Ó Malandro/ na dureza/ sente à mesa/ do café/ bebe um gole de cachaça/ acha graça/ e dá no pé’. Quem agora for ver a ‘Ópera do Malandro’ – nos palcos do Coliseu de Lisboa (de 10 a 18 de Março) e do Porto (entre 22 e 25) – não ouvirá estes versos que Chico Buarque tão bem adaptou à melodia criada por Bertold Brecht e Kurt Weil, e incluídos no disco original, editado em 1979.
Mas irá certamente emocionar-se com o lado poético das muitas vidas vividas à margem da lei e com canções que são verdadeiros tesouros da Música Popular Brasileira (MPB).
Inspirada na ‘Ópera do Mendigo’, de John Gay, e na ‘Ópera dos Três Vinténs’, de Brecht e Weil, a história deste musical desenrola-se na Lapa carioca dos anos 40, sítio de prostitutas, pancadaria e palco da rivalidade entre o contrabandista Max Overseas e o dono dos bordéis da Lapa, Fernandes de Duran, pelo controlo do bairro.
O conflito é levado ao extremo quando Teresinha – filha de Duran – se apaixona por Overseas. O casamento, ‘abençoado’ pelo polícia corrupto, Inspector Chaves, acaba por dar o golpe de misericórdia nos negócios dos Duran e tornar-se no gatilho de uma trama em que tudo (até os sentimentos) se compra e vende.
Apesar do constante confronto entre amor e traição, oportunismo e política, há uma ingenuidade latente (deliciosa mesmo) em relação à realidade dos nossos dias: é que os malandros daquele tempo eram, apenas e só, isso mesmo. Hoje, eclipsaram-se em espirais de violência e redes criminosas à escala mundial.
Mas se o sentido das metáforas se perdeu com as novas circunstâncias, a força dos arquétipos é a mesma e o ‘caos do Mundo’ continua a ser um tema universal. O resultado é, por isso, um espectáculo pulsante e vivo, no qual os meandros do poder e das negociatas obscuras são abordados de forma poética, em muito graças aos versos de Chico Buarque. Clássicos como ‘Palavra de Mulher’, ‘O Meu Amor’, ‘Uma Canção Desnaturada (Curuminha)’, ‘Homenagem ao Malandro’, ‘Folhetim’, ‘Viver do Amor’, ‘Pedaço de Mim’, ‘Geni e o Zepelim’ ou ‘As Muchachas de Copacabana’, são apenas algumas das 20 canções de amor e ódio que aqui renascem com novos arranjos.
Em jeito de homenagem à ‘nata’ da malandragem, ‘A Ópera do Malandro’ estreou-se em 1978 no Brasil e foi vista por mais de 300 mil pessoas, tornando-se num dos maiores sucessos da época e elevando o musical a género para as massas. As grandes obras são, porém, eternas e, quase trinta anos depois, o encenador Charles Möeller e o director musical Claúdio Botelho, dois dos mais prestigiados mestres do palco no Brasil, não hesitaram em recuperar o clássico.
Recorrendo às maravilhas da técnica, inexistentes na década de 70, mas sem hipotecar a magia original, a dupla brasileira transformou a ‘Ópera do Malandro’ numa superprodução que voltou a emocionar o Brasil e conquistou também Portugal no ano passado, onde foi vista por mais de 45 mil espectadores no ano passado.
As razões do reinvestimento de Möeller e Botelho na ‘Ópera’ passam sobretudo pelo coração. “A nossa paixão pela música de Chico Buarque é antiga. Vem da adolescência, quando cada um de nós começou a compreender o verdadeiro tesouro da MPB. Depois, como qualquer ‘buarquemaníaco’, descobrimos que o teatro era o grande aliado da sua obra musical”, explicaram.
Levar à cena ‘A Ópera do Malandro’ foi, assim, o concretizar de um sonho antigo, com a responsabilidade de respeitar ao máximo as linhas mestras de Buarque. “O que o público vai ver no palco é a nossa paixão pela obra desse grande compositor brasileiro. Não há uma única palavra que não tenha sido escrita por ele. Houve adaptações na estrutura das cenas, mas nunca nos diálogos. Cortou-se apenas o necessário para que o espectáculo durasse o tempo justo do prazer.
AGORA, O ESPECTÁCULO PROMETE repetir o sucesso de 2005. Tudo porque ‘A Ópera do Malandro’ regressa numa produção ainda mais cuidada e grandiosa, para ‘encher o olho’ de quem não teve ainda a oportunidade de ver a obra-prima de Chico Buarque. A nova digressão aposta na apresentação num espaço cénico com três palcos giratórios, montados num cenário de três andares, onde desfila um elenco composto por 20 actores, cantores e bailarinos, acompanhado por uma orquestra de 12 músicos.
O elenco sofreu também alterações e, desta feita, traz os conhecidos actores brasileiros Lucinha e Cláudio Lins nos papéis principais. Mãe e filho foram, aliás, os protagonistas da digressão brasileira, durante a qual granjearam rasgados elogios da crítica.
Neste espectáculo, porém, os laços familiares diluem-se. Lucinha Lins, que o público bem conhece do pequeno ecrã, encarna a pele de Vitória Régia, a mulher do dono dos prostíbulos e mãe da rebelde Teresinha. O filho, Cláudio Lins, passará a ser o odiado genro que, não contente por ter ‘roubado’ a filha dos Duran, tudo fará para destruir os negócios da toda-poderosa família.
Além da família Lins, em estreia nos palcos portugueses, regressam ainda outras caras conhecidas das telenovelas da Globo, como é o caso de Ronnie Arruda (o ‘Cigano’ de ‘Senhora do Destino’), Nuno Leal Maia (que participou em ‘Suave Veneno’ e ‘Pedra Sobre Pedra’), Thelmo Fernandes, Mauro Mendonça, entre outros.
‘A OPERA DO MALANDRO’
- Género: Musical
- Autor: Chico Buarque
- Actores: Lucinha Lins, Cláudio Lins, Nuno Leal Maia, etc.
- Classificação: quatro estrelas
QUATRO DISCOS PARA UMA ÓPERA
O duplo LP ‘A Ópera do Malandro’, considerado um verdadeiro clássico da música popular brasileira, chegou ao mercado em 1979, a reboque do musical, trazendo para a ribalta um leque de novas vozes da MPB, como Alcione, Elba Ramalho, Nara Leão, Gal Costa e Zizi Possi, a par com a de Chico Buarque, autor das músicas e das letras.
A obra, por muitos considerada a mais genial da extensa carreira de Chico Buarque, conheceu ao longo dos anos várias releituras em disco.
As duas primeiras reedições surgem em 1985, em simultâneo com a adaptação da ‘Ópera’ ao cinema, pela mão do cineasta Ruy Guerra. A primeira, assume os contornos de banda-sonora oficial, com os cantores originais a cederem a vez aos actores do filme, como Cláudia Ohana, Ney Latorraca ou Edson Celulari.
A segunda aproveita o êxito da película no grande ecrã para integrar versões de novos intérpretes, como Ney Matogrosso, Bebel Gilberto e Paulinho Viola.
O último álbum, editado em 2003, é precisamente uma síntese do espectáculo de Charles Möller e Cláudio Botelho, com o elenco que levou o espectáculo à cena no Brasil, e novos arranjos que conferem ainda mais sumptuosidade e dramatismo aos temas.
É apaixonado pela obra de Chico Buarque, reconhece um certo ‘charme’ nas vidas marginais e é adepto de espectáculos musicais.
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