'ELE BATIA-ME À FRENTE DOS NOSSOS FILHOS'

A ex-mulher de José Maria Tallon conta, pela primeira vez e na primeira pessoa, o drama de 13 anos vividos ao lado do ‘médico dos gordos’. Um depoimento impressionante, um dia antes do lançamento do seu livro, “Ferida de Amor”.

27 de setembro de 2002 às 15:28
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A Catarina esteve casada treze anos. Quantas vezes o seu marido lhe bateu?

Catarina Tallon (CT): Muitas. Nem sei quantas... Dezenas.

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Com que grau de violência?

CT: Grande. Ao contrário do que as pessoas pensam ou possam pensar, não eram bofetadas e encontrões. Ninguém denuncia o homem que ama, o pai dos seus filhos, de ânimo leve. Era um bater violento. Verdadeiras tareias. Fui espancada.

Consegue quantificar o número de tareias?

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CT: Trinta, quarenta. Ou mais. Não sei bem. Nem gostava de falar disso. Afinal ele é o pai dos meus filhos, o homem que eu amei e que tinha escolhido para viver comigo até final da minha vida.

Quando começou esse terror? Lembra-se da primeira vez que ele lhe bateu?

CT: Três meses depois de começar o namoro com ele. À porta do cinema Londres. Umas bofetadas. Nunca me esquecerei.

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Porque não deu, logo ali, tudo por terminado? Havia pouco tempo de vida em comum...

CT: Por amor. Era a pessoa de quem eu gostava. E o coração e a razão raramente estão em sintonia. Era a pessoa que queria ao pé de mim. Gostava muito dele... Claro que naquela altura me separei dele, não o quis ver durante alguns dias... Mas depois voltámos. Aliás, voltava sempre. Porque ele pedia desculpa, implorava que o perdoasse, dizia sempre que não voltaria a acontecer, emocionava-se e até chorava. Eu acabava por ter pena dele. E acreditei sempre que ele iria mudar, que aquela era a última vez.

Qual o motivo que o levou a bater-lhe nessa primeira vez?

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CT: Ele irritou-se. Lembro-me que tínhamos saído do cinema e que eu queria ir ter com o meu grupo de amigos, de velhos amigos com quem costumava reunir-me e no qual gostava que ele se integrasse porque mal o conheciam. Ele achou que eu não devia ir, nem com ele nem sozinha, e irritou-se ao ponto de me bater.

Quais eram as razões que ele lhe evocava para agir desse forma?

CT: Que era o ’stress’, o facto de estar longe da família, do seu País, de não conhecer ninguém aqui, de eu ser o seu único suporte. Dizia-me sempre que iria mudar, que me amava, que me adorava, que era apenas excesso de trabalho e o facto de lidar com pessoas com muitos problemas.

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Bateu-lhe sempre com a mão ou usou objectos?

CT: Objectos não. Começou com a mão aberta, depois passou a ser sempre com a mão fechada e com os pés. Aos pontapés.

Alguma vez a violência foi de tal ordem que pensou que ia morrer?

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CT: Sim, ainda que involuntariamente. Muitas vezes tive medo de um dia bater com a cabeça em algo em que não devia bater. Que iria estar um dia no sítio errado à hora errada.

Existia alguma frequência nessa violência?

CT: Havia ciclos. Alguns muito maus. Piorava quase sempre no Inverno. Mas havia períodos bons. Também passei muitos bons momentos com ele, momentos muito felizes. É bom que se saiba. Era muito imprevisível. Não era diário. Chegou a estar meses sem me bater.

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Lembra-se de um período longo em que não tivesse existido violência? De quanto tempo?

CT: Dois, quatro meses. Talvez mais.

Ia tratar-se ao hospital público ou privado?

