Trocam companhia, boleias e vegetais. Partilham dúvidas sobre educação e saúde, receitas e experiências. São quase 500 no País
Há doze anos, quando nasceu a primeira filha, Sofia Passos percebeu que o bebé nos braços veio acompanhado de uma "imensa solidão. Não havia outras mulheres que pudessem estar comigo, a interagir, a partilhar". Para as amigas, a carreira era, naquela altura, a prioridade, por isso Sofia não teve eco nas mudanças do corpo nem da vida.
"Isso foi lesivo para mim, para ela, para o nosso pequeno núcleo familiar. Era suposto ser uma experiência feliz mas não foi, porque nos faltou uma família alargada, alguém com quem partilhar toda a espiral de emoções que estávamos a passar." Há três anos, quando nasceu a mais nova, a sensação foi precisamente a mesma. Com a agravante de que tinha mudado de terra e a única pessoa que antes estava perto, a mãe, ficou a quilómetros de distância. "Queria ter uma rede de primas/irmãs com quem pudesse falar, comprar umas cebolas, levar os miúdos ao parque."
Desbravou a internet à procura de soluções para o mesmo ‘mal’ que uma década antes a tinha atormentado, e depois de falar aqui e ali com mães que partilhavam da mesma necessidade ‘comunitária’, criou o Projeto Mães em Transição, em 2009, um movimento que pretende construir "uma nova família alargada, localmente, estabelecendo laços de apoio mútuo, companheirismo e confiança entre mães", baseado na "sustentabilidade e procura de soluções económicas e ecológicas fundamentadas na partilha e entreajuda" entre todas.
Essas soluções passam agora por muitas mãos. Hoje são quase 500 as mães inscritas na plataforma online criada por Sofia. Organizadas por distrito, em todo o País, encontraram do lado de lá do ecrã amigas que passaram para o lado de cá.
Sofia, aderecista de teatro mas agora mãe a tempo inteiro, de 38 anos, pertence ao grupo do Montijo. Tem a certeza de que "a maioria dos problemas se resolve entre pessoas. Claro que precisamos de dinheiro para a água, para a luz, para o que nos é fornecido por companhias, mas para o essencial do dia-a-dia o dinheiro acaba por ter uma expressão muito pequena".
HORTAS E TROCAS
Em Sintra, a palavra dinheiro também não é usada entre a comunidade das Mães em Transição. "Posso não ter um centavo para criar o bebé que vai nascer, mas sei que não me vai faltar o carrinho, o ovo, a roupa, a comida para ele, porque tenho outras mães que me apoiam. Aqui nas Mães em Transição, ninguém fica sozinho", partilha Sílvia Floresta, 32 anos, mãe de uma adolescente de 16 anos e com um bebé a caminho na barriga.
Porque aqui há sempre uma horta que dá legumes, um carro que dá boleia, uma troca de receitas que inspira quando não se sabe o que cozinhar para o jantar, uma ajuda que não pretende ter tempo nem hora marcada.
A cooperativa ecológica Quinta dos Sete Nomes, em Sintra, onde Sílvia é professora de permacultura, é abrigo de muitas destas trocas. Por ali existe um núcleo enorme de Mães em Transição. "Podemos ver a hippie de pé descalço a beber chá com a tia de Cascais, sentadas uma ao lado da outra, a partilhar vivências." Não há fundamentalismos num grupo que vive da liberdade de escolha e onde a sustentabilidade é o único ponto comum entre todas. Sílvia acredita em hospitais e na ciência. Júlia Pessis, 36 anos, deu à luz a filha sem apoio médico: "Estava apenas a minha vizinha, o pai e a doula. A Noa nasceu na água, em casa." Júlia é do Equador. O companheiro é americano. Estão em Portugal há cinco anos. Em Sintra, e no grupo das Mães em Transição, encontraram uma ‘comunidade’ semelhante a uma outra onde tinham vivido no Brasil.
"Já não consigo pensar na família como sendo uma célula individual. Estas pessoas que aqui encontrei dão-me o suporte que eu preciso como mulher e mãe. Aqui há quem fique a tomar conta das crianças, quem esteja a cozinhar, o que acaba por tirar a carga ao casal", explica Júlia, com formação em cinema e consultoria. Quando Noa nasceu – e durante os primeiros dois meses – não havia dia que as Mães em Transição não se organizassem para preparar as refeições. "Levavam-nos o almoço e o jantar para que eu e o meu companheiro pudéssemos estar totalmente focados na nossa filha e naquele recomeço enquanto família."
