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Bomba sexual

O rosto desenhado a traços finos e delicados, a pele é macia e em tons rosados. Cindy fixa os olhos verde-mar no horizonte e não poupa no sorriso rasgado e constante. Escorrem-lhe longos caracóis loiros pelos ombros e o corpo todo ele é escultural.

14 de janeiro de 2007 às 00:00

De tronco assente numa cintura invejável. E a boca é quente e sensual. Peito firme e abundante, seios redondos e os mamilos perfeitos. Diz quem sabe, de toque “agradável”. Exibe-se num metro e setenta sem sinais de celulite, pêlos púbicos “muito bem enrolados” e lábios vaginais “húmidos e cuidados”. Falta-lhe falar. Ambiciosa e amante de fortes atributos, não se entrega às mãos de qualquer um. Discute noites tórridas a partir dos 16 mil euros e é disputada nas grandes feiras internacionais de sexo. A boneca insuflável nasceu das ordens secas de Hitler e às mãos de um médico nazi. O objectivo era proteger as tropas do contacto “degradante” com outras raças, mas sobreviveu à Segunda Guerra – e, 65 anos depois, mantém a descendência. Foi apurada e Cindy é já o produto da última geração, uma ‘mulher’ do século XXI. Semelhanças com a realidade são pura ficção.

Ainda não entrámos no ‘Contra Natura’ e já nos salta à vista o rosto “aproximado” de Julie Ashton, estampado na caixa de pequenas dimensões entre fantasias e os objectos vários dispostos pela montra iluminada. Este é apenas um dos cinco espaços lúdicos que António Baptista conserva no coração de Lisboa. E onde aposta forte na provocante e sensual imagem da famosa actriz do meio. Julie alimenta delírios sem fim pelo mundo fora e dispensa apresentações entre amantes da pornografia além-fronteiras. Mas esta é afinal a actriz em versão económica, adaptada à realidade do mercado nacional.

Não tem mais de meio metro e além do rosto resume-se “ao que interessa”, confessa um habitué de meia idade, ao mesmo tempo que passa o dedo pelo ‘provador’. Aproveita o pequeno orifício aberto no plástico e atesta a qualidade do material. Sente o tecido em silicone. Vende “largas dezenas de exemplares por mês” e tem de vantagem não ir além dos 250 euros, uma peça sem corpo inteiro e que se fica pelas partes íntimas da boneca.

Mas nem só de bolsos remediados vive o meio. E António traça o perfil do cliente “fã da boneca”, o homem que gere as suas companheiras insufláveis como se do negócio automóvel se tratasse. Compra uma, duas, depois a melhor, a maior e outra com aquecimento, “anda sempre à procura do último grito”. Dá o que pode pela perfeição. E é um coleccionador exigente, “acompanha o mercado e sabe o que quer”. Faz buscas exaustivas pela Internet e vasculha todas as revistas, “manda vir do estrangeiro pelas referências” e raramente não conhece os produtos melhor que os próprios empregados.

EXECUTIVOS COM CARROS POTENTES

E há os clientes “clássicos”, executivos que param potentes carros à porta e entram a passos largos de sobretudo e fato e gravata. Muitos “trabalham nos grandes e mais conhecidos escritórios de advogados de Lisboa”. São 15 a 20 os clientes do costume e “realmente bons”, não olham a meios e procuram bonecas de qualidade. “Temos uma toda em silicone e que traz lubrificante, muito sofisticada e com grande saída no mercado”. Mede cerca de metro e sessenta e o preço ronda os 800 euros, aquém do recorde nacional nos 1500 euros – a mais cara já vendida em Portugal. “Falamos de kits completos com gel e vibradores incorporados, prontos a aquecer em água a ferver”. O objectivo é fazer uma primeira penetração na boneca com o aparelho, de modo a criar uma “temperatura ambiente” nos 22 graus.

