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FILIPA VALE E AZEVEDO: TUDO SE RESUME A ACERTO DE CONTAS

Após 661 dias vividos pelo marido na prisão, Filipa Vale e Azevedo abriu as portas de sua casa, em Almoçageme, ao Correio da Manhã para expressar aquilo que lhe vai na alma.

08 de dezembro de 2002 às 00:00

Destroçada, mas não abatida, a nossa anfitriã garantiu que vai continuar a lutar pela absolvição do marido “com todas as forças”, ao mesmo tempo que nos relatou o seu dia-a-dia, os momentos díficeis que teve e tem de ultrapassar em defesa do seu marido e do apelido que ela própria e os seus filhos se orgulham de carregar, daí ter dado o rosto na apresentação do livro que Vale e Azevedo acaba de lançar no mercado.

Filipa continua a fazer a sua vida normal, mas os filhos mudaram de escola e já sentiram na pele a crueldade dos colegas. E como continua a acreditar na Justiça portuguesa, espera que esta tenha a coragem de assumir o “grave erro que cometeu ao condenar o meu marido”.

Correio da Manhã - Como viveu a detenção do seu marido? Foi algo inesperado para si ou estava preparada?

Filipa Vale e Azevedo - Foi dramático. Contudo, a detenção acabou por não ser uma completa surpresa.

- Pouco tempo depois do meu marido não ter sido reeleito presidente do Benfica já se falava nisso e a sua prisão era dada como um dado adquirido. Além disso, ele próprio foi avisado pouco tempo antes.

- O que se lembra desse dia?

- Lembro-me que estava a trabalhar no meu gabinete e que o meu marido tinha tido um almoço de negócios com uns parceiros estrangeiros. Um dos acompanhantes ao almoço veio ao meu gabinete avisar-me que, ao sair do restaurante, ele tinha sido detido na rua.

- E o que é que sentiu?

- Senti como que uma martelada no peito. Tentei manter-me calma.

- E os seus filhos?

- Falei de imediato com os meus filhos antes que a notícia lhes chegasse por outra via.

ALTERAÇÃO DE VIDA

- Os meses que se seguiram, com a prisão domiciliária, mudaram a sua vida?

- Claro. Foi necessário adaptar as nossas vidas a uma nova rotina. Reorganizar os procedimentos domésticos.

- Deixou de trabalhar?

- Não. Nunca deixei de ir trabalhar para o escritório [o mesmo do seu marido] todos os dias, até porque havia toda uma estrutura que tinha de continuar a funcionar.

TRISTEZA E INCOMPREENSÃO

- Foram certamente momentos difíceis de ultrapassar. Hoje como reage aos factos?

- Com muita tristeza e incompreensão, pela forma como a actual direcção do Benfica nunca quis falar com o meu marido.

- Não quiseram ou não houve condições para tal?

- Nunca quiseram fazer uma verdadeira passagem de testemunho como seria normal em qualquer situação semelhante. Tenho que reafirmar que o meu marido está inocente.

- Mas o seu marido é acusado de ter usufruído de dinheiro do clube?

- O meu marido nunca roubou um escudo ao Benfica, antes pelo contrário. Disponibilizou muito dinheiro para ajudar o clube e, no fundo, tudo isto se resume a uma questão de acerto de contas.

- Acerto de contas?

- Sim. E é esse acerto de contas que a actual direcção do Benfica nunca quis fazer.

- Não sei. Só eles poderão responder o porquê.

- Após a prisão do seu marido, as visitas de casa continuaram a ser as mesmas?

- É nestas ocasiões que descobrimos os verdadeiros amigos. Graças a Deus continuam a ser muitos e bons.

- Houve quem tivesse saído de "cena"?

- Sim. Mas aqueles que desapareceram seguramente não eram verdadeiros amigos e por isso também não nos fazem falta.

- Na prisão, quantas vezes visita o seu marido por semana?

- Temos direito a três visitas por semana. Mas porque o meu marido trabalha na biblioteca, tem direito a mais uma visita, aliás como todos os que prestam algum serviço dentro do estabelecimento.

POUCO TEMPO

- Qual o tempo de duração da visita?

- As visitas duram 45 minutos.

- Devia ser mais tempo?

- O tempo passa num instante. É infelizmente muito pouco.

- O que é que lhe procura transmitir durante as visitas?

- Que pode contar connosco agora e sempre. Confiamos nele e estaremos sempre do seu lado.

- É precisamente o que ele me transmite a mim que mais me impressiona. A sua força e determinação são o que me sustém nos momentos mais difíceis.

VIDA DIFERENTE

- No livro "A Armadilha", o seu marido diz que teve a possibilidade de "comprar" jogadores de equipas adversárias e árbitros. Ele comentava esses assuntos consigo?

- Sim, à época relatou-me alguns dos episódios que agora descreveu no livro. No entanto, como é sabido, foi assunto que nunca me interessou muito.

- Como é que os seus filhos reagiram e reagem ao ver o nome do pai constantemente envolvido em polémica?

- Com óbvia tristeza e mágoa. Para eles, é seguramente muito difícil aceitar toda esta situação, já que sempre viram no pai um grande amigo, um exemplo e uma fonte de segurança e estabilidade. Há algum tempo ouvi uma frase do dr. Daniel Sampaio que me impressionou – "A grande prova de fogo, o grande desafio de um pai, é passar incólume pela adolescência dos filhos".

