Rio de Janeiro acordou esta quarta-feira num clima de tensão e medo. Números oficiais revelam pelo menos 132 mortos, mas dezenas de corpos continuam a ser encontrados.
Rio de Janeiro acordou esta quarta-feira num clima de tensão e medo. Números oficiais revelam pelo menos 132 mortos, mas dezenas de corpos continuam a ser encontrados.
É de longe a operação mais letal na história do Rio de Janeiro. A mega-ação policial contra o Comando Vermelho (CV), uma das maiores organizações criminosas do Brasil, fez esta terça-feira pelo menos 132 mortos — números oficiais que podem aumentar, à medida que mais corpos são encontrados —, e transformou os Complexos do Alemão e da Penha num autêntico campo de batalha.
Planeada durante meses, a “Operação Contenção” foi a maior de sempre na cidade, envolvendo mais de 2000 elementos das forças militares e de segurança, e tinha por objetivo cumprir mais de cem mandatos de detenção contra elementos do CV, ligados ao tráfico de droga. Nos combates, que se prolongaram por várias horas, quatro agentes da polícia perderam a vida e pelo menos quinze terão ficado feridos.
No seguimento da megaoperação, a cidade acordou num clima de medo e tensão. Ruas vazias, atividades suspensas, dezenas de corpos por enterrar e incerteza sobre o que se segue, marcam esta quarta-feira.
O Rio está sozinho nesta guerra
Governador do Rio de Janeiro
O governador Cláudio Castro acusa o governo de Lula da Silva de falta de apoio nesta ação.
Com vários membros do CV ainda por encontrar e promessas de novas ações por parte da polícia, a guerra, pelo menos para já, parece ainda só ter começado.
A operação desta terça-feira foi o culminar de uma investigação com mais de um ano. As diligências da polícia identificaram 94 pessoas de interesse ligadas ao CV, suspeitos de crimes de homicídio, roubo e tráfico de droga. Descrita como uma “operação permanente”, a “Contenção” visa travar a expansão da atuação do CV no Rio de Janeiro e noutros estados brasileiros.
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A ação policial teve o seu epicentro nos complexos vizinhos do Alemão e da Penha, localizados na zona montanhosa do Norte do Rio de Janeiro e que albergam cerca de 280 mil pessoas. Os confrontos começaram logo nas primeiras horas da manhã de terça-feira, com intensos tiroteios a colocarem a cidade em estado de sítio.
O combate rapidamente passou das favelas para a mata, na zona florestal ao redor dos dois complexos. Imagens aéreas difundidas pela CNN Brasil permitiram ver membros do Comando Vermelho, equipados com armas automáticas e roupas camufladas, a entrarem pela mata da Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha.
Megaoperação da polícia brasileira no Rio de Janeiro
VÍDEO: AP
A resposta do Comando Vermelho à carga policial não se fez esperar. Dezenas de autocarros foram roubados e utilizados para bloquear várias das principais vias do Rio de Janeiro. A operação obrigou ainda ao encerramento de vários estabelecimentos, de escolas a postos de saúde, paralisando boa parte da cidade.
Só ao final do dia é que as armas se calaram, permitindo fazer um balanço oficial preliminar: 64 mortos (dos quais quatro polícias) e 81 detidos e dezenas de feridos, entre eles 15 agentes das polícias militar e civil. As autoridades apreenderam ainda dezenas de armas de calibre militar, duas pistolas e nove motociclos.
Vídeo mostra material apreendido em megaoperação da polícia contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro
VÍDEO: AP
Dois dos agentes mortos em combate eram membros do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). Heber da Fonseca, de 39 anos, e Cleiton Gonçalves, de 42, ambos sargentos, chegaram a ser socorridos no local e encaminhados para o hospital Getúlia Vargas, mas acabaram por não resistir aos ferimentos, relatou a Polícia Militar.
Em comunicado, o BOPE prestou homenagem aos dois militares, sublinhando o seu “legado de coragem”, a dedicação ao serviço público e o seu sacrifício que “representa a mais nobre expressão do dever policial”.
Imagens mostram elementos da polícia brasileira a socorrer outro agente ferido após megaoperação no Rio de Janeiro
VÍDEO: AP
Os outros dois agentes mortos eram membros da Polícia Civil do Rio de Janeiro: Marcos de Carvalho, de 51 anos, era membro da 53ª Delegacia da Polícia, e Rodrigo Cabral, de apenas 34, pertencia à 39ª. Este último deixa uma filha de apenas 6 anos e estava na delegacia há apenas dois meses. Ao jornal carioca O Dia foi descrito como “um excelente policial, talentoso e leal”, e “um grande amigo”.
Esta autêntica batalha expôs o poderio militar da rede criminosa. Relatos dão conta de que o Comando Vermelho terá drones armados com explosivos, lançando bombas contra os polícias durante os combates.
