Relatório acusa elevado nível de jogos combinados. Se isto é verdade, mais é ainda a dificuldade de investigar
As novas tecnologias de informação mudaram as nossas vidas. Temos hoje uma sociedade global, em que a partir da nossa casa passámos a ter conhecimento, em tempo real, do que se passa em qualquer ponto do Mundo. Mas são também estas tecnologias meio para a difusão do crime. Os crimes cibernéticos são aqueles que mais têm crescido em todo o Mundo.
Analisemos, hoje, a problemática dos jogos online ou das apostas online, os crimes que potenciam e a capacidade ou incapacidade dos estados, através dos órgãos de investigação criminal e magistraturas, perseguirem, investigarem e identificarem os criminosos. Esta análise é ainda mais atual no seguimento de um relatório da Federbet que aponta para a existência em muitos países, incluindo Portugal, de um elevado número de resultados combinados em jogos de futebol; ou seja, pagamentos efetuados a jogadores por casas de apostas online.
Comecemos pela Federbet. É uma empresa privada, sediada na Bélgica, que representa casinos e casas de apostas online europeias e que, segundo os seus próprios estatutos, nasceu para ajudar os seus associados na prevenção de atividades ilegais, nomeadamente a manipulação de resultados dos jogos, sobretudo os desportivos, bem como o branqueamento de capitais. A Federbet monitoriza um elevado número de apostas, de vários tipos – desde corridas de cavalos a jogos de futebol – e sempre que uma determinada aposta foge dos padrões (por exemplo, quando se aposta muito num determinado jogo de futebol e em resultados estranhos, como 4-4 ou 5-4) entendem estar perante uma manipulação de resultados. A primeira ilação a retirar é que esta entidade representa os ‘donos’ do jogo.
Em Portugal
Não deixa também de ser estranho que o nosso país figure neste relatório, quase pela primeira vez e de forma tão pormenorizada, exatamente no ano em que, através do decreto-lei 66/2015, foi aprovado o regime dos jogos online. Por outro lado e ao contrário do que o relatório produzido pela Federbet afirma, não existe uma única prova de que os resultados daqueles desafios tenham sido fabricados. Existem apenas "indícios" cuja base de partida tem a ver com resultados estranhos no final do jogo e de se ter registado um elevado número de apostadores. Isto chega para se afirmar que um resultado foi manipulado? Não. O sistema é então perfeito? Também não. O risco existe e provavelmente ocorrem situações irregulares e mesmo criminosas na manipulação de resultados. Não existem ainda provas desses factos, apesar das investigações em curso.
O problema tem a ver com a investigação criminal a este tipo de ilícitos, já que os crimes e a forma como acontecem são difusos. O caminho é difícil. Nas principais casas online aposta-se em tudo. Pode-se apostar no resultado final de um jogo de futebol, nos minutos a que vai ser mostrado o cartão amarelo, qual a equipa e o jogador a receber o vermelho, quantos cantos vai a equipa sofrer, etc. Um jogador pode ser corrompido para marcar um golo na própria baliza ou para ceder um determinado número de cantos ou até para se fazer expulsar aos 20 minutos de um jogo. Mas como se distinguem as situações normais das que foram manipuladas? É difícil.
A Federbet baseia a sua ação na monitorização das apostas. Tenho dúvidas sobre o método. Não estou a ver um indivíduo corromper um jogador para marcar golos na própria baliza ou para se fazer expulsar e depois disponibilizar essa informação a terceiros por forma a que todos tenham conhecimento e apostem nesse jogo. Quem tiver essa informação, guarda-a para levar o prémio mais elevado. É por isso que os corruptos apostam em jogos das segundas ligas porque são menos vistos e merecedores de menos atenção mediática e em ligas de países alvo de menos atenção, como Chipre, Grécia, Malta, Portugal e outros, principalmente no Leste Europeu, porque os jogadores por norma têm salários mais baixos ou em atraso. É por isso que o método da Federbet é pouco credível.
Qual será o método ideal? A investigação policial pura. Conhece-se já a identificação de indivíduos que tentaram e conseguiram corromper agentes desportivos. Tem-se também uma ideia das redes envolvidas. Tudo isto foi apurado com o recurso à troca de informação entre as várias polícias.
Então, podemos pensar que o problema está quase resolvido? Não. E em Portugal ocorrem as maiores dificuldades, já que para levar um caso destes a julgamento e obter uma condenação não bastam suposições. É necessário a prova dos ilícitos penais ou dos crimes. E é neste ponto que Portugal está desportivamente e penalmente desarmado. Este tipo de ilícito apenas se pode combater das seguintes formas: através de um agente encoberto que entre no sistema; de escutas telefónicas aos corruptos ativos que, neste caso, são os indivíduos da casa das apostas online; através de profundas análises dos dados de tráfego (faturação detalhada) ou, ainda, através da interceção e análise de correio eletrónico. Então, qual a dificuldade? A lei não prevê essa situação? Não. A este tipo de ilícitos aplica-se a lei 50/2007, de 31 de agosto, que tem o título de Regime de Responsabilidade Penal por Comportamentos Antidesportivos e visa apurar e criminalizar comportamentos suscetíveis de afetar a verdade desportiva, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado.
Este diploma legal, no seu artº 2, define os conceitos de todos os intervenientes no fenómeno desportivo. No artº 8 encontramos a tipificação do crime de corrupção ativa, ou seja, o crime que aquele que corrompe o agente desportivo, qualquer que ele seja, comete. A pena para este crime pode ir até três anos de prisão. Consequência desta previsão penal: por força das disposições do Código do Processo Penal não é possível, para crimes com penas inferiores a cinco anos de prisão, utilizar escutas telefónicas, dados de tráfego ou análise de correio eletrónico.
Incentivos
É, pois, duvidosa a possibilidade de utilização de agentes encobertos, de escutas ambientais, ou seja, de todos os meios especiais e excecionais e sem estes não existe meio de obtenção de prova. Não se pode colocar os agentes desportivos sob vigilância sem saber quem vai ser alvo da ação criminosa. A atenção e monitorização das autoridades tem de ser direcionada para os corruptores ativos, os elementos das organizações mafiosas. A lei portuguesa impede que tal possa suceder. Atualmente, este tipo de crime só pode ser combatido se um dos envolvidos – no caso, o agente desportivo – se arrepender e colaborar com as autoridades. Foi, aliás, nesse sentido a alteração legal feita a 22 de abril de 2015, quando o legislador incluiu, no artº 13, o direito premial, a atenuação especial e dispensa da pena para aqueles que colaborem com a investigação. Teremos pois de confiar no sentido ético dos agentes desportivos... Na realidade, num mundo onde há jogadores a receber salários que variam entre os 500 € e os 1000 € mensais e que, mesmo assim, têm-nos em atraso; a quem um indivíduo de uma organização criminosa oferece 20 000 €, muito mais do que o jogador ganharia num ano, torna-se difícil de resistir à proposta de marcar, por exemplo, um golo na própria baliza.
Esta é a raiz do problema. Não são os relatórios da Federbet que resolvem esta situação, que poderá vir a ter maiores danos para a verdade desportiva do que o próprio doping. Este fenómeno, que assume contornos de crime transnacional e organizado, apenas pode ser combatido com investigação criminal e, neste aspeto, Portugal não está apto para travar um combate sério.
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