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CT: Na maioria das vezes ao privado, ao Hospital Inglês. Mas também fiz tratamentos no Piquete da Judiciária, que era ali na Gomes Freire, e no Hospital de Santa Maria. Éramos pessoas conhecidas e tinha vergonha de me verem naquele estado. O que mais me custava era quando me pediam se podia identificar o agressor e lhes dizia o nome do meu marido. Custava muito proferir aquele nome.

Alguma vez ficou internada?

CT: Geralmente vinha para casa. Afinal tinha em casa um médico e eles sabiam disso.

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OS FILHOS

Houve um aumento de violência para que você tivesse dito basta de uma vez por todas?

CT: Sim. Nesta fase final, antes do divórcio. As datas estão no meu livro. Foram aquelas três tareias antes de eu ir à Polícia Judiciária. A 22 de Dezembro do ano passado, antes do Natal, e a 18 e a 28 de Janeiro deste ano.

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Foi o grau de violência ou algo mais que a levou a fazer a denúncia?

CT: A violência era sempre a mesma. Foram vários motivos. Porque tudo tem um limite, porque gostar não é consentir, porque estava exausta, porque tinha descido ao inferno. Porque não queria pôr em risco a sanidade mental, presente e futura, dos meus filhos, ao serem espectadores cada vez mais assíduos. Podiam sofrer lesões psíquicas, as mais difíceis de quantificar e recuperar, que ninguém sabe como se podem reflectir na sua vivência futura. Há danos irreversíveis, que o tempo não apaga, que nada pode apagar. Como mãe não podia pactuar que continuassem a viver naquele ambiente doente.

Os seus filhos viram o pai bater na mãe?

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Quando é que eles se começaram a aperceber?

CT: Acho que sempre se aperceberam. Mas sobretudo a partir de Setembro do ano passado.

Qual era a reacção das crianças? Pediam para o pai parar?

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CT: Sim. Ainda que o pai os inibisse, afinal eram três crianças indefesas. Sobretudo o mais velho, o Eduardo, que já entendia, tem dez anos. Agarravam--se às pernas do pai e pediam para que parasse, que acabassem os gritos. A Beatriz, que tem cinco, achava – e acha –que ainda vai ficar tudo bem, gosta muito do pai. O mais pequeno, o Rafael, de três anos, só chorava.

O pai alguma vez lhes bateu a eles?

E era agressivo?

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CT: Tinha dias. Mas é um bom pai. Gosta muito dos filhos. Embora tenha grandes oscilações de humor. Tanto está calmo como a gritar.

Isso reflectiu-se na aprendizagem de algum deles?

CT: Uma vez fomos chamados ao colégio para a escola nos dizer que tinham conhecimento do problema, do que se passava lá em casa, porque as crianças estavam a ter comportamentos muito agressivos, tinham problemas de concentração, choravam bastante, não comiam, e contavam o que os levava a estar assim. Disseram-nos que o colégio já não podia fazer mais nada e que o acompanhamento pedopsiquiátrico era urgente. Foi aí que me apercebi da gravidade da situação pela qual as crianças estavam a passar. Mas com a ajuda dos professores e de um conjunto de outras pessoas foram superando as crises.

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O pai foi chamado à atenção?

CT: Nessa reunião, apesar de eles não terem sido muito directos, acho que percebeu que toda a gente sabia o que se passava.

Conta no livro que é pelos filhos que decide ir denunciar o seu marido à Judiciária, depois do mais velho lhe dizer que tinha medo que o pai a matasse sem que ele a pudesse defender...

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CT: Sim, foi nesse minuto que jurei a mim própria que da próxima vez que ele me batesse, eu sairia do Hospital Inglês directamente para a Judiciária. Foi o que fiz.

Não foi a primeira queixa? Aliás, já disse que chegou a ser tratada no Piquete da Judiciária...

CT: Não. Apresentei queixas em 93 e 94 e fui lá tratada, no Centro de Saúde. Era ao fundo de uma rampa. Mas retirei essas queixas.

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Porquê?