A militarização das redes criminosas do Brasil já é conhecido das autoridades há algum tempo — e não se esgota apenas no armamento. Há um ano, a Polícia Federal deteve Rian Maurício, cabo da marinha brasileira, por indícios de que teria treinado membros do CV e ajudado o grupo a modificar drones como os utilizados esta terça-feira para carregarem explosivos, para atacarem grupos rivais.
De acordo com o G1, Maurício teria mesmo acesso ao alto comando da organização. Áudios intercetados pelas autoridades aquando da detenção revelaram conversas entre o militar e Edgar Alves de Andrade, conhecido como o ‘Doca da Penha’ ou 'Urso', principal chefe do Comando e um dos homens mais procurados do Rio de Janeiro.
Líder da segunda maior organização criminal do Brasil — superada apenas pelo PCC — Andrade é suspeito de estar envolvido em mais de 100 homicídios, além de crimes de ocultação de cadáver, tortura, tráfico de droga e extorsão. Com controlo sobre as 13 favelas da Penha, tem nos últimos anos realizado diversos ataques a bairros e organizações vizinhas, numa 'expansão' que já provocou centenas de mortes.
De resto, a operação tinha entre os seus principais objetivos a captura do criminoso. Ainda que dezenas de detenções tenham sido feitas, o líder da organização escapou, estando agora montada uma caça ao homem para o encontrar. Já esta quarta-feira, O Dia dava conta de uma recompensa de 100 mil reais (cerca de 16 mil euros) por informações sobre o seu paradeiro.
Se o número oficial mortes já impressionava, ao longo da manhã desta quarta-feira os moradores do Complexo da Penha foram descobrindo a extensão da morte. Na Praça São Lucas, na Penha, dezenas de corpos foram depositados. A confirmar-se que se tratam de vítimas dos combates, o total de mortes ascenderia a 128; horas mais tarde, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro falava em 132.
Os mortos foram encontrados na mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia. De acordo com relatos de moradores ao G1, podem existir ainda mais corpos por recuperar na zona alta do complexo.
As imagens do dia, com dezenas de cadáveres estendidos ao longo da praça, refletiam a dimensão brutal dos confrontos.
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O objetivo desta ação passa por facilitar o reconhecimento dos corpos por parte dos familiares. Ao portal brasileiro, o ativista Raull Santiago, que participou na recolha dos cadáveres, resumiu: “Em 36 anos de favela, passando por várias operações e chacinas, eu nunca vi nada parecido com o que estou vendo hoje. É algo novo. Brutal e violento num nível desconhecido”.
O governador do Rio de Janeiro, o bolsonarista Cláudio Castro, não se conteve nas críticas ao que descreve como a falta de apoio do governo federal.
Essa operação de hoje tem muito pouco a ver com segurança pública. É um estado de defesa.
Não é mais só responsabilidade do estado, excede as nossas competências.
Já era pra ter um trabalho de integração com as forças federais.
O Rio está sozinho
Governador do Rio de Janeiro
As declarações foram entendidas como um passar de culpas do governador para o Palácio do Planalto. Segundo a CNN Brasil, Castro acabou por se retratar numa conversa telefónica com a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffman, onde garantiu que não pretendia atacar Lula da Silva. Já esta quarta-feira, o responsável disse publicamente ter sido “mal interpretado”.
À margem da política, a operação de terça-feira gerou choque e indignação por boa parte da sociedade civil. A ativista Giselle Florentino acusou o governador de ter “inaugurado abertamente uma política de segurança pública genocida” com a ‘Operação Contenção’, e a nível internacional também a ONU se disse "horrorizada"; no campo da justiça, o Ministério Público e a Defensoria brasileiras pediram explicações ao governador.
Nas ruas, e na Praça São Lucas, membros da população também não esconderam o descontentamento, protestando contra o aumento da violência policial no combate ao crime organizado.
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O barulho das armas foi substituído por uma quietude apreensiva. O Rio de Janeiro foi dormir e acordou a medo, com pouco movimento nas ruas e vários dos principais serviços da cidade, como o Tribunal Regional e a Universidade Federal do Rio a permanecerem fechados. "Parece Covid-19, né? Muito estranho", afirmava ao Globo uma moradora, ainda na noite de terça.
A incerteza da população sobre o que aí vem aumenta pelo facto de ainda haver membros do CV desaparecidos, incluíndo 'Urso', e pelo potencial de futuras ações que possam vir a ocorrer. A promessa ficou no ar na reação das autoridades aos acontecimentos e à morte dos quatro agentes da polícia. Classificando como "covardes" os ataques, a Polícia Civil garantiu em comunicado citado pelo Metrópoles que os responsáveis não ficariam impunes.
"A resposta está vindo, e à altura", sublinharam.
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