos anos de estrada, 20 para ser mais preciso. Ainda se lembra do primeiro concerto dos Tara Perdida?

Então não! Até me lembro do que levávamos vestido. Recordo-me que o baixista tinha de parar o carro de cem em cem metros porque estava avariado [risos].

Mas foi muito difícil vingar no início?

Bom, o João Ribas já vinha dos Censurados e por isso havia muita gente atrás dele com curiosidade para ver como era a nova banda do Ribas. E começámos aí a nossa luta. Curiosamente, nunca tivemos de tocar as músicas dos Censurados, mas sempre tivemos a atenção de todos. Acima de tudo, os Tara Perdida foram uma banda que começou de uma enorme amizade entre todos.

Sempre permaneceram fiéis a uma estética. É esse o segredo?

Nós somos uma banda que se movimenta entre o underground e o mainstream. Continuamos a fazer um som audaz. Quem é que faz esta barulheira que nós fazemos? [risos]. A mim sempre me interessou mais a energia das pessoas e uma certa atitude. O Ribas, por exemplo, adorava provocar e criar controvérsias. Por isso chegámos a ser criticados em programas de televisão.

Mas uma banda punk em Portugal ter sobrevivido às mudanças de tendências num mercado tão pequeno é obra!

Nós fomos sobrevivendo porque sempre fomos fazendo por conquistar o público. Quando dizem que o mercado dá para todos, eu não concordo nada com isso. É preciso não esquecer quem nos ouve.

E como é que isso se faz?

Primeiro é preciso sempre passar uma boa mensagem e cantá-la. E depois é preciso que os músicos acreditem naquilo que fazem. Eu costumo dizer que sou um fã incondicional dos Tara Perdida. Mesmo quando estou em palco a tocar também sou um dos elementos do público que nos está a ouvir. E depois acho que temos sabido ter sempre à nossa volta pessoas que se entregam como nós.

Como acontece agora com o Tiago Afonso!

Sim. Não há grande segredo nisto. Nós somos apenas pessoas espontâneas que temos uma grande dinâmica e o Tiago veio ao encontro disso. Estes 20 anos deixam-me muito feliz e já me dou por contente com eles, mas sentir que as pessoas continuam com afinco é brutal. O Tiago, por exemplo, já nos surpreendeu muito pela positiva e isso libertou -nos bastante. Eu voltei a curtir a guitarra e a abanar a cabeça.

Mas o punk ainda faz sentido nos dias de correm?

O que faz sentido é fazer o que se gosta. Nós viemos da escola do punk, da velha guarda. Já somos da quarta ou da quinta geração e acho que todos nós ainda temos uma atitude muito punk, mas na verdade estou-me nas tintas para os outros. Sempre fomos amigos e nunca bajulámos ninguém.

Como vê agora o futuro dos Tara Perdida?

Todos nós sabemos que um dia virá o fim. Um dia sei que isto vai acabar, só não sabemos é quando. Mas devo dizer que estou muito feliz com tudo o que conseguimos. Fizemos os dois coliseus em nome próprio e tocámos em todos os festivais.

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