O bom ‘kale soup’
‘Eat Portugal – The Essential Guide to Portuguese Food’ é um livro que ensina estrangeiros a comer bem em Portugal
O país está em crise. O humor dos portugueses já conheceu melhores dias. E até o sol, que reinava incessantemente nos céus de Lisboa, parece comprovar as teses medonhas que especialistas e taxistas elaboram sobre os malefícios das alterações climatéricas. No meio desta depressão colectiva, o que sobra?
Sobra, como muito bem lembram Lucy Pepper e Célia Pedroso, a cozinha lusitana. Este livro dá gosto e só é pena não ser comestível: escrito para inglês ver, reúne receitas, dicas e expressões úteis para que o viajante estrangeiro se possa aventurar pela mesa portuguesa.
COURATOS E TREMOÇOS
O assunto é sério. Como lembram as autoras, os portugueses gostam tanto de comida que são provavelmente o único povo do mundo que aproveita o almoço e o jantar para falar de futuros almoços e jantares. Ou, melhor ainda, de almoços e jantares passados que deixaram uma genuína e fatal saudade. Às vezes chego a pensar que os portugueses só comem para terem um pretexto para falarem de comida. É como estarem com uma amante só pela oportunidade de pensarem na mulher que ficou em casa à espera.
Este livro presta essa sentida homenagem à nossa relação com a comida; e fá-lo, desde logo, procurando dar a conhecer as nossas melhores receitas, com tradução a condizer: o caldo verde ("kale soup"); os peixinhos da horta ("deep fried green beans"); as várias formas de cozinhar bacalhau; e até as famosas favas com chouriço, em tempos imortalizadas por José Cid com uma balada que está à altura do sabor.
E se o leitor pensa que este livro sucumbiu ao pedantismo "gourmet" que parece fascinar a saloiada nativa, desengane-se: também há espaço nesta travessa para os couratos ("pork skin"); o leitãozinho ("suckling pigs"); a baba de camelo ("camel spit") e, pasmem-se, os imortais tremoços, crismados com um charmoso "salted lupin seeds". Um dia perguntaram a Eusébio qual era o seu marisco preferido. Ele respondeu: tremoços. Foi a risota geral. Pobre homem. Tivesse ele dito "salted lupin seeds, of course" e tenho a certeza que, hoje, comeríamos arroz de tremoços nos melhores restaurantes de Lisboa.
Este livro ensina os estrangeiros a comer bem em Portugal; mas também ensina os portugueses a reapreciarem os seus tachos e, de preferência, a não fazerem figuras tristes nas suas viagens ao estrangeiro.
Eu que o diga. Há mais de vinte anos, na minha primeira estadia britânica, entrei numa pastelaria e, com a ignorância própria da idade, pedi ao empregado: "Two Berlin balls, please". Tivesse eu lido este livro nessa altura e saberia que as bolas de Berlim, na verdade, só existem em Lisboa; nas terras de Sua Majestade, um "doughnut" chegava e sobrava.
A sorte é que o empregado era português e, sem perder a compostura, respondeu: "Com creme ou sem creme, chefe?"
Título: ‘Eat Portugal – The Essential Guide to Portuguese Food’
Autor: Lucy Pepper e Célia Pedroso
Editora Caderno
DVD: ‘UM ANO MAIS’
Desde ‘Naked – Nu’ que Mike Leigh não filmava uma obra-prima. Fê-lo agora com o mais poderoso e desapiedado filme sobre a solidão da velhice. O título, aliás, resume bem o espírito do projecto: em vidas desabitadas de qualquer presença ou afecto, a passagem do tempo é apenas uma marcha fúnebre, entediante e circular.
Realizador: Mike Leigh
Intérpretes: Jim Broadbent, Lesley Manville e Peter Wight
LIVRO: ‘A ARTE DA GUERRA’
O título é enganador: Sun Tzu, general e estratego do século IV a.C., não escreveu propriamente sobre a ‘arte da guerra’; escreveu um manual sobre a arte da duplicidade e das aparências, sem a qual não há guerra que se ganhe, por mais poderoso que seja o exército.
Autor: Sun Tzu
Tradução: António Silva Moraes
Prefácio: Loureiro dos Santos
Editora Texto (70 páginas)
LIVRO: ‘FERNANDO PESSOA - O POETA E OS SEUS FANTASMAS’
Maria Bochicchio organizou e prefaciou a conferência proferida por Carlos Queiroz em 1940, cinco anos depois da morte do autor de ‘Mensagem’. Queiroz, poeta do segundo modernismo e sobrinho de Ofélia, a ‘namorada’ de Pessoa, traça aqui uma das incisivas análises sobre a ‘ars poetica’ do seu amigo"
Editora Ática (126 páginas)
FUGIR DE...
‘PORNO-POPEIA’
Ninguém nega que Reinaldo Moraes é um virtuoso da língua, desde o pioneiro ‘Tanto Faz’ (1981). Mas lemos as dez primeiras páginas do seu ‘Pornopopeia’ – o badalado livro que fez sucesso no Brasil sobre um cineasta priápico que snifa e come este mundo e o outro – e a pergunta, inevitável, é só uma: e tudo isto para quê? É a primeira grande desilusão literária do ano.
Autor: Reinaldo Moraes
Editora Quetzal
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