Um ataque deixou-me deficiente. Depois entrei noutra batalha, pelo reconhecimento do meu estatuto.
DANIEL VIEIRA
Comissão
Guiné, 1973-1974
Força
Companhia de Terminal
Atualidade
63 anos, reformado do Exército com estatuto de deficiente das Forças Armadas
Assentei praça em Leiria em abril de 1972 e fui escolhido para o curso de sargentos milicianos para o quartel das Caldas da Rainha, onde fiz a recruta. A 4 de julho fui deslocado para Tavira, onde acabei finalmente o curso, em setembro de 1972. Dali, fui colocado em Castelo Branco para dar uma recruta até março de 1973, e nesse mesmo mês fui mobilizado para a Guiné.
Fui de avião e acabei colocado na Companhia de Terminal, criada em 1968 para fazer o reabastecimento na Guiné.
Aí fiquei no destacamento de Buba e foi lá que vivi os melhores momentos da minha passagem pela Guiné.
A 17 de março de 1974 fui deslocado para Bissau. Foi ali que vivi um dos momentos mais complicados da guerra. Aliás, foi ali que pensei que nunca mais iria regressar a Portugal.
ATAQUE NO RIO GÊBA
Num transporte pelo rio Gêba, fomos num batelão carregado de munições para Bambadinca. Além das munições, o batelão levava também várias sacas, que no regresso haveríamos de trazer carregadas de arroz. Depois de passarmos por Xime, fomos atacados pelo inimigo.
O primeiro a ser abatido foi o homem do leme e o batelão encalhou no lado contrário.
Eles, do inimigo, sabiam bem que levávamos munições e por isso, quando viram as sacas a arder, desataram a fugir, pois pensavam que o batelão ia explodir. Pensavam eles e pensávamos também nós.
Por isso, dei ordem a todos os homens que estavam livres para se lançarem à água. Até os crocodilos – o rio estava infestado deles – se tinham afastado por causa da onda de calor do barco a arder.
Ainda agarrei num cabo que estava muito ferido. Cha-mava-se Carlos Alberto dos Santos Matos. Fiquei com a mão dele impressa em sangue no meu camuflado, mas ele não resistiu.
Eram 24 toneladas de munições, portanto, voaram estilhaços por tudo quanto era sítio. Até as árvores que estavam na margem do rio ficaram com as copas cortadas, tal foi a violência. Do batelão, nada se aproveitou.
Ainda assim, foi por baixo dessas árvores que pendiam para a margem do rio que eu e o resto dos homens, todos africanos, nos abrigámos. Andámos à deriva pela berma durante dois dias até finalmente termos sido resgatados por uma companhia de Bissau.
Fiquei no hospital de Bissau alguns dias, por causa dos estilhaços no peito e na cabeça. Também me queriam amputar um pé, porque o tinha torcido e como tinha andado muito naqueles dois dias estava todo negro, parecia gangrena. No entanto, não foi preciso chegar a esse ponto.
Depois do acidente, fui colocado no aeroporto de Bissau no serviço de bagagens, até regressar definitivamente à metrópole, em setembro de 1974. Desse episódio vivido no mato vem a minha deficiência.
Já em Portugal, quando pedi para ficar no Exército, fui recusado por não estar em condições. Em 75 saíram-me finalmente os estilhaços da cabeça e fiz tratamento psiquiátrico, até que me aconselharam a pedir a reintegração com o estatuto de deficiente. Consegui, mas não fiquei no ativo, até que em 2003 fui novamente chamado para me apresentar ao serviço, sob pena de perder a minha pensão. Saí definitivamente em 2008. Ao fim de tantos anos de juntas médicas e braços de ferro, pude finalmente sossegar.
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