Logo nos primeiros dias fiquei traumatizado quando um furriel morreu numa demonstração com uma granada.
Assentei praça a 12 de janeiro de 1964 e fui fazer a recruta para o Monte da Caparica. Depois enviaram-me para Tancos para tirar a especialidade de radiotelegrafista do Serviço de Transmissões Militares. Eu tinha o segundo ano industrial, mas como não entreguei o documento das habilitações não fui tirar o curso de miliciano para furriel e fiquei como soldado.
Quando concluí a especialidade segui para Lisboa, para o Batalhão de Telegrafistas da Graça. Pensava já não ser mobilizado porque os que tinham tirado a especialidade comigo tinham partido todos para Angola e eu tinha ficado de fora, porque na véspera de eu assentar praça o meu pai morreu e eu era considerado amparo de mãe.
Mas quando precisaram de radiotelegrafistas para Moçambique lá fui eu, repescado ao fim de 14 meses de tropa na metrópole. Embarquei em Alcântara no navio ‘Pátria’, um barco que não era de militares, em 1965. À chegada estive três dias em Lourenço Marques, embarquei noutro navio para a Beira e Nacala e segui de comboio para Nampula.
Difíceis primeiros dias
A partir daqui a viagem foi um pesadelo. Embarquei num machimbombo (camioneta), era o único militar que seguia nessa viagem, de camuflado, com um cantil de água, umas rações de combate e nada mais, o único branco naquele transporte. Em qualquer aldeia em que a camioneta parava para carregar, eu e era rodeado por muitas crianças, algumas muito magrinhas, a pedirem-me coisas que eu não tinha para lhes dar, o que me entristeceu muito.
Cheguei a Vila Cabral ao pôr do sol, apresentei-me no posto de rádio, fui recebido pelos colegas e logo nos primeiros dias, quando um furriel fazia uma demonstração de como lidar com granadas, tirou a cavilha e deixou cair a granada, atirou-se para cima dela e ficou feito em pedaços. Isto também me ficou na memória porque eu nunca tinha visto uma coisa daquelas, alguns de nós ficámos com estilhaços, feridos.
O que aconteceu foi que, ao tirar a cavilha, ele tentou fazer uma brincadeira com a granada, mandá-la ao ar e tentar agarrá-la, mas a granada explodiu e matou-o. Tivemos que andar a apanhar os bocados do corpo. Passados uns dias, voltei a ficar abalado: chegou um Unimog que tinha sido destruído por uma mina que tinha feito alguns feridos graves.
Era um pelotão que ia buscar correspondência para o nosso quartel à pista de aviação, e lá havia uma palhota onde morava uma velhota indígena. Toda a gente a tratava bem e até lhe davam rações de combate, mas de vez em quando rebentava naquele caminho uma mina e lá ia mais um Unimog pelo ar. Veio a descobrir-se que era a velhota que punha as minas.
Nós, os radiotelegrafistas, sabíamos de tudo, porque havia um código e quando surgia esse código ou eram mortos ou feridos graves. Recebíamos as mensagens, entregávamos ao ‘cripto’ (responsável pela descodificação) e esperávamos pelo que de ruim tinha acontecido.
Eu era de rendição individual, não estava destinado a ir para o mato, mas uma vez ofereci-me. Logo nesse dia sofremos uma emboscada: o Unimog tombou, nós fomos cada um para seu lado, eu tombei para o chão e o rádio ficou afastado de mim.
Na minha atrapalhação, lesionei-me, eles a gritarem para eu pedir socorro, mas eu já nem sabia do rádio. A partir daí nunca mais me ofereci como voluntário para nada. Acabei por ser hospitalizado, de Vila Cabral fui para Nampula e estive um mês e meio a recuperar, antes de regressar. Catorze meses depois recebi ordem para embarcar para Lourenço Marques, que foi o melhor tempo que tive de tropa.
Só gostava de encontrar um camarada que foi como um irmão, o Simão de Castelo Branco, a quem chamávamos ‘Ruço’. Voltei a 9 de setembro de 1967, de uma guerra que nunca entendi.
Nome
Manuel Silva Fernandes
Comissão
Moçambique (1965-67)
Força
Rendição individual
* Info
Tem 75 anos, é casado, tem dois filhos e dois netos. Vive no Barreiro.
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