CT: Porque tinha, entretanto, voltado para ele e tinha um filho dele, o Eduardo. Só lá voltei este ano.

Falemos dessa sua primeira gravidez, do Eduardo. Estiveram separados nessa altura e vieram a público as vossas primeiras divergências... Ele não desejou o filho?

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Sim. Foi uma gravidez planeada. Estávamos a viver juntos há já dois anos. Passámos a viver juntos três meses depois de começarmos a namorar, em 90. A verdade é que ele primeiro quis e depois já não queria.

Pediu-lhe para abortar?

CT: Sim. Dizia que eu tinha um quisto.

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Foi nessa altura que ele colocou em causa a paternidade desse filho?

CT: Insinuou. Disse que se o filho fosse dele assumia a paternidade. Isso magoou-me muito. Apesar de estar calma e serena, de consciência tranquila. E depois separámo-nos.

Por causa dessas dúvidas ou porque houve violência? Foi agredida?

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CT: Houve violência. Foi público. Veio nos jornais. Por isso é que me separei. Estava grávida de três meses. Fui viver para casa do meu pai até final da gravidez.

E das outras duas vezes em que ficou grávida, voltou a bater-lhe? Alguma vez colocou em risco a gravidez?

CT: Não quero falar disso. Acho que lendo o livro as pessoas percebem.

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A minha dúvida mantém-se. Porque voltou sempre para ele?

CT: Acreditava sempre que ele podia mudar. Era como se a esperança me alimentasse e me desse força, pelo menos até à próxima vez. Achei que lhe podia dar uma oportunidade, pelo filho, para formarmos uma família, uma ideia na qual sempre fui educada pelos jesuítas. Acabei por lhe perdoar e voltar para casa ao fim de seis meses.

O seu pai não reagiu?

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CT: Não. O meu pai nunca aceitara bem a relação, até porque ele era casado e já tinha filhos. A primeira vez que ambos falaram foi no dia do nascimento do Eduardo. Quase três anos depois de vivermos juntos. A 29 de Setembro de 92.

O seu pai sabia da violência?

CT: Penso que o meu pai só tomou consciência da realidade naquele último dia, a 28 de Janeiro, quando me viu espancada na maca do Hospital de Santa Maria, com as pernas todas negras. Até ali penso que achava que era só um empurrão, um encontrão. Eu também nunca falava. Não o queria magoar. Ele tinha sido pai e mãe para mim e para o meu irmão, já que os meus pais se separaram quando eu tinha apenas dois anos e o meu irmão era um bebé de meses. Ficámos a viver com ele. Deu--nos uma educação jesuíta, deu-nos tudo, e isso não caberia na sua cabeça, nos seus valores. E também não o queria magoar.

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E o seu irmão, sabia?

CT: Ao meu irmão eu contava. Ele sempre se deu mal com o Zé Maria.

E não a instigava a deixá-lo?

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CT: Sim, claro que sim. Ele e toda a gente. Mas o que podiam eles fazer? A decisão tinha de ser minha.

Além daqueles seis meses da primeira gravidez, houve algum outro período em que estivesse separada dele?

CT: Sim. Em 93. Estive na minha casa da Quinta do Lambert.

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E enquanto viveram juntos, estiveram alguma vez separados dentro da mesma casa?

CT: Fomos um casal normal.

Além da violência física, havia violência verbal?

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CT: Sim. Muita. Insultos. Enxovalhava-me. Dizia que eu não sabia fazer nada, que não prestava para nada, que era uma ‘cabra’, uma ‘porca’, uma ‘puta’. ‘Asquerosa’. Que era ‘má’. Sempre me fez sentir culpada, ainda hoje me culpa do divórcio.

Por vezes existe além da violência física e psíquica, violência sexual. Ele alguma vez a violentou sexualmente?

E alguma vez lhe bateu enquanto tinham relações sexuais?

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OS OUTROS

Além dos filhos, ele batia-lhe à frente de outras pessoas?

