Luis Bárcenas já subiu ao Evereste. Agora ameaça provocar uma avalanche na direita espanhola.
Luis Bárcenas é um homem delicado. Isso salta aos olhos de quem vê o espanhol de 55 anos sair do cárcere bem vestido e penteado, mas também se revela quando o ex-tesoureiro do Partido Popular responde ao juiz Pablo Ruz. Ainda nesta segunda-feira revelou que, "por delicadeza", nunca contava as notas à frente dos empresários de obras públicas quando estes lhe entregavam os donativos que terão permitido financiar ilegalmente a formação política que detém o poder em Espanha.
Para o Partido Popular, pelo contrário, Bárcenas é uma situação delicada, pois aquilo que tem revelado à imprensa, e agora também à Justiça, na fase de instrução do processo que decorre na Audiência Nacional, pode pôr em causa a continuidade de Mariano Rajoy. Perante a revelação de que o governante estaria entre os beneficiários da ‘generosidade' de empreiteiros, o líder da oposição socialista, Pérez Rubalcaba, deixou claro que o PSOE avançará com uma moção de censura se o primeiro-ministro não prestar esclarecimentos aos deputados.
Enquanto o impasse continua, o homem que só foi tesoureiro oficial do PP entre 2008 e 2009, embora gerisse as contas desde 1990, presenteou Pablo Ruz - que decretou a sua detenção a 27 de junho, "para evitar o risco de fuga e assegurar a preservação de provas" - com uma ‘pen drive' cheia de ficheiros em que estão registadas entradas e saídas de dinheiro na ‘caixa B' do partido de centro-direita.
Os empreiteiros terão entregue 8,3 milhões de euros ao longo de duas décadas, presumivelmente em troca de adjudicações de obras públicas em regiões governadas pelos populares, mas Bárcenas recusa admitir a existência de contrapartidas para evitar que sobre ele venham a recair acusações mais graves.
Ainda mais letal para o PP do que a listagem das ofertas, feitas em malas, sacolas ou envelopes cheios de notas, já de si capaz de, no mínimo, provar atropelos constantes à legislação sobre financiamento partidário, é a muito detalhada contabilização do destino das verbas. Além de financiarem campanhas eleitorais, pagavam salários clandestinos a membros do partido, num ranking liderado pelo assessor Pedro Arriola (778 mil euros) e em que a segunda posição é ocupada pelo próprio Mariano Rajoy (o primeiro-ministro terá recebido perto de 350 mil euros), seguido de Jaime Mayor (eurodeputado e ex-ministro do Interior nos governos de José María Aznar), Federico Trillo (ex-ministro da Defesa de Aznar) e Rodrigo Rato (vice-primeiro-ministro entre 2003 e 2004).
NO TETO DO MUNDO
Dizer que Luis Bárcenas já esteve no topo do Mundo não é figura de estilo. Fascinado desde cedo pelo montanhismo e pelos desportos de neve, integrou em 1987 uma expedição que tinha a ambiciosa meta de conquistar o Evereste, ponto mais elevado da cordilheira dos Himalaias, 8848 metros acima do mar. O jovem militante da Aliança Popular - partido criado pelo ex-ministro franquista Manuel Fraga Iribarne, que daria origem ao PP - juntou-se ao amigo Luis Fraga (sobrinho do político galego) e a alpinistas experientes na tentativa de subir sem recorrer a garrafas de oxigénio.
Esquecido o plano inicial, que previa a descida em parapente - o futuro tesoureiro contentou-se em esquiar pela encosta -, o Evereste foi conquistado a 28 de agosto de 1987. Mas acaba aí o consenso quanto ao que sucedeu no teto do Mundo: um dos membros da expedição, o basco Bixen Itxaso, referiu que foi preciso resgatar Bárcenas. "Quase sem conseguir ver e com as forças esgotadas, ele arrastava-se e ia caindo", relatou o alpinista.
Outros relatos indicam que Fraga e Bárcenas não chegaram ao cume do Evereste. O primeiro ficou-se pelos 8400 metros, enquanto o segundo permaneceu num abrigo 200 metros mais abaixo. Seja como for, entre as façanhas dos dois amigos encontram-se a subida ao monte Olimpo (2917 metros), na Grécia, e ao monte Elbrus (5642 metros), na Rússia. Bárcenas fez ainda a escalada solitária dos 4810 metros do monte Branco, em França. A ligação à neve era a justificação para as constantes viagens à Suíça, onde terá chegado a ter 48 milhões de euros na conta bancária.
ESTRANHO NA TERRA NATAL
Os mistérios em torno da vida do homem mais perigoso de Espanha começam no berço. Embora seja natural de Calañas, os jornalistas enviados para a localidade com cinco mil habitantes, próxima de Huelva e a apenas 110 quilómetros de Vila Real de Santo António, não encontraram quem se lembre dele ou da sua família.
Certo está que estudou Ciências Empresariais numa universidade de Madrid e que já integrava as fileiras da Aliança Popular em 1982, tendo ascendido no PP quando José María Aznar nomeou Álvaro Lapuerta para o cargo de tesoureiro do partido, visto que o dirigente histórico contava com o jovem ambicioso para todo o tipo de tarefas.
Casado e pai de dois filhos, Luis Bárcenas foi eleito senador pela Cantábria em 2004 e em 2008, mas acabou por afastar-se dois anos mais tarde, após ser envolvido no ‘caso Gürtel', investigação a financiamentos ilegais do PP conduzida pelo juiz Baltasar Garzón. Havia notas em que se fazia referência a ‘Luis el Cabrón', que o tesoureiro negou, compreensivelmente, tratar-se de si próprio.
Seguiu-se, em 2009, a auto-suspensão da militância, embora garanta que continuou a trabalhar na sede do PP até que elementos do partido esvaziaram o seu escritório, apoderando-se dos computadores onde estariam os dados comprometedores que teve a prudência de armazenar na ‘pen' que entregou na segunda-feira ao juiz da Audiência Nacional.
Ao longo de cinco horas e meia, recusando-se a fazer qualquer pausa, admitiu que os recibos divulgados pela imprensa espanhola eram verdadeiros, reconhecendo ter sido ele a escrevê-los. E não poupou os correligionários, nomeadamente Mariano Rajoy e María Dolores de Cospedal, presidente da região de Castela-La Mancha, que terá recebido 200 mil euros na qualidade de secretária-geral do PP. "Só há registos até 2008, mas os pagamentos continuaram até 2010", assegurou.
Antes de ser detido, Bárcenas dera uma entrevista a Pedro J. Ramírez, diretor do diário ‘El Mundo', em que explicou os esquemas de financiamento ilegal do PP, explicando que "havia pagamentos trimestrais, sempre em numerário, ao presidente, secretário-geral e vice-secretários do partido".
Na segunda-feira, antes de responder ao juiz, Bárcenas pediu para usar gravata, o que não lhe é permitido na cela. O desejo foi cumprido, mas ao fim do dia era decerto Mariano Rajoy quem sentia o pescoço apertado.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.