Do avô materno herdaram o talento para a música e os direitos do hino do Benfica. Os irmãos Feist, antigos meninos prodígio, voltam aos palcos em Março, com o espectáculo 'De Regresso à Broadway'. História de uma família benfiquista marcada pela música e a tragédia
A vida foi amarga para os Feist: cedo perderam a mãe, o pai e os avós. Poucas horas depois de cada um deles morrer, os dois irmãos, Nuno e Henrique, tiveram de subir ao palco. A educação recebida em Inglaterra, em que o espectáculo tem de continuar, ensinou-os a ter pouco tempo para chorar.
Nascidos em Lisboa, na Cruz Vermelha Portuguesa, os músicos foram forçados a partir para o Reino Unido durante a revolução de Abril. Nuno tinha três anos e Henrique apenas dois. A família estava em dificuldades financeiras. O pai, Luís Feist, era empresário no ramo dos brinquedos e árbitro de râguebi (ver caixa). Descobriu neste País uma oportunidade para expandir o negócio. A mãe, Manuela Paulino, locutora de televisão, tinha sido despedida sem justa causa da RTP. A situação piorou ainda mais quando o Estado ficou com os terrenos da avó materna, na zona do Ribatejo.
A viagem para Londres foi feita de carro e demorou três dias. Não havia dinheiro para comprar bilhetes de avião. “Lembro-me de irmos no lugar de trás completamente atabalhoados com as malas”, conta Henrique. O mealheiro estava vazio. A família chegou a dividir entre si dois hambúrgueres e às vezes a mãe nem comia para os filhos poderem jantar. Manuela Paulino, que em Portugal era um rosto familiar na televisão, na Inglaterra passava despercebida. Uma noite, em 1969, os seus olhos cruzaram-se com os de Luís Feist. Foi amor à primeira vista e casaram em Agosto desse ano.
Em 1977, Nuno e Henrique regressaram a Portugal. A situação no País melhorou e os negócios do pai tinham prosperado. Os irmãos inscreveram-se no colégio inglês de St. Julians, em Carcavelos. Estiveram lá desde a escola primária até ao nono ano. Apaixonados pela música e dança desde muito novos, eles nunca esqueceram o ‘glamour’ dos musicais ingleses. O ‘Jesus Christ Superstar’ marcou-os para sempre. Para darem vida ao sonho de serem artistas, em 1982, os manos Feist participam no programa da RTP ‘Passeio dos Alegres’, apresentado por Júlio Isidro. Cantaram um tema do filme ‘Hello Dolly’. O sucesso foi tanto, que ainda antes de terminar o programa, já as editoras discográficas lutavam entre si para contratarem os meninos do duo Nuno e Henrique, na altura com 11 e dez anos.
Estavam lançados. Nos anos seguintes, gravaram nove discos (um dos quais chegou a Platina) e participaram em vários programas de televisão e rádio, bem como em mais de 250 espectáculos ao vivo. Em meados da década de 90, voltaram a partir para Londres. Queriam estudar música. As propinas e os custos de alojamento eram elevados mas, ao contrário de outros tempos, viviam de forma mais desafogada. Nessa altura o pai, Luís Feist, foi convidado para ser o fundador em Portugal da Adidas.
Na família a vocação para os negócios vem de longe. O avô paterno, Henrique Feist, judeu alemão, tinha uma fábrica de cutelaria na Alemanha. Tornou-se caixeiro viajante e passava a vida de um lado para o outro. Em viagem a Portugal conheceu Maria Matilde Feist, uma cantora de ópera. Casaram e foram viver para a Alemanha. Porém, em 1938, a vida deu uma reviravolta. A perseguição de Hitler aos judeus fê-los fugir para cá. Por sorte, Maria conhecia o Presidente da República Óscar Carmona e moveu influências para naturalizar o marido português. Salvou-o do campo de concentração.
A cantora ainda conseguiu arranjar dois passaportes falsos para os sogros fugirem para Portugal. Mais tarde, foi a vez do avô Henrique salvar das mãos dos nazis os Von Krippahl – a família do humorista Herman José. Perfeitamente integrado na sociedade portuguesa, Henrique Feist foi eleito para ser o representante dos comboios Lima, brinquedos de miniatura que fizeram furor na época.
Depois de terminarem o liceu em Londres, os irmãos continuaram os estudos universitários. Nuno matriculou-se no curso de Maestro, na Faculdade de Southampton, ao passo que Henrique frequentou o curso de Teatro Musical, em Guildford. Estiveram lá três anos, acabaram os cursos com média de 18 e receberam uma das piores notícias das suas vidas: a morte da mãe. Manuela Paulino morreu em 1993, depois de lutar durante 12 anos contra um cancro da mama.