Desde quando?

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CT: Sobretudo nos últimos dois anos. Acho que ele entrou em desequilíbrio, começou a perder a cabeça, a ficar pior, de há dois anos para cá. Com a idade isto piora, não melhora. Apesar de acharmos sempre que vai melhorar, que vão ficar calmos e pacatos. Mas ele piorou substancialmente.

Houve violência em frente a estranhos ou só a amigos?

CT: Houve. Mais do que uma vez. Normalmente em casa, quando tínhamos visitas.

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Como é que essas pessoas reagiam? Interferiam?

CT: Diziam que não podia ser. Ficavam horrorizadas.

Alguma vez ameaçaram denunciá-lo?

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CT: Não. Sabe que se leva muito à letra aquele ditado ‘entre marido e mulher ninguém meta a colher’. O facto de sermos figuras públicas também fazia travar um bocado as pessoas. Diziam apenas para me ir embora, para o deixar, que se ele fizesse um coisa daquelas a uma filha deles que o partiam todo. Davam-me imensa força.

Dizia a verdade quando ia tratar-se aos hospitais? E aos seus amigos?

CT: Nunca menti a nenhum médico que me observou. Nem na Judiciária, nem no Hospital Inglês, nem a todos aquele a quem pedi relatórios, nem no Hospital de Santa Maria. Aos meus amigos escondi muito. Dizia que tinha caído na escada, escorregado na banheira, batido com o carro, que o telefone me tinha caído em cima, que tinha escorregado na venda de pinheiros de Natal na Avenida de Roma e por isso estava toda arranhada. Enfim...

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Como é que ia para o hospital?

CT: Normalmente chamava amigos. Nem conseguia conduzir.

Moravam no mesmo prédio da clínica. As pessoas que trabalhavam para si e para ele sabiam?

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CT: Sabiam. Embora agora, infelizmente, como são assalariadas dele, digam que não sabiam de nada, que não viram nada e afirmem que pensam que é mentira.

E os vizinhos?

CT: Também sabiam. Diziam que ele era um monstro, que aquilo tinha de acabar. Nunca interferiram, mas estavam sempre disponíveis para me receberem em casa deles, para me apoiarem e para dizerem, onde fosse preciso, que a eles ele nunca teria ‘a lata’ de os desmentir, de lhes dizer, olhos nos olhos, que nunca me tinha batido.

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Chegou a ir para casa dos vizinhos depois da tareias?

CT: Cheguei. Mais do que uma vez. Houve tantas! E chegaram a passar-me comida pela janela, pela floreira do meu quarto, quando ele me trancava. Um prato, pelo parapeito.

Ele trancava-a no quarto?

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CT: Sim. Várias horas. Às vezes mais do que isso. Dois, três dias. Até quatro.

E os seus filhos? As empregadas?

CT: Os miúdos estavam na escola. Ele deixava-me sair para os ver e depois voltava a fechar-me. As empregadas o que é que podiam fazer?

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Quem são as suas testemunhas no processo?

CT: Não posso dizer. É segredo de justiça. Muita gente.

E que provas apresentou?

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CT: Também não posso dizer.

Guarda alguma imagem dessa violência?

CT: Há coisas que a memória fotográfica nunca vai esquecer. Mas eu quero recordar só as coisas boas e guardar as más para sempre, arrumá-las. Recordá-lo pelo amor que sentimos, as viagens que fizemos, as confidências que trocámos.

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Lembra-se de como reagia quando ele se tornava violento?

CT: Lembro. Enrolava-me em caracol, ficava assim no chão, era uma forma de defesa.

E nunca reagiu?

