Thomas Cook, o marceneiro inglês que nos deu o turismo
Empresa deixou esta semana milhares presos no destino de férias.
A primeira viagem fundadora do turismo moderno levou num comboio fretado por Thomas Cook à Midland Counties Railway Company meio milhar de pessoas de Leicester a Loughborough, para um encontro em defesa da abstinência de álcool. Cook fretou o comboio e instituiu-se como responsável pela assistência àqueles que consigo viajavam durante 17 quilómetros e, por isso, esta sua iniciativa ficou para sempre como a primeira excursão que se conhece ter sido publicitada. Aconteceu a 5 de julho de 1841.
Thomas Cook nasceu a 22 de novembro de 1808, numa altura em que a maioria trabalhava seis dias por semana e se se deslocava mais de meia dúzia de léguas além da soleira da porta de casa teria de ser por motivos de doença ou de morte. A maior parte morria sem ter saído da terra onde nascera, sem que tal fosse para lamentar. Thomas Cook, que pertencia a uma família de protestantes batistas, começou a trabalhar como ajudante de jardineiro aos dez anos, como a maioria dos da sua idade, para ajudar ao sustento da casa. Quatro anos depois foi aprendiz de um tio marceneiro, ofício que lhe traria sustento por vários anos mesmo quando aos 18, já missionário, viajava entre os pequenos povoados ingleses, em trabalho de evangelização.
Homem do seu tempo, Cook considerava que o consumo de bebidas alcoólicas era a causa de boa parte dos males da época e, por isso, em 1833, juntou-se ao Movimento da Temperança, que apoiaria até ao final da vida - a causa pela qual levou aquele meio milhar de Leicester a Loughborough e das deslocações posteriores que organizou. Não tardou que cobrasse o serviço na viagem de 1845 a Liverpool.
Uma nova era
Thomas Cook, que já organizava viagens entre as Ilhas Britânicas, animou-se com a perspetiva de atravessar o Canal da Mancha para assistir a um evento em que soprava a modernidade trazida pela Revolução Industrial. O êxito desta excursão foi tal que rapidamente passou a dedicar-se a organizar outras viagens, mais ambiciosas, à Itália, Suíça, Egito e Estados Unidos da América.
Cinco anos depois deixa de palmilhar terreno com os excursionistas, como guia, para se dedicar à gestão da empresa que, esta semana, dois séculos depois, entrou em bancarrota deixando mais de 20 mil no desemprego e obrigando ao maior resgate de pessoas organizado em tempo de paz pelo Reino Unido, para trazer para casa os turistas que tinham comprado pacotes de férias à agência de turismo.
No início da década de 60 do século XIX, Thomas Cook abriu escritório na emblemática Fleet Street, coração comercial de Londres e sede das redações de todos os jornais da época. Em 1872 organizou a primeira volta ao Mundo - em 222 dias, o grupo percorreu mais de 46 mil quilómetros - e um ano depois contratou barcos a vapor para levar turistas pelo Nilo.
São dele também os primeiros sistemas de emissão de cheques-hotel, que permitiam aos viajantes pagar pelo alojamento e comida sem ter de utilizar dinheiro vivo.
Durante os últimos anos de vida - morreu em julho de 1892 - teve problemas de visão que o levaram a antecipar a entrada na empresa que fundara do seu único filho. Depois de ter sido primeiro sócio, Thomas Mason Cook ficaria à frente dos destinos da empresa que o pai fundara numa altura em que nem sequer existia o direito inalienável a férias, que surge pela primeira vez em França, em 1936.
O filho acaba por passar os destinos da empresa para as mãos da terceira geração, pois morre prematuramente em 1899. O negócio fica na família até 1928, mas só em 1972 passa a ser a Thomas Cook - em 2001 era um dos maiores grupos económicos de lazer do Mundo.
Esta semana, o comandante do avião fretado pela Thomas Cook que viajava entre Cancún (México) e Manchester desfez-se num pranto perante os passageiros quando falou na bancarrota da empresa.
No vídeo, ironicamente partilhado na internet - apontada como um dos fatores para o fenecimento do modelo tradicional do negócio -, o piloto inglês recordou os milhões que tinham viajado com a Thomas Cook e manifestou-se triste pela certeza de que aquele voo em que todos seguiam de volta para Inglaterra, era o último da companhia.
O grupo atribuiu a sua situação difícil à instabilidade política em destinos onde opera (como a Turquia, por exemplo), à onda de calor que atingiu o Reino Unido – que desencorajou a realização de viagens para o exterior – e ao impacto do iminente Brexit nas reservas. Neste 2019 só vendeu 57 por cento das suas viagens de verão.
A dívida desde a fusão, em 2007, com a MyTravel e a emergência dos operadores online que retiraram mercado ao tradicional pacote turístico estiveram na origem de prejuízos de cerca de 1500 milhões de euros relativos ao primeiro semestre fiscal.
O grupo garantiu um financiamento de 900 milhões: o seu maior acionista, a chinesa Fosun, com 18 por cento da empresa, entrava com 450 milhões e a banca e os obrigacionistas com o restante. Mas a reunião de emergência do último domingo acabou por ser o golpe de misericórdia no moribundo. No site da empresa podia ler-se esta semana: "Se é funcionário, credor ou acionista da Thomas Cook, pode encontrar mais informações no link abaixo".
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