As ‘sex shops’ nacionais têm “mais de 20 mil referências” entre os diferentes produtos e onde se incluem dezenas de bonecas “por cada um dos diferentes fornecedores”. E ainda hoje se vende bem a insuflável normal de plástico, “básica”, dois a três orifícios e que não custa mais de vinte euros. Enche de forma simples, à boca, e rebenta a um gesto mais brusco ou a toque de cigarro. É careca e a mais utilizada em despedidas de solteiro. Remonta aos primeiros tempos mas mantém-se no mercado “mais para brincadeiras”, estão sempre prontas a embaraçar os noivos. Os preços sobem à medida de evoluções várias, “sobretudo nos últimos vinte anos”.

Paga-se desde os cabelos a pêlos pelo corpo, orifícios em silicone aos diferentes tons de pele, aquecimento e cópias “aproximadas” de actrizes conceituadas – entre brancas, negras ou mulatas, que alimentam sonhos pelo mundo fora. E variam ainda nas formas, com mais ou menos silicone e resistência, além de bonitas e enfeitadas. Claro que a posição também conta, seja deitada, sentada ou de joelhos – ou até a versão mais sofisticada e versátil, maleável a partir de um arame integrado, com a boneca a ter revestimento completo a silicone.

É tudo uma questão de espaço e números. A imaginação não tem limites e António Baptista recorda um exemplar que viu nas muitas viagens pela Alemanha. Era Marilyn Monroe e recreava o momento em que a saia da diva rodou e levantou com a brisa que passa por uma saída de ventilação do metro. A cena ficou célebre em ‘O Pecado Mora ao Lado’ e deixou milhões em delírio. E foi na Alemanha, de resto, que a boneca nasceu em 1942 e mais tarde sofreu maior desenvolvimento, com a queda do Muro de Berlim e a abertura do Leste ao mundo ocidental, em 89 – numa altura em que “aquelas pessoas não sabiam o que era um livro ou um filme pornográfico”.

E foram precisamente os alemães que durante décadas viveram no comunismo e fechados sobre um ideal em ruínas a darem seguimento à obra de Adolf Hitler – o pior dos nazis, que, há 65 anos, encomendou a primeira boneca ao médico Olen Hannussen com o mais racista dos propósitos: prevenir um “degradante” contacto sexual dos seus militares com outras raças por si consideradas inferiores. Foi em plena Segunda Guerra Mundial que Hitler ordenou a criação de um dos inventos mais originais do século passado.

LOIRA DE OLHOS AZUIS

E não queria uma boneca qualquer, teria que ter todas as características por si sonhadas para a Humanidade. Ariana de 1,76 m e porte atlético, cabelos loiros, olhos azuis e peito grande. O médico não perdeu tempo e as tropas nazis foram as primeiras a entregarem-se aos prazeres insufláveis. As bonecas seguiam para o campo de batalha devidamente dobradas nas mochilas e eram as companheiras nocturnas dos militares. Heinrich Himmler, o temível comandante das SS, era o responsável directo pelo projecto Fuhrer, até ao dia em que uma bomba dos Aliados fez explodir a fábrica das bonecas.

“Mas a evolução estagnou”, diz-nos António Baptista, e o verdadeiro ‘boom’ deu-se só com a queda do Muro de Berlim. Curiosamente ou talvez não, no preciso ano em que este empresário se lançou no meio, com a primeira loja na zona do Conde Redondo. As grandes produções estão hoje em dia na China, Canadá ou Estados Unidos, países para onde António viaja frequentemente e de onde importa alguns dos mais completos modelos. Foi uma dessas bonecas a mais cara que diz já ter vendido, “a cerca de 1500 euros” – e recorda-a “toda bem arranjada e revestida a silicone, uma boneca ‘mulher’!” Claro que “pela Europa fora não faltam exemplos mais completos”, embora sem qualquer sucesso em Portugal. E Cindy, nos seus quase 1,70 m e pela módica quantia de 16 mil euros, “vai abrindo lentamente o orifício e, quando há fricção, deixa sair um líquido como se de masturbação vaginal se tratasse”.