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CT: Não. O máximo que fiz foi agarrar-lhe na camisa e pedir-lhe para parar. De resto era impossível. Eu tenho um metro e cinquenta. Ele tem um metro e oitenta. E uma pessoa irritada e alterada transforma-se, fica ainda mais alta, mais inchada, com mais força. Aquela pessoa que estava ali, naquele momento, não era a pessoa que eu conhecia. O medo era tão grande que ficava completamente anulada. Na fase final remetia-me ao silêncio, falava só comigo própria. Não vivi. Perdi a alegria de viver que sempre fôra uma das minhas características. Não tinha ânimo, não tinha vontade de sair. Passava os dias em casa, dormia demasiado. Ou melhor, refugiava-me demasiado no quarto. Já não ligava ao que ele me dizia. Estar a falar comigo ou com uma parede era a mesma coisa. São muitos anos de uma luta interior connosco próprias. É muito complicado.

Olhava-se ao espelho depois dele lhe bater?

CT: Sim. Odiava ver-me ao espelho. Não acreditava que aquela era eu. Sempre me achei muito forte, intransigente e exigente até comigo mesmo, e achava impossível que tivesse permitido aquilo.

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Ficava desfigurada?

As pessoas viam-na assim?

CT: Na rua não, porque quando estava toda negra ficava em casa. Mas os mais próximos viam-me. Cheguei a ir para casa deles refugiar-me.

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Pediu-lhe para ir a médicos, tentar tratar do problema?

CT: Pedi. Muitas vezes. Quis fazer terapia de família, iria com ele. Não me importava de o acompanhar, para ele se sentir melhor. Dizia-lhe que ele precisava de ajuda. Mas ele dizia, como ainda hoje diz, que a louca era eu, a desequilibrada sou eu.

Acha que ele é doente?

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CT: Quem sou eu para julgar ou analisar quando há especialistas que podem avaliar bem este tipo de comportamentos. Não vou emitir opinião até porque o caso ainda está em processo de investigação. E não quero que digam que estou a tentar influenciar a magistratura.

Por que é que ele negou sempre e continua a negar que lhe bateu?

CT: Terá de lhe perguntar a ele. Mas isso também me magoou muito. Sempre disse a verdade, estou a falar a verdade.

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Acha que o processo do Ministério Público vai chegar mesmo aos tribunais? Acredita que ele pode ser condenado?

CT: Não sei. Acredito no Estado de Direito. Na Justiça portuguesa. Quem decidirá será um órgão de soberania, neste caso os tribunais, que sempre me habituei a respeitar e a acatar a suas decisões. Até porque felizmente a corrupção ainda não chegou a essas figuras sérias e impolutas que são os senhores juízes.

PETEXTOS

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Porque é que ele lhe batia?

CT: Não sei. Existem técnicos, psiquiatras, especialistas que lhe podem responder melhor do que eu.

Mas vê algum motivo para ele agir assim? Álcool, droga, ciúmes?

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CT: Álcool e droga, não. Ele não bebe, nem fuma. Não sei se lhe hei-de chamar insegurança, desequilíbrio, baixa de auto-estima, ou tentativa de dominar o outro pela força. Acho que era um pouco de tudo isso, mas há médicos que podem explicar melhor. Os psiquiatras da APAV [Associação Portuguesa de Apoio à Vítima] passam a vida a lidar com estas situações, está tudo estudado.

E ciúmes? Ele mostrava-se desconfortável com alguma situação, com visitas, saídas...?

CT: Havia alturas em que implicava com tudo. Com os meus amigos, homens e mulheres, com a comida, porque tinha sal e coentros, com tudo. Queria-me só para ele. Uma vez disse-me que seria o homem mais feliz do mundo se entrasse e saísse de casa e eu estivesse sempre à espera dele, não trabalhasse nem nada. Mas eu sempre trabalhei, sempre tive amigos.

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Ele insinuou, na petição de divórcio, que você tinha amantes?

