O músico brasileiro Pierre Aderne que em 2011 trocou o Rio por Lisboa tem novo disco 'Da Janela de Inês'.
Esta Inês tem existência de carne e osso ou é só fruto da imaginação?
Esta Inês é um sonho, até porque eu geralmente sonho acordado [risos].
É, portanto, um devaneio artístico do Pierre Aderne?
É uma espécie de sonho matinal. De cada vez que eu abro os olhos, a Inês está lá, entre o sonho e a realidade.
Diz que este disco nasce a partir de um romance inacabado. Como é que foi isso?
Nas muitas conversas informais que costumo ter com os meus amigos escritores, como Valter Hugo Mãe, José Eduardo Agualusa ou José Luís Peixoto, costumamos falar muito sobre a diferença de escrever romances ou escrever letras para canções. Numa dessas conversas surgiu a ideia de começar a escrever um romance, em prosa, e perceber como é que é esta coisa de encontrar um personagem, criá-lo a ele e um mundo para ele. Foi aí que apareceu a Inês.
Mas como é essa Inês?
É uma mulher portuguesa, de cabelos pretos, com poucos anos, que vive aos pés do Tejo e que tem um mundo extremamente confuso e solitário dentro do seu quarto. Só que tudo muda quando ela abre a janela que dá para o rio. E o que fiz foi escrever sobre essa mulher com todos os seus sonhos, medos, receios e planos.
E como é que esses textos em prosa acabaram em canções?
Quando comecei a publicar fragmentos daquela personagem no meu Facebook, o engraçado é que mesmo estando tudo aquilo escrito em prosa, sem aquela preocupação das rimas, a verdade é que eu só via música ali.
Ou seja, percebeu imediatamente que dali só podiam sair canções e não propriamente um romance?
Sim. É curioso porque em toda a minha vida, sempre que escrevi para mim ou para outros, foi dentro daquela estrutura clássica de canção. E agora tinha ali uma oportunidade para fugir disso. Um dos meus amigos e parceiros de música que mais gosto chama-se Léo Minax. É um mineiro que foi viver para Madrid há trinta anos e que eu agora desafiei para musicar as letras. Foi um processo muito interessante. Durante um ano e meio fizemos vinte músicas que corresponderiam a vinte dias da vida da Inês. Desses vinte, acabei depois por escolher onze. É a minha forma de contar em canções esse livro inacabado. E isto é o que eu queria, uma história de amor em que durante onze dias e onze noites eu pudesse falar da mesma mulher.
Mas há mais amigos da Inês neste disco?
Sim. Depois das canções prontas, decidi chamar os amigos que achei que podiam dar um maior colorido à casa da Inês, como o João Barradas no acordeão, o Miroca Paris na percussão, o António Quintino no contrabaixo, o Luís Guerreiro na guitarra portuguesa ou o David Joseph nas flautas. E o disco foi feito assim, montado como se fosse uma colcha de retalhos. Foi assim que fui construindo esta casa para a Inês. O engraçado é como tudo isto resultou no final, porque 70 por cento do disco eu canto como se fosse o narrador, contando a história da Inês, às vezes até na primeira pessoa.
Em março de 2016, o Pierre já procurava uma Inês para a capa deste disco, que supostamente apareceria de costas, nua, olhando para uma janela, em contraponto com a sua imagem olhando para a câmara. Mas este disco não tem nenhuma mulher nua!
[risos] Achei que era expor demais a minha personagem. Optámos antes por fazer uma curta-metragem com três Ineses, a Inês Lopes Gonçalves, a Inês Jacques e a Inês Paramês.
Não deixa de ser curioso que esta Inês da sua música tenha existência graças a um Pedro. Esta coisa do Pedro e Inês é bastante familiar aos portugueses. Em algum momento se inspirou nessa história de amor que marcou a história de Portugal?
Não posso dizer que me tenha inspirado nela, mas quando comecei a escrever de facto dei conta dessa história de amor.
Sente que esta sua vivência em Lisboa e em Portugal tem influenciado a sua forma de fazer música, de escrever e de compor?
Claro que sim, tem-me influenciado muito. Às vezes, os meus amigos perguntam-me o que é que me faz morar aqui em Lisboa e eu costumo brincar com eles. Uma vez digo que é a luz, outro dia digo que é o arroz caldoso do Solar dos Presuntos, outro dia digo que são as castanhas do outono ou o balanço do Tejo e outro dia digo que Portugal me prendeu com os socalcos do Douro. Há tempos disse a um desses meus amigos que na verdade tinha vindo para Lisboa para aprender a falar e a escrever em português [risos].
Como assim?
Acho que com o tempo fui descobrindo outra escrita, incorporando palavras que não usamos no português do Brasil. Fui incorporando isso e tentando torná-lo no mais orgânico e natural possível. Hoje já me vejo com uma escrita um pouco mais erudita do que a minha escrita das madrugadas do Rio de Janeiro.
Ou seja, mais do que a sua casa, Portugal é, neste momento, também uma fonte de inspiração?
Sim. É isso mesmo e este disco é um bom exemplo disso. Este disco é português porque esta Inês é portuguesa. A inspiração foi total e completa.
Quem o conhece sabe que a sua música está intimamente ligada à gastronomia e ao vinho. Quando compõe pensa nisso?
Não. A maioria das vezes quando componho é de manhã, quando as minhas janelas de inspiração estão todas abertas e geralmente o vinho ainda está lá [risos]. O vinho, especialmente o tinto, é muito poético. O vinho é o melhor amigo engarrafado. Há frases que surgem com o vinho, quando nós nos conseguimos distanciar mais da nossa vida.
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