Jean casou em segundas núpcias com um homem de imaginação delirante – Schulz, o autor de ‘Snoopy’ e ‘Charlie Brown & Ca’.
Jean Schulz pousa na mesa um bloco de notas, sem saber bem porque o traz sempre consigo. Viria mais tarde a contar que o falecido marido – Charles M. Schulz, o autor das personagens de BD ‘Snoopy’, ‘Charlie Brown’ e companhia, da série ‘Peanuts’ – anotava tudo. É dele que veio falar no Festival de BD da Amadora, na primeira visita a Portugal. A pele enrugada do rosto assenta-lhe num sorriso constante e num olhar distante no puro desenho da saudade – uma palavra que desconhece.
Jeannie costumava chamar-lhe ‘Sweet Babboo’; e Charles retribuía como sabia: na BD, a ‘Sally’ chamava ao ‘Linus’ "meu Sweet Babboo", o que gerava alguma implicância, mas quando ‘Linus’ dizia algo inteligente ela enternecia-se mais uma vez – "Ele não é a coisa mais fofa?".
"Penso dele o que penso dos ‘Peanuts’, em como os personagens o representam a ele", conta Jeannie. "A ‘Lucy’ era o lado ranzinza dele; ‘Linus’ era o filosófico; ‘Charlie Brown’ era o que não consegue fazer nada certo. Ele não os poderia ter desenhado se eles não fossem parte dele". Todos os nomes dos personagens são de amigos de ‘Sparky’, como carinhosamente o tratavam.
E ‘Snoopy’ foi inspirado no cão que o autor teve na adolescência. O Spike. Cão mal-humorado, costumava assustar os miúdos do bairro com o ladrar, mas era inteligente; conhecia 50 palavras; diziam-lhe ‘vai buscar as pantufas do pai’, e ele ia. A mãe de ‘Sparky’ prometeu-lhe que se viessem a ter outro cão, seria o Snoopy – termo afectuoso em norueguês, a língua materna.
Embora a primeira tira dos ‘Peanuts’ tenha saído a 2 de Outubro de 1950, o ‘Snoopy’ só surge dois dias depois. Era para se chamar ‘Sniffy’, mas alguém disse que era o nome de uma personagem noutra BD.
UMA HISTÓRIA DE AMOR
‘Sparky’ estava sempre a pensar nas personagens. "Se fôssemos a uma sinfonia eu sabia que ele estaria a pensar em algo para a BD porque iria tirar o bloco do bolso e, no escuro, escrever alguma coisa. No caminho para casa havia de me dizer: "Pensei numa coisa, como seria se a ‘Peppermint Patty’ e a ‘Marcie’ estivessem na sinfonia?" E eu respondia ‘teria sido divertido’.
Ele queria que tudo o que desenhasse parecesse real. A mobília da sala, copiava a que tinha em casa. "Então, pode dizer-se que a mobília dele vem dos anos 1950, foi o que desenhou sempre. E as cortinas? Eram as mesma lá de casa. Ele perguntava se eu tinha revistas para recortar imagens: telefone, cabeceira da cama, carrinho de mão".
Jeannie foi a segunda mulher de ‘Sparky’. Em 1972, conheceram-se quando ia ela levar a filha do seu primeiro casamento à patinagem, ao ringue de Santa Rosa, na Califórnia, EUA – propriedade do autor dos ‘Peanuts’ e da sua mulher. "A melhor amiga da minha filha na patinagem era filha do advogado dele", recorda Jeannie.
"Quando estávamos uma vez no ringue, entre muita gente, pedi àquela menina para que lhe fosse pedir um autógrafo." ‘Sparky’ desenhava autógrafos em guardanapos de papel. "Ela voltou com o guardanapo e eu guardei-o anos. Quando casámos eu disse-lhe ‘olha o que eu tenho’". E ele disse: "É maravilhoso que o tenhas guardado" Um dia disse-me que eu o deveria emoldurar. Foi o que fiz".
Por duas vezes – durante a entrevista – Jeannie fala do "marido maravilhoso" que teve e com quem era "maravilhoso partilhar a vida" até à sua morte, em Fevereiro de 2000, aos 77 anos. "Sinto falta dos dias em que ia sempre surgir alguma coisa interessante, da sua imaginação. Imprevisível, mas interessante".
Uma das recordações vivas da família, Andy, o cão que se deitava ao colo de ‘Sparky’ e adormecia – e que na BD, a partir de 1994, surge como o irmão felpudo do ‘Snoopy’ –, morreu algum tempo depois.
Jeannie tirou da parede de casa a moldura com o autógrafo em Agosto de 2002. Ia inaugurar, a dia 17, o Museu Schulz. E aquela recordação seria mais uma peça de amor. Uma prova. Um pedaço de história com 30 anos.
"O trabalho que faço é mostrar o legado do meu marido no museu. E para isso não me pagam".
A passagem pela vida do autor de BD Charles M. Schulz está lá, no museu. Ele adorava basebol, hóquei e golfe. "Sabia que o basebol era bom para a BD porque, no jogo, não se passa nada", conta Jeannie. E também isso é possível descobrir no museu norte-americano. Além de se ver e rever (conforme) toda a colecção dos ‘Peanuts’. "Temos algumas histórias que ele não publicou. Não achou suficientemente engraçadas. Um dia faremos uma exposição". Jeannie sabe que ali ficou na companhia de ‘Sparky’.
NOTAS
18 MIL
Ao longo de 50 anos, 18 mil tiras foram publicadas em 2600 jornais de todo o Mundo.
1950
A 2 de Outubro de 1950, quando ‘Peanuts’ estreia em 7 jornais, o autor recebe 90 dólares.
1973
Schulz casa com Jean Forsyth Clyde (Jeannie) em 1973, ambos em segundas núpcias. Ele morreu em 2000.
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