Quase 20 anos no ramo já permitiram a António ver “de tudo”, recorda-nos no seu escritório, enquanto se desdobra entre telefonemas para colaboradores e as revistas estrangeiras da especialidade que vai folheando em busca de novos talentos. “Nós ainda somos um país muito fechado”, solta, recordando os poucos homens tímidos que começaram por povoar o seu espaço lúdico, em 1990. Iam à descoberta “de um novo mundo”, perdidos entre as bonecas, sugestivos objectos e filmes. Centenas de filmes.

E depois chegaram as mulheres, dois anos mais tarde e já na sua loja em plena Baixa Pombalina, que “com o tempo começaram a ganhar confiança e a sentir-se bem no espaço, sem preconceitos”. E hoje em dia, não só estão em maioria, como representam mais “20 a 30 por cento do que os homens” nas ‘sex shops’. Também para elas há exemplares masculinos insufláveis, que variam “entre o tom de pele e as dimensões”, embora as vendas fiquem bastante aquém das bonecas. “Têm 20 anos de existência, mas só as trouxe para Portugal em 93”.

António vende entre 10 a 15 bonecos por mês, contra uma média superior aos cem exemplares femininos. “São mercados muito diferentes” e muitos compradores “são portugueses que partem para África”, tal como os africanos que vivem em Portugal.

MUSEU ERÓTICO

António Baptista está atento e vive do mercado, mas além de empresário diz-se “historiador”. Espera montar “o primeiro museu erótico em Portugal” e lê tudo o que pode sobre o assunto. Recorda que, em tempos de guerra nos anos 30 e antes da opção de Hitler pelas bonecas, os militares “enchiam tripa de porco com água quente e era utilizada na masturbação”. Já antes “era utilizada como preservativo, fazia a barreira entre homem e mulher nos tempos da sífilis – antes de se falar em sida e nas hepatites “. A sífilis alastrou e acabou muitas vezes por ser mortal, “quando os homens, depois de amputados, punham termo à vida”. Um constrangimento que, segundo António Baptista, levou também à morte de soldados portugueses na Guerra de África. “Muitos suicidaram-se por não saberem como explicar às namoradas que os esperavam cá. Há vários testemunhos”, garante.

E se entre os grupos de amigos é frequente descreverem intermináveis farras pela madrugada dentro com as rudimentares bonecas e muito álcool à mistura, poucos se arriscam a admitir aquisições mais sofisticadas e os prazeres insufláveis a que se entregam na intimidade. Excepção feita ao popular e despreconceituoso Manuel João Vieira, que à primeira abordagem logo confessa à Domingo ter tido “grandes performances com uma boneca de borracha, há já uns anos”. Andava o vocalista dos ‘Ena Pá 2000’ em digressão pelo Algarve, quando “numa noite” diz ter perdido a cabeça. Só que “não era da melhor qualidade e em pouco tempo acabou por rebentar”, lamenta o cantor.

Manuel João teve mais sorte na sua actuação “pública” que um alemão de 38 anos, apanhado em 2004 pela polícia com as calças em baixo. Os agentes patrulhavam um centro comercial de Estugarda quando se depararam com o homem em pleno acto com uma boneca insuflável. Acabou detido.

Mas o cantor português está atento às evoluções do mercado e, no tom irónico que o caracteriza, diz que o objectivo da indústria “é chegar ao andróide, que anda e fala” e se pode tornar “ainda mais interessante.” Não acredita ter sido Hitler o pai da boneca insuflável e garante que “no tempo dos antigos Lusitanos já se faziam com recurso a pele de cabra. Eram cozidas e bastante bonitas”. Controvérsias à parte, as bonecas estão cá para dar e durar.

PERFIL DO UTILIZADOR: DA FESTA À INTIMIDADE

Os coleccionadores são fãs da boneca e compram várias sempre em busca da perfeição. São exigentes, acompanham o mercado e sabem o que querem. Procuram na Internet e vasculham nas revistas. Fazem encomendas do estrangeiro e conhecem

os produtos melhor que os empregados.

Os executivos param potentes carros à porta da ‘sex shop’ e entram em passo apressado. São rápidos e discretos, sabem o que querem e vão direitos ao assunto: bonecas de qualidade e sofisticadas.