A rigidez da educação inglesa quase impediu Henrique de ver a mãe pela última vez. O cantor estava a preparar um espectáculo em Moscovo, quando lhe telefonaram de Lisboa a avisar que a mãe estava em estado de coma. A professora da escola de teatro não lhe entregou o passaporte e ameaçou-o de expulsão caso ele se deslocasse a Lisboa. Com o fim-de-semana à porta, Henrique insistiu e conseguiu a autorização necessária. No entanto, foi forçado a assinar um papel onde se comprometia a voltar no domingo. De volta a Londres, já de noite, recebe um novo telefonema a dar-lhe conta da morte da mãe. Jurou a pés juntos que iria ao funeral: “Deixaram-me ir, mas com o bilhete marcado para logo a seguir apanhar o avião para Moscovo e participar na peça.”
Dois meses depois da morte da mãe a tragédia voltou a bater-lhes à porta. O pai marcou um encontro com os filhos para lhes dizer que tinha um cancro na pele. Acabaria por morrer três anos mais tarde, em 1996. “Ficámos completamente desamparados. De repente faltou-nos tudo.”
Nessa altura, já os dois irmãos tinham terminado os cursos superiores em Inglaterra e viviam em Portugal. Filipe La Féria convidou-os para participar no musical ‘Maldita Cocaína’ e Nuno acabou por conhecer a mulher da sua vida: apaixonou-se pela bailarina inglesa Claire, casou e tem quatro filhos (três rapazes e uma menina). Hoje vive em Almancil. O irmão Henrique ainda é solteiro e mora numa quinta perto da Ericeira.
O currículo dos dois artistas é vasto. Em Portugal, Nuno Feist, de 32 anos, escreveu, entre muitos outros, a música para o programa da RTP ‘Cabaret’, compôs os temas para a série da SIC ‘Ora Bolas Marina’ e foi director musical e orquestrador do espectáculo ‘Esta Vida é Uma Cantiga’, exibido no Parque Mayer. Já Henrique Feist, de 31 anos, integrou o elenco do musical ‘Amália’, representou na peça de teatro ‘ A Minha Noite com o Gil’ e deu a voz a diversos filmes animados como ‘ O Rei Leão II’, ‘Branca de Neve e os Sete Anões’ e ‘A Bela e o Monstro’.
A imagem de marca dos dois irmãos continua a ser o duo Nuno e Henrique, que na década de 80 foi um fenómeno de vendas de discos. “As pessoas costumam dizer: 'olha o loiro e o moreno que cantavam em inglês na televisão'.” Duas décadas depois da estreia no pequeno ecrã, no ‘Passeio dos Alegres’, os Feist continuam unidos. E garantem que vão ficar assim para sempre.
DE REGRESSO À BRODWAY
No dia 13 de Março, no Teatro Municipal de São Luíz, Nuno e Henrique Feist integram o elenco do espectáculo musical ‘De Regresso à Broadway’. Durante duas semanas, os músicos vão interpretar os mais importantes compositores do musical americano. O espectáculo tem início às nove da noite e termina às 23h15. Aos domingos, o musical começa às 17h00. O preço dos bilhetes varia entre os cinco e os 15 euros.
BENFIQUISTAS FERRENHOS
O avô materno de Nuno e Henrique, Manuel Paulino Júnior, compôs a letra e a música do hino do Benfica, ‘Ser Benfiquista’, interpretado por Luís Piçarra. Os dois artistas têm os direitos do tema e estão em negociações com o clube para regravar a música e dar-lhe mais ritmo através do acompanhamento de uma orquestra. Inscritos como sócios do Benfica logo à nascença, os dois irmãos recordam com saudade os tempos em que as ‘águias’ voavam alto no Campeonato e nas provas internacionais. “Perdeu-se a mística benfiquista dada por grandes jogadores como o Nené, Veloso, Chalana e Diamantino. Agora é a travessia do deserto”, diz Nuno Feist. Quando o pai era o director da Adidas e a marca patrocinava o Benfica, os manos Feist viam todos os jogos da equipa. O avô também os levava aos jogos. Paulino Júnior, advogado e músico, também foi director do jornal do clube, tinha lugar no camarote presidencial. Recebeu a águia de platina a título póstumo.
A par da veia comercial, o pai de Nuno e Henrique, Luís Feist, também foi árbitro de râguebi. Depois de ter praticado esta modalidade nos clubes CDUL e Faculdade de Direito, o empresário começou a arbitrar jogos em 1965 e chegou a internacional em 1982. Dirigiu encontros importantes como o Espanha - País de Gales e o França – Marrocos. Luís foi ainda praticante de hóquei patins, atletismo e andebol.
Mas há mais árbitros na família Feist.
O seu pai, o alemão Henrique Feist, apitou jogos de andebol, tendo sido o responsável pela introdução em Portugal do andebol de sete e do andebol feminino. O primeiro torneio oficial da modalidade foi organizado por ele, no Verão de 1949, em Cascais. A paixão de Henrique pela modalidade começou nos anos 20, em Solingen, na Alemanha. Nesta altura, ele também praticava ténis, natação, ginástica e esqui. Na década de 80, Henrique Feist era o árbitro de andebol mais antigo do mundo.
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