CONSEQUÊNCIAS

- E que consequências podem surgir no futuro?

- As consequências de tudo isto só virão a ser conhecidas quando eles forem adultos.

- Aconteceu algum episódio mais grave com os seus filhos devido ao nome Vale e Azevedo?

- Já tiveram alguns episódios infelizes com outros jovens que utilizaram esta situação como ‘arma de arremesso’. Infelizmente, as pessoas podem ser muito cruéis.

- Existe um alargado grupo de pessoas que tem estado sempre ao lado do seu marido. Até que ponto isso é importante para ele e para a sua família?

- São pessoas extraordinárias, que no meio de tanta intoxicação e desinformação conseguiram sempre ver para além das mentiras e, com sinceridade, mantêm o seu apoio e amizade firmes. Tem sido muito gratificante para nós e estamos-lhes muito gratos.

- O que é que deixou de fazer após a prisão efectiva do seu marido?

- Não deixei de fazer nada em concreto. No entanto adaptei a minha vida a um horário e a uma rotina que tem sempre em mente os dias e as horas em que posso estar em contacto com o meu marido.

'QUEM COM FERROS MATA...'

- Acredita que se possa dar uma reviravolta e que a pena do seu marido venha a ser reduzida?

- Tenho esperança que a Justiça portuguesa tenha a coragem de assumir que cometeu um grave erro em relação ao meu marido e que tenha a coragem de confirmar a sua inocência.

- O desalento que sente é maior do que a confiança?

- Por vezes sim. Mas o meu marido não me deixa ir abaixo por muito tempo. É a sua força e atitude positiva que me dão alento.

- O que gostaria de dizer às pessoas que condenaram o seu marido na praça pública?

- Que parem para pensar. Que antes de apontarem o dedo acusador, pensem no que está realmente em causa. Dinheiro, um clube de futebol? Vale a pena destruir a vida de um ser humano por causa disto? Quem com ferro mata, com ferro morre, e um dia poderão ser eles a ser condenados na praça pública. Não penso que seja assim que nos tornaremos um País humano, civilizado, e verdadeiramente livre.

Filipa Vale e Azevedo é esposa do ex-presidente do Benfica, João Vale e Azevedo. Natural de Lisboa, onde nasceu em 1958, Filipa, por obrigações profissionais dos seus pais, foi viver para os Estados Unidos da América quanto tinha três anos de idade. Nos Estados Unidos cresceu e fez os seus estudos, concluindo com êxito o Curso Superior de Gestão.

Em 1980 (com 22 anos), regressa a Portugal, conhece, namora e casa com João Vale e Azevedo, de quem tem dois filhos.

Hoje, com 44 anos, é a gestora comercial quem comanda a casa, une a família e sai em defesa do seu marido.

Filipa Vale e Azevedo – irmã de Martim Cabral, o jornalista da SIC (já foi editor do internacional da estação) que foi assessor de Vale no Benfica – não é de colocar na praça pública os assuntos pessoais da família. Contudo, entendeu que é chegada a hora de dizer aquilo que lhe vai na alma. Depois de apresentar o livro de Vale, Filipa deu três entrevistas, uma delas ao CM. Agora diz que vai voltar a remeter-se ao silêncio.

A prisão de João Vale e Azevedo aconteceu a 16 de Fevereiro de 2001, quando o ex-presidente do Benfica foi detido pela Polícia Judiciária. Horas mais tarde, durante a madrugada, uma juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa determinou a prisão domiciliária, que Vale e Azevedo cumpriu durante 105 dias na sua casa, em Almoçageme.

A prisão foi justificada por alegados crimes de abuso de confiança e branqueamento de capitais. Mas um outro processo-crime levou Vale e Azevedo ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, onde foi ouvido a 28 de Junho, acabando acusado de alienação de terrenos do clube e da simulação de compra e venda de uma herdade no Seixal. Mais tarde, seguiu-se a prisão preventiva no Estabelecimento Prisional junto à Polícia Judiciária de Lisboa, local onde já cumpriu 556 dias dos 4 anos e meio de prisão a que foi condenado. Em Outubro último, Vale e Azevedo foi constituído arguido no “caso” Euroárea, que tem início marcado para Janeiro.

UMA CASA ENTRISTECIDA

Quando a porta da casa de João Vale e Azevedo se abriu para a reportagem do Correio da Manhã eram 14h30. Do outro lado da porta apresentou-se Filipa Vale e Azevedo, a esposa do ex-presidente do Benfica, que de imediato nos convidou a entrar tornando-se numa anfitriã de esmerada educação.

Depois dos cumprimentos habituais e do convite a um café, disponibilizou-se para a entrevista e para uma sessão de fotografias que hoje publicamos. Amargurada por toda a situação vivida, mas “nunca vencida”, Filipa Vale e Azevedo apenas nos pediu para respeitar os seus filhos num gesto louvável de mãe, pedido que respeitámos.

Com aparente naturalidade, a anfitriã mostrou-nos a sua casa onde reparámos na falta de alegria. O campo de futebol, onde Vale e Azevedo se divertia com os fihos, a piscina e outros locais de divertimento foram ignorados. “Já ali se viveram muitos momentos de alegria”, descortinámos junto da vizinhança. Mas hoje, não existem motivos para festas, aguardando-se com expectativa a libertação do seu patriarca.

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