Os foliões são jovens que promovem surpresas em despedidas de solteiro e festas de aniversário. Procuram as bonecas mais baratas para embaraçar os amigos.

Os emigrantes em África, sobretudo, vão comprar várias bonecas para uso próprio e vender. Os africanos em Portugal também são bons clientes.

PRÇOS PARA TODOS: BRINCADEIRAS DE PRAZER

20 EUROS

Valor a pagar pela companhia da boneca mais básica, toda ela em plástico e que enche de forma simples, à boca. Pode rebentar a um gesto mais brusco. Utilizada em brincadeiras.

250 EUROS

Não tem mais de meio metro e resume-se às partes íntimas da boneca. É uma peça sem corpo inteiro, mas revestida a silicone. A mais vendida.

800 EUROS

Mede 1,60 m e é toda revestida a silicone. Traz um kit completo com gel e vibrador aquecido em água, de modo a manter a temperatura ambiente nos 22 graus.

1500 EUROS

A mais cara já vendida em Portugal. Vestida, arranjada e toda revestida a silicone. Têm rosto de actrizes famosas.

16 MIL EUROS

Roça a perfeição nos seus 1,70 m, com temperatura, cabelos e pêlos enrolados pelo corpo. É a mais cara e disputada nas grandes feiras internacionais de sexo.

REI DO SEXO: ANTÓNIO BAPTISTA, EMPRESÁRIO

Quando deixou o Seminário Diocesano de Portalegre, onde estudou entre os 13 e os 17 anos, estava na altura de António Baptista conhecer Lisboa. E não demorou muito a descobrir a sua verdadeira vocação. Antes de 1990 já tinha projecto para o seu ‘Espaço Lúdico’ do Conde Redondo, a que se seguiram mais quatro ‘Contra Natura’ pela capital. Aos 43 anos, passa a vida entre Lisboa, Barcelona, Alemanha, Canadá, China ou Estados Unidos, e é o presidente da Feira Internacional do Sexo de Lisboa, o famoso Salão Erótico que trouxe para Portugal há dois anos e é considerado um sucesso. Fala de sexo com a naturalidade de um homem de negócios – e, como “historiador” que é, conta abrir o primeiro museu erótico em Portugal. Para ser “um verdadeiro sucesso”, claro.

DATAS RELEVANTES NA HISTÓRIA DA BONECA INSUFLÁVEL

1941

Adolf Hitler ordena ao médico dinamarquês Olen Hannussen que crie uma boneca insuflável, a primeira do Mundo.

1942

Os japoneses, em plena Guerra Mundial, fabricam bonecas insufláveis para uso dos marinheiros nos submarinos.

ANOS 70 E 80

Bonecas insufláveis são tema de canções punk e rock. Roxy Music, Frank Zappa e The Police inspiram-se nelas.

1982

Tentativa de fazer entrar bonecas na Grã-Bretanha dá origem à lei que proíbe importação de “material obsceno”

1987

O caso da proibição de entrada das bonecas ‘subiu’ ao Tribunal Europeu de Justiça, que obrigou a Grã-Bretanha a retirar a lei que determinou a interdição

1995

Início do impulso de desenvolvimento da chamada ‘Real Doll’ – boneca verdadeira –, muito mais sofisticada e bem distante da rústica boneca original.

AS PRIMEIRAS BONECAS

- Não tinham orifício na boca. Hitler exigiu que fossem brancas.

- Nos EUA, com medo da censura, não lhe desenham os mamilos.

- Os primeiros exemplares eram sobretudo bonecas de ‘companhia’.

- Nos anos 70, já com três orifícios, custavam cem dólares.

- Material: no princípio usava-se plástico galvanizado.

O ÚLTIMO MODELO

- Tem lábios, boca, língua e um mecanismo para chupar e morder.

- Pode escolher-se o tamanho, forma e firmeza dos seios.

- Tem ponto G, penugem, – e além de vibrar e apertar - liberta fluidos.

- Com extras (hímen, parecida com pessoas famosas) custa 16 mil euros.

- Textura especial: silicone imita a pele feminina.

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