CT: Nada justifica uma agressão, nem este nível de violência. Esteve treze anos comigo, nunca falou de amantes, só agora é que o veio fazer. Só depois de se tornar público que me agredia. Depois das minhas queixas. Parece-me estranho. Mas é normal numa petição de divórcio. Em quase todas as petições de divórcio os homens alegam que as mulheres tiveram amantes. Quando uma pessoa não tem nada que se lhe aponte, fica bem, numa sociedade machista como a nossa, dizer que a mulher tem amantes.

E teve amantes?

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CT: Penso que não é sequer uma pergunta digna quando se fala de um assunto sério como o da violência doméstica.

E ele, teve amantes?

CT: Não quero entrar por aí.

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Agora tem uma nova namorada, tem-se deixado fotografar com ela... Tem conhecimento?

CT: Sim. Mas não me interessa nada. Ele é livre. Tomei a decisão de estar mais recatada, de me dedicar aos meus filhos, à minha casa, de não me expor. Bastaram aqueles seis meses em que estávamos em todas as capas de revistas e nas manchetes dos jornais. Há um valor que sempre me incutiram: o respeito pelos outros. E então desde que sou mãe o respeito pelos meus filhos é sagrado.

Lidou bem com essa exposição mediática?

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CT: Acho que me habituei. Foram momentos de grande tensão, mas percebi que depois de nos termos exposto quando vivíamos juntos para bem da clínica, era normal que o jornais pegassem no caso. Pena é que muitos tivessem publicado coisas sem saber o que se estava a passar, sem o mínimo fundamento. Só com intuitos comerciais. Tratando um assunto sério, onde há três crianças envolvidas, sem a mínima dignidade, como se estivessem a tratar de um arraial de St. António. Isso é que foi lamentável.

Está a falar do “caso Miguel”, o cantor que apareceu a dizer que tinha sido seu amante?

CT: Esse assunto vai ser julgado nas instâncias próprias. A verdade virá, como o azeite, ao cimo. Será julgado no Tribunal e não na praça pública.

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DIVÓRCIO

Disse-lhe alguma vez que se queria divorciar?

CT: Sim. Disse-lhe muitas vezes que me ia embora. Disse-lhe várias vezes que queria divorciar-me. Dizia-lhe que aquilo não era vida para mim nem para os meus filhos. Que mais valia ele estar numa casa e eu noutra. Que seríamos mais felizes.

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Como é que ele reagia?

CT: Dizia que me tirava os filhos, que eu ia ser uma infeliz, que nunca mais veria os miúdos, que ia com eles para a América do Sul.

Ameaçava-a também fisicamente?

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CT: Sim. Até me ameaçou de morte. Dizia que me matava quando estava mais transtornado, mais irritado. Em momentos de grande tensão.

Pensou que isso podia acontecer num momento extremo?

CT: Às vezes. Pensei que podia morrer ali e que ele a seguir se mataria ou iria preso. E que os meus filhos ficavam sem pai e sem mãe. Por isso tentava conter-me.

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Alguma vez pensou em suicidar-se?

CT: Não. Nunca. Não está de acordo com a minha educação religiosa.

Acabou por ser ele a avançar com o divórcio...

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CT: Sim. Mas fui eu que dei todos os passos para o levar a pedir o divórcio. Fui à Judiciária queixar-me dele sabendo que, enquanto figura pública e ferido no orgulho, não poderia continuar a viver com quem o tinha denunciado. Mas se eu não tivesse feito queixa, ele nunca teria pedido o divórcio. Não quis ser eu a fazê-lo, porque não queria que um dia os meus filhos o ouvissem dizer que tinha sido eu a querer separar-me, por qualquer razão que não era verdadeira.

E agora, como tem sido a vossa relação?

CT: Ele é o pai dos meus filhos.

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Desde quando estão separados?

CT: Depois da última tareia, a 28 de Janeiro.

E quando ficou consumado o divórcio?

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Durante esse tempo viveram ainda na mesma casa, o que parece estranho...

