Mais de quatro mil portugueses pediram à PSP a licença de uso e porte de arma. Acompanhámos o curso de formação obrigatório para quem tem revólveres e pistolas.
Foi acordado a meio da noite, sem hipóteses de reagir. Dormia na sua cama quando os dois encapuzados lhe apontaram armas à cabeça. Queriam dinheiro, jóias, o que houvesse de valor na casa de José Júlio Coração, perto de Sintra. Por mero acaso, a mulher não estava em casa e escapou à violência do assalto. Manietado, José não conseguiu abrir a mesa de cabeceira onde guarda o seu revólver: "Se tivesse conseguido abrir a gaveta, não tenho dúvidas de que disparava a minha arma", garante.
O assalto aconteceu em Maio de 2008 e deixou marcas. Funcionário público – classe que antes da alteração à lei das armas de 2006 tinha acesso garantido à licença de uso e porte de arma –, José Júlio deixou caducar a sua licença depois de se ter aposentado, no ano passado. Com 60 anos, José pediu a renovação da licença e apresentou-se na Divisão de Armas e Explosivos da PSP quando o chamaram para realizar o curso obrigatório que legaliza a posse e uso do revólver. "Eu nem gosto de armas, mas sinto necessidade de ter uma", explica José Coração.
Ele é um dos 13 participantes no segundo Curso de Formação Técnica e Cívica (CFTC) destinado a civis que ocorre desde a última alteração à lei das armas, em Maio de 2009. Obrigatórios desde a aprovação da lei das armas de 2006, os cursos obrigam os candidatos à licença de uso e porte de arma a passar três provas: Teórica (conhecimento da legislação), manuseamento de armas de fogo e tiro com armas de fogo. Desde 2006 a PSP recebeu mais de 4 mil pedidos de licenças, mas os cursos, para já ministrados em exclusivo pela PSP, não conseguem dar vazão a tanto pedido. Depois dos guardas-nocturnos, a prioridade tem sido os cidadãos que já têm armas mas que deixaram caducar as licenças para o seu uso.
Todos os participantes neste segundo curso já têm armas de defesa pessoal mas deixaram caducar as respectivas licenças. Os processos foram criteriosamente analisados, para se perceber que reuniam as condições para a atribuição da licença e só depois foram chamados para o curso.
As razões que invocam para o pedido de licença não variam muito: "Pode vir a ser precisa, sinto-me mais seguro. Mas a minha pistola nunca saiu do cofre onde a guardo, em casa", diz Augusto Oliveira, de 46 anos, que tem licença desde há 10 anos – quando trabalhava numa pastelaria e fechava a caixa todas as noites. Moisés Anes, 59 anos, inspector de educação aposentado, também tem uma pistola calibre 6.35. "Lidava com muitos processos disciplinares, por vezes tinha de ir a sítios complicados. Quero renovar a licença por uma questão de protecção pessoal", explica o homem que confessa não disparar a sua arma desde que foi a uma carreira de tiro, em 1974. "Acho muito importante que exista esta formação obrigatória. Aprende-se muito".
O curso dura dois dias e compreende a formação teórica, o manuseamento de armas – em que se aprende a identificar os dois únicos calibres permitidos para a classe B1 (a que está acessível a civis) – 6.35mm para as pistolas e .32 para os revólveres. Há também formação em tiro.
Os instrutores insistem nas condições em que é permitido disparar. Um dos alunos pergunta: "Então uma pessoa é assaltada por um grupo de malandros e não pode usar a arma que tem lá em casa?". O subcomissário José Pinto explica, pacientemente, as condições do uso legítimo da arma de fogo: "Só pode ser usada como último meio de defesa; Para travar uma agressão imediata e ilícita, em caso de agressão contra o próprio ou terceiros; Havendo perigo imediato de morte ou ferimentos graves; Quando a defesa não possa ser garantida por uma autoridade". Atirar a matar não é opção: "O disparo deve ser antecedido de advertência verbal e não pode visar zona letal do corpo humano", sublinha o instrutor.
Dois alunos confessam já ter disparado. "Usei a arma em duas ocasiões. Na primeira, estava a conduzir e reparei que um carro parado na berma estava prestes a ser atacado por dois ladrões. Dei dois tiros para o ar e eles fugiram. A segunda vez também foi para evitar um assalto. Um homem tinha sido agredido e o ladrão queria levar-lhe o carro. Dei três tiros para o ar", diz Martins, de 79 anos. Também José Augusto, de 58 anos, disparou "para o ar" para evitar que lhe levassem os bens que tinha no carro.
No segundo dia do curso, os 13 candidatos experimentam disparar com pistola e revólver na carreira de tiro do Instituto Superior de Ciências Policiais, em Lisboa. O nervosismo evidente da maioria dos candidatos ajuda a explicar os muitos tiros fora do alvo, colocados a 5 metros de distância. "Aqui damos as noções básicas mas eles têm de ser responsáveis pelo uso que fizerem da arma de fogo. Os verdadeiros homens vêm-se em situações de stress", diz o subcomissário José Maurício, instrutor de tiro.
Duas semanas depois, chega a hora dos exames. Todos passaram. Há mais 13 portugueses autorizados a ter uma arma.
HÁ 1,4 MILHÕES DE ARMAS DE FOGO REGISTADAS EM PORTUGAL
Quantas armas legais há em Portugal? Não há resposta certa. Desde o início dos registos, há cerca de 100 anos, contam-se 1,4 milhões – a maioria de caça – mas não se consegue saber quantas estão em situação legítima. "Só quando completarmos a informatização dos registos é que teremos uma ideia", diz o subintendente Pedro Moura, até há poucos dias responsável pelo Departamento de Armas e Munições. A lei de 2006 reformulou o sistema e trouxe critérios mais exigentes, mas os milhares de pedidos de novas licenças vão demorar a ser atendidos.
NOTAS
CINCO ANOS
É a duração da licença de uso e porte de arma para a classe B1 – acessível a civis. Para revalidar é preciso voltar a prestar provas.
254 EUROS
É o custo da frequência e emissão de certificado após a conclusão com aprovação do Curso de Formação Técnica e Cívica.
TRÊS
Cursos de formação previstos para civis no próximo mês de Abril, a ministrar pelo Dep. de Armas e Explosivos da PSP, em Lisboa.
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