FRALDAS POR UM BERÇO
Mariana Caixeiro, psicóloga clínica e homeopata, tem 52 anos. "Aproximei-me do grupo por partilhar as questões filosóficas. Como sou mais velha do que a maioria delas, acabo por partilhar uma experiência de vida diferente e que as pode ajudar a ver as coisas de outra forma", explica.
Ao lado, Judite Sanfeliu tem ao colo Paul, de sete meses. Bebe-se chá antes de ir à horta plantar e semear, colher e guardar. Judite é espanhola, o companheiro é alemão. Licenciados em Engenharia, têm 28 anos e chegaram a Portugal à procura de uma inspiração para a vida a três.
"Quero procurar uma coisa que me permita ser mãe e ao mesmo tempo dedicar-me a projetos. Só o facto de termos outras mães com quem possamos falar, perguntar alguma dúvida, dizer ‘olha, precisas de ajuda, queres que fique com o teu filho enquanto vais tratar do que precisas, queres que cozinhe para ti?...’ é maravilhoso. É sentir que há sempre lá alguém para ti." É o caso de Mariana Amorim, 28 anos e uma filha de 10 meses, que toma conta de um outro bebé "para ajudar uma mãe" da ‘comunidade’.
Mais a norte, a veterinária Sónia Veiga sentiu empatia com a ideia mal a conheceu e hoje é a dinamizadora do grupo de Coimbra. "Como sou do Porto, sentia-me pouco adaptada à cidade onde vivo, como se ali fosse incapaz de fazer as mesmas coisas que fazia e ter alguém com quem conversar. Sempre dei valor à agricultura e à sustentabilidade ambiental, por isso quando conheci o projeto encontrei eco para a minha forma de pensar", recorda.
Sobre a dinâmica do grupo, é clara: "Partilhamos hortas, sementes e receitas vegetarianas, até porque uma das mães trabalha com óleos essenciais e aprendemos imenso com ela." E também chá e companhia, desabafos e alegrias. Sónia, veterinária de formação, 36 anos, é a responsável pelo ‘Mercado das Mães’, que promove a troca em lugar do consumo. Como uma mãe que precisa de fraldas reutilizáveis e em troca oferece roupa de menina ou um berço de viagem. Não se pense é que os homens não têm aqui voto na matéria: "Os pais também podem participar, até porque há pais que são mais mães do que muitas mães."
MAIS NATUREZA, MENOS PETRÓLEO, É UM DOS LEMAS
O nome ‘em Transição’ resume um movimento que tem como objetivo transformar as cidades em modelos sustentáveis, menos dependentes do petróleo, mais ligadas à natureza e mais resistentes a crises externas, tanto económicas como ecológicas.
As Mães de Transição (ver em http://projectomaesdetransicao.webnode.pt) são um grupo de mulheres e mães que se ligam livremente em redes de apoio, companhia e eventual lançamento de projetos com base na proximidade local, criando assim condições para que as suas crianças possam também usufruir de uma envolvente de família alargada construtiva, ecologicamente consciente.
Em Setúbal, por exemplo, um grupo de mães conseguiu unir esforços para criar uma espécie de ‘escola’ sem necessidade de contratar professores. "Uma tinha uma quinta, outra tinha um curso de design, outra gostava muito de contar histórias e daí a nada já estavam todas organizadas para uma escolinha diferente, com aquilo que cada uma consegue transmitir aos outros", conta Sofia Passos.
NOTAS
PROJETOS
Todas as mães são organizadoras, capazes de criar localmente ideias, projetos, atividades ou encontros.
LIDERANÇA
Não existe hierarquia dentro das Mães em Transição, não existindo uma liderança nacional nem local.
PAÍS
Os homens também podem participar nas atividades. O site http://paisdetransicao.webnode.pt/ está a ser construído.
LIBERDADE
As Mães em Transição não estão ligadas a nenhuma religião ou orientação política. São livres em todasas suas escolhas.
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