CT: Foi a conselho da advogada. Mas a casa tem dois andares, três, com o terraço. Ele estava muitas vezes fora, no Porto. Quase não nos cruzávamos. Só fui para a minha nova casa no final de Agosto.

Registou-se alguma cena de violência?

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CT: Não. A Polícia disse-me que o facto de o ter denunciado o passou a inibir.

Houve um entendimento fácil no divórcio?

CT: Chegámos ao equilíbrio possível. Queríamos o problema resolvido rápido. Tínhamos casado com separação de bens.

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E os filhos?

CT: Custódia compartida. Uma semana com cada um.

As crianças aceitam esse vaivém?

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CT: Temos que os ajudar. São as únicas que não podem ser moeda de troca nestas ‘guerras’. Ele é o pai dos meus filhos e poderá vê-los sempre que quiser. Sempre que eles quiserem ir ver o pai eu irei levá-los. Quero que tenham o pai como uma pessoa que gosta deles, uma pessoa boa, uma pessoa amiga. Dentro do possível, penso que têm reagido bem. Mesmo que não quisessem ir para casa do pai, incentivá-los-ia sempre a visitá-lo.

VIDA EM COMUM

Como é que se conheceram?

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CT: Eu era jornalista. Tinha feito o 12o ano de escolaridade e trabalhava para as revistas do meu pai. Estava a fazer um trabalho para a “Homem Magazine” sobre médicos prodigiosos, e soube de uma fotógrafa que trabalhava para nós e que tinha emagrecido muito à conta de um médico. Ela andava muito contente e eu resolvi incluí-lo no grupo. Fui fazer-lhe uma entrevista e a partir daí começámos a andar juntos.

Ele já era então um médico conhecido na altura?

CT: Não. Dava consultas na Rua de Santa Marta, em Lisboa.

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E era casado?

CT: Sim, mas já estava em processo de separação, ainda que vivessem todos na mesma casa.

Havia filhos?

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CT: Dois, pequenos. Três e quatro anos. Ficaram a viver comigo naquela primeira fase, quando a mulher dele foi para Espanha. Gostam muito de mim e eu deles. É como se também fossem meus filhos. Tirei-lhes as fraldas. Eram crianças muito maleáveis e eu gosto muito delas.

Que idade tinha ele?

E você?

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CT: 18. Ele era 14 anos mais velho. Mas eu sempre gostei de homens mais velhos.

Os seus pais separaram-se era você muita nova. Lembra-se de discussões, de violência entre eles?

O que viu nele?

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CT: Ele é sedutor, simpático, afável e carinhoso quando quer. Gostava muito dele. Ele queria uma pessoa que ficasse ao pé dele, que o acompanhasse.

Já estava em marcha a famosa clínica Tallon?

CT: É por essa altura que nasce. Conheci-o em 9o, a clínica arrancou em pleno já em meados desse ano.

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Qual é o seu papel?

CT: Comecei a fazer prospecção de mercado, andei à procura de locais para abrir consultórios, começámos a ver quais eram as melhores instalações.

Mas já se falava no nome dele? Já aparecia nas revistas?

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CT: Muito pouco. Quando o conheci tinha um médico a trabalhar para ele. Depois chegámos a ter 17.

Mas sempre se disse que a Catarina dera “o golpe do baú” com o seu casamento...

CT: Só se foi o do ‘baú vazio’. Quando o conheci ele vivia numa casa alugada, não tinha um tostão. Amei-o incondicionalmente. Eu já tinha carro e casa própria. 99% do dinheiro que o José Maria tem foi ganho comigo. Eu sempre apareci nas revistas sociais, já que como vivi sem a minha mãe, era eu quem acompanhava o meu pai, uma pessoa conhecida, da família Fortunato de Almeida, uma família de grande credibilidade, de valores. Quando eu tinha cinco anos, o meu pai, um homem de muita luta, já tinha Jaguar à porta e era um empresário de sucesso na área da Comunicação Social. Eu já fora recebida pelo Papa. Conhecia os reis de Espanha, do país dele... Acompanhava o meu pai nas visitas que vários reis nos faziam. Aliás, esses meus conhecimentos foram importantes para o crescimento, para a divulgação da clínica junto de pessoas dispostas e com possibilidade de pagar os tratamentos. Fi-lo de forma consciente. Foi por isso que também abri muitas vezes as portas da minha casa, expus a minha privacidade, os meus filhos. Sabia que essa era a melhor publicidade, o melhor marketing. Foi uma forma inteligente de divulgação. Que ninguém pense que era por vaidade ou necessidade de aparecer.

