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Abominável homem da neve

Luis Bárcenas já subiu ao Evereste. Agora ameaça provocar uma avalanche na direita espanhola.

21 de julho de 2013 às 15:00

Luis Bárcenas é um homem delicado. Isso salta aos olhos de quem vê o espanhol de 55 anos sair do cárcere bem vestido e penteado, mas também se revela quando o ex-tesoureiro do Partido Popular responde ao juiz Pablo Ruz. Ainda nesta segunda-feira revelou que, "por delicadeza", nunca contava as notas à frente dos empresários de obras públicas quando estes lhe entregavam os donativos que terão permitido financiar ilegalmente a formação política que detém o poder em Espanha.

Para o Partido Popular, pelo contrário, Bárcenas é uma situação delicada, pois aquilo que tem revelado à imprensa, e agora também à Justiça, na fase de instrução do processo que decorre na Audiência Nacional, pode pôr em causa a continuidade de Mariano Rajoy. Perante a revelação de que o governante estaria entre os beneficiários da ‘generosidade' de empreiteiros, o líder da oposição socialista, Pérez Rubalcaba, deixou claro que o PSOE avançará com uma moção de censura se o primeiro-ministro não prestar esclarecimentos aos deputados.

Enquanto o impasse continua, o homem que só foi tesoureiro oficial do PP entre 2008 e 2009, embora gerisse as contas desde 1990, presenteou Pablo Ruz - que decretou a sua detenção a 27 de junho, "para evitar o risco de fuga e assegurar a preservação de provas" - com uma ‘pen drive' cheia de ficheiros em que estão registadas entradas e saídas de dinheiro na ‘caixa B' do partido de centro-direita.

Os empreiteiros terão entregue 8,3 milhões de euros ao longo de duas décadas, presumivelmente em troca de adjudicações de obras públicas em regiões governadas pelos populares, mas Bárcenas recusa admitir a existência de contrapartidas para evitar que sobre ele venham a recair acusações mais graves.

Ainda mais letal para o PP do que a listagem das ofertas, feitas em malas, sacolas ou envelopes cheios de notas, já de si capaz de, no mínimo, provar atropelos constantes à legislação sobre financiamento partidário, é a muito detalhada contabilização do destino das verbas. Além de financiarem campanhas eleitorais, pagavam salários clandestinos a membros do partido, num ranking liderado pelo assessor Pedro Arriola (778 mil euros) e em que a segunda posição é ocupada pelo próprio Mariano Rajoy (o primeiro-ministro terá recebido perto de 350 mil euros), seguido de Jaime Mayor (eurodeputado e ex-ministro do Interior nos governos de José María Aznar), Federico Trillo (ex-ministro da Defesa de Aznar) e Rodrigo Rato (vice-primeiro-ministro entre 2003 e 2004).

NO TETO DO MUNDO

Dizer que Luis Bárcenas já esteve no topo do Mundo não é figura de estilo. Fascinado desde cedo pelo montanhismo e pelos desportos de neve, integrou em 1987 uma expedição que tinha a ambiciosa meta de conquistar o Evereste, ponto mais elevado da cordilheira dos Himalaias, 8848 metros acima do mar. O jovem militante da Aliança Popular - partido criado pelo ex-ministro franquista Manuel Fraga Iribarne, que daria origem ao PP - juntou-se ao amigo Luis Fraga (sobrinho do político galego) e a alpinistas experientes na tentativa de subir sem recorrer a garrafas de oxigénio.

Esquecido o plano inicial, que previa a descida em parapente - o futuro tesoureiro contentou-se em esquiar pela encosta -, o Evereste foi conquistado a 28 de agosto de 1987. Mas acaba aí o consenso quanto ao que sucedeu no teto do Mundo: um dos membros da expedição, o basco Bixen Itxaso, referiu que foi preciso resgatar Bárcenas. "Quase sem conseguir ver e com as forças esgotadas, ele arrastava-se e ia caindo", relatou o alpinista.

Outros relatos indicam que Fraga e Bárcenas não chegaram ao cume do Evereste. O primeiro ficou-se pelos 8400 metros, enquanto o segundo permaneceu num abrigo 200 metros mais abaixo. Seja como for, entre as façanhas dos dois amigos encontram-se a subida ao monte Olimpo (2917 metros), na Grécia, e ao monte Elbrus (5642 metros), na Rússia. Bárcenas fez ainda a escalada solitária dos 4810 metros do monte Branco, em França. A ligação à neve era a justificação para as constantes viagens à Suíça, onde terá chegado a ter 48 milhões de euros na conta bancária.

ESTRANHO NA TERRA NATAL

Os mistérios em torno da vida do homem mais perigoso de Espanha começam no berço. Embora seja natural de Calañas, os jornalistas enviados para a localidade com cinco mil habitantes, próxima de Huelva e a apenas 110 quilómetros de Vila Real de Santo António, não encontraram quem se lembre dele ou da sua família.

Certo está que estudou Ciências Empresariais numa universidade de Madrid e que já integrava as fileiras da Aliança Popular em 1982, tendo ascendido no PP quando José María Aznar nomeou Álvaro Lapuerta para o cargo de tesoureiro do partido, visto que o dirigente histórico contava com o jovem ambicioso para todo o tipo de tarefas.

Casado e pai de dois filhos, Luis Bárcenas foi eleito senador pela Cantábria em 2004 e em 2008, mas acabou por afastar-se dois anos mais tarde, após ser envolvido no ‘caso Gürtel', investigação a financiamentos ilegais do PP conduzida pelo juiz Baltasar Garzón. Havia notas em que se fazia referência a ‘Luis el Cabrón', que o tesoureiro negou, compreensivelmente, tratar-se de si próprio.

Seguiu-se, em 2009, a auto-suspensão da militância, embora garanta que continuou a trabalhar na sede do PP até que elementos do partido esvaziaram o seu escritório, apoderando-se dos computadores onde estariam os dados comprometedores que teve a prudência de armazenar na ‘pen' que entregou na segunda-feira ao juiz da Audiência Nacional.

Ao longo de cinco horas e meia, recusando-se a fazer qualquer pausa, admitiu que os recibos divulgados pela imprensa espanhola eram verdadeiros, reconhecendo ter sido ele a escrevê-los. E não poupou os correligionários, nomeadamente Mariano Rajoy e María Dolores de Cospedal, presidente da região de Castela-La Mancha, que terá recebido 200 mil euros na qualidade de secretária-geral do PP. "Só há registos até 2008, mas os pagamentos continuaram até 2010", assegurou.

Antes de ser detido, Bárcenas dera uma entrevista a Pedro J. Ramírez, diretor do diário ‘El Mundo', em que explicou os esquemas de financiamento ilegal do PP, explicando que "havia pagamentos trimestrais, sempre em numerário, ao presidente, secretário-geral e vice-secretários do partido".

Na segunda-feira, antes de responder ao juiz, Bárcenas pediu para usar gravata, o que não lhe é permitido na cela. O desejo foi cumprido, mas ao fim do dia era decerto Mariano Rajoy quem sentia o pescoço apertado.

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