O autor do livro do filme de Snowden

Luke Harding nunca falou com o consultor da NSA que revelou a vigilância global às comunicações, mas vê-o como um herói

25 de setembro de 2016 às 15:00
23-09-2016_12_10_33 12693025.jpg Foto: Sérgio Lemos
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Se Luke Harding tivesse Edward Snowden à sua frente no hotel lisboeta em que ficou hospedado na semana passada, acompanhando a estreia de ‘Snowden’, filme de Oliver Stone, já em exibição em Portugal, que conta a história do homem que revelou como as comunicações são gravadas e armazenadas pelos EUA e seus aliados, gostaria de lhe oferecer um copo.

"Ele não aprecia álcool, mas adoraria beber um copo com ele, ou um café, e dizer-lhe que tem imenso apoio. Muita gente à volta do Mundo está grata pelo que fez", disse o britânico de 48 anos, jornalista do diário ‘The Guardian’, que escreveu ‘Os Ficheiros Snowden’ (Porto Editora), um dos dois livros adaptados pelos argumentistas do filme em que Joseph Gordon-Levitt faz de Edward Snowden.

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Se o contratado pela agência secreta norte-americana NSA pudesse comparecer no hotel – em vez de estar retido em Moscovo há três anos –, seria o primeiro encontro entre os dois. O autor de ‘Os Ficheiros Snowden’ não chegou a entrevistá-lo por um motivo muito simples. "Fui expulso da Rússia há cinco anos. Não posso ir a Moscovo porque o regime me detesta, e Snowden não pode sair de Moscovo. Não foi por falta de curiosidade que não fui visitá-lo", garante quem foi correspondente do ‘The Guardian’ até escrever o livro ‘Mafia State’, a denunciar os métodos do regime de Putin.

A ausência de contacto direto foi notada em algumas críticas do livro, nomeadamente por Glenn Greenwald, então colaborador do ‘The Guardian’, que em maio de 2013 entrevistou Edward Snowden num quarto de hotel de Hong Kong, acompanhado pela realizadora de documentários Laura Poitras e pelo jornalista escocês Ewen MacAskill. "Cabe ao leitor avaliar, mas o livro já teve 30 edições internacionais e foi transformado num filme de Hollywood", contrapõe Luke Harding, que integrou "uma pequena equipa que consultou todos os documentos que Snowden revelou", comprovando que com ele estava a verdade. Comunicações telefónicas e por texto são intercetadas e empresas como a Google, Facebook e Apple colaboram com as autoridades na violação de privacidade dos seus utilizadores.

DIFERENTE DE ASSANGE

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Também claras são as diferenças que encontra entre Snowden e Julian Assange. Luke Harding entrevistou o australiano que fundou o Wikileaks, escrevendo o livro ‘O Segredo Wikileaks – O Que é e Como foi Possível’, que em 2013 deu origem ao filme ‘O Quinto Poder’. "No temperamento são muito diferentes. Edward Snowden não gosta de publicidade. O Julian acredita que toda a informação deve ser tornada pública, enquanto Snowden tem uma visão mais conservadora. Ironicamente, acha que continua a trabalhar para a América. É um idealista e não um ciberanarquista."

LONGE DA RODAGEM

Oliver Stone, que escreveu o argumento (em colaboração com Kieran Fitzgerald) e realizou ‘Snowden’, esteve longe de ser o único interessado. O seu currículo de "dramas contemporâneos sobre grandes acontecimentos políticos" foi decisivo para a escolha do cineasta de 70 anos.

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Sem qualquer envolvimento no filme, pois estava a fazer reportagem de combates em Donetsk e outras cidades da Ucrânia quando Oliver Stone visitou a redação do ‘The Guardian’, Harding diz estar feliz com um filme que se baseia no que escreveu para cenas passadas em Hong Kong e para a cena inicial. "Tentei escrever um ‘Os Homens do Presidente’ para o século XXI. Com o entusiasmo de um jornalista perante a maior notícia de sempre. Não houve encontros com fontes em parques de estacionamento, mas tive de interpretar grandes quantidades de dados para os leitores", diz.

Tem agora a esperança de que o filme ajude a "humanizar Snowden" e aumente as hipóteses de ele vir a ser perdoado. Apesar de haver "pessoas que o querem ver preso por mil anos", tem do seu lado o ex-candidato presidencial Bernie Sanders, entre outras figuras. Mas para já resta-lhe ficar na Rússia. "Acredito que ele gostaria de estar noutro sítio qualquer. Preferiria estar em Lisboa, Berlim ou Oslo", diz Luke Harding, que segue conselhos do ex-consultor da NSA, como tapar a câmara do portátil, e só fala com fontes se não houver instrumentos eletrónicos por perto.

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