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Que tarefas desempenhava nos negócios da

clínica?

CT: Tomava conta de tudo, ordenados, fornecedores, pagamentos mensais, encomendas. Chegava a ter o meu trabalho nas revistas do meu pai e depois trabalhar até às quatro da manhã em casa.

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E agora, como é que vão os negócios da clínica?

CT: Não sei. A clínica é que como se fosse um filho meu e quero que ele tenha êxito, que não destrua aquilo que eu ajudei a construir.

Era empregada dele? Dependia dele financeiramente?

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CT: Não. Nunca quis ser. Nunca tirei um ordenado dali. Sempre tive bens próprios e era paga pelas revistas onde trabalhava.

A primeira separação, pública, a de 92, afectou os negócios?

CT: Acho que não. É difícil dizer. Éramos já figuras públicas.

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Foi essa também uma razão para não revelar mais cedo o que passava?

Pelo meio surgiram queixas contra ele, e os seus medicamentos, na Ordem. Foi outro período complicado?

CT: Sim, a clínica ficou um pouco mal vista na classe e eu preocupei-me muito com a imagem da clínica. Apoiei-o, estive sempre ao seu lado e procurei dar cá para fora a imagem de uma família feliz.

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Financeiramente ele colocava-lhe problemas?

CT: Não. Nunca. Sempre tive todo o dinheiro que quis. Aliás, era eu quem geria as contas, quem passava os cheques. Mas nunca fui uma pessoa muito gastadora, nunca me viram conduzir grandes carros, ter grandes bens materiais. Fui educada a não exibir o dinheiro que se tinha, a não dar valor a coisas materiais, apesar de sempre ter vivido sem problemas financeiros.

O seu ex-marido gostava de aparecer com carros, casas. Nunca houve discussões por causa dessas compras, de dinheiro?

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CT: Em relação às compras, não. Aliás, ele nunca comprava nada sem pedir a minha opinião. De casa não saía dinheiro nenhum sem falar comigo.

Ele ter-se-á sentido mal em relação à sua projecção social, à sua juventude?

CT: Não lidava bem com isso. Sempre sentiu que eu era uma pessoa de liderança. Foi talvez o que lhe custou mais. As pessoas sempre me respeitaram mais a mim que ele. Nunca o levavam muito a sério. Acho que ele se sentia esmagado pela minha personalidade. Eu sentia-o dependente de mim. Mas isso também era gratificante. Acho que lhe perdoei coisas que só uma mãe pode perdoar a um filho. Acho que o via assim, como um filho.

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Tratar-se-á de uma amor doentio?

CT: Terá de perguntar isso a um médico. Mas o amor e a razão nunca andam de mãos dadas. Não escolhemos de quem gostamos.

O que sente por ele actualmente?

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CT: Não o amo nem o odeio. Desejo-lhe as

maiores felicidades possíveis. Que encontre o seu caminho, nunca esquecendo valores fundamentais como a humildade, o respeito e a verdade.

É capaz de voltar a amar?

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CT: Não sei. Duvido. O meu grau de exigência é muito maior. Já amei, já fui magoada. Fracassei.

Seria capaz, por amor, de voltar a submeter-se outra vez a este tipo de situação?

CT: Não. Nunca mais. Não vou consentir que mais ninguém me bata.

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