Histórias que envolvem doentes e hospitais. muitas fazem rir, mas também as há de fazer chorar.
Se recorrer às urgências não é uma situação agradável, recorrer às urgências e não ter boleia para voltar para casa – principalmente às sete da manhã – é suficiente para deixar qualquer um fora de si. Talvez não qualquer um, mas um certo cidadão que, em abril de 2004 – acabado de receber alta médica – não conseguiu arranjar ninguém que o levasse ao bairro da Cova da Moura, na Amadora, onde morava. Longe de se atrapalhar, o homem encarou a ambulância de emergência dos Bombeiros de Agualva-Cacém, que acabara de entregar um doente no Hospital Amadora-Sintra e tinha a chave na ignição sem condutor à vista, como a boleia que faltava.
A caminho de casa ainda conseguiu abalroar três automóveis e só por sorte não voltou para as urgências, desta vez para ficar. Podia ser ficção mas é verdadeira esta história, uma entre muitas contadas no livro ‘Depressa, Chamem um Médico’ (ed. Esfera dos Livros), das jornalistas Sónia Trigueirão e Paula Ferreira – uma panóplia de insólitos em consultórios, ambulâncias e hospitais portugueses que tão depressa provoca o riso como consegue arrepiar, dependendo da ‘doença’ que relata.
SUPOSITÓRIOS 'DIFÍCEIS'
"As histórias que mais me fizeram rir foram as histórias que mostram a forma como as pessoas comunicam com os médicos, é fácil de perceber que em determinados contextos sociais as pessoas olham para os médicos de família como amigos e conselheiros, que tratam da saúde mas também da alma destas pessoas", conta Sónia Trigueirão, jornalista na secção de Investigação do ‘Correio da Manhã’.
Como aquela história do médico Julião, que em visita a um doente de idade e doença avançada pergunta se os supositórios estavam a fazer efeito no combate às dores e recebe como resposta que tirar as dores até tiram, mas são muito difíceis de mastigar. Ou o homem que confessou ao dentista Joaquim que afinal não precisara de comprar uma prótese: o sogro morrera e deixara-lhe de ‘herança’ a dentadura, uma forma bem mais económica de resolver o problema da piorreia que lhe fizera cair todos os dentes, um por um.
O médico ficou surpreendido, mas talvez não tanto como terá ficado o clínico que atendeu num hospital de Lisboa um rapaz de 18 anos que introduzira uma lâmpada economizadora no ânus à procura não da luz mas da satisfação sexual.
Ninguém teria ficado a saber se a lâmpada tivesse saído por onde entrou, o que não aconteceu, pelo que foi necessário dilatar o esfíncter do adolescente para conseguir, enfim, retirar o insólito objeto. Envergonhada estava a mãe, que o acompanhou às urgências, prova provada de que as mães são para (todas) as ocasiões, por muito constrangedoras que possam ser.
Também em Lisboa, um enfermeiro que se encontrava na triagem percebeu que a mulher que tinha à sua frente estava com dores no braço porque estivera horas a masturbar-se, num esforço continuo, e não por qualquer razão preocupante. E enquanto uma troca de nomes ‘matou’ uma doente no Hospital de Fafe em 2007 – os filhos chegaram a contactar uma agência funerária, tudo porque na portaria houve um engano com os cartões de visitante –, em 2008 um hospital da zona Centro mandou entregar um homem… à família errada.
Ao ‘Correio da Manhã’, citado no livro, a mulher do doente contou que a neta lhe fez logo sinal a dizer que não era o avô, mas que não ligou porque estava "doidinha que ele chegasse. Quando comecei a ver a cara dele toda esfacelada, desconfiei. Depois olhei para os pés e vi que vinha descalço e o meu marido tinha levado meias e um pijama diferente", disse a idosa de 72 anos ao jornal, depois de finalmente receber em casa o marido certo.
"Ouvimos muitos relatos de profissionais de saúde, médicos e enfermeiros e pesquisámos sobre como tinham terminado muitos dos casos. Foram eles que nos deram dicas para chegar às histórias, mas as notícias dos jornais foram essenciais para a estrutura", explica Sónia Trigueirão sobre como se processou a recolha de histórias para o livro que assina.
"ATIRE-SE DA BARRAGEM"
Em ‘Depressa, Chamem um Médico’ não faltam histórias de operações aos membros errados, de doentes que entraram no hospital com os órgãos todos e saíram sem um deles, de compressas esquecidas no corpo humano por mais tempo do que seria imaginável, mas também conta que os médicos perdem o juízo volta e meia. Como o clínico de Tomar que que em outubro de 2013 disse a uma angustiada paciente, preocupada com o aparecimento de miomas e quistos nos ovários, que a solução para o seu caso seria atirar-se à barragem de Castelo de Bode. Como se não fosse suficiente, o médico acrescentou: "Tu estás velha, gorda, feia e podre".
Em 2002, uma paciente ficou indignada por razões diferentes: numa operação de remoção de uma verruga do interior da narina direita para análise patológica, a verruga... desapareceu misteriosamente da sala de operações. A queixosa, uma professora de Leiria, reclamou em tribunal a devolução do valor da intervenção cirúrgica e uma indemnização pelos danos que a perda da ‘peça’ (do tamanho de um grão de arroz) lhe causou, por não poder saber se era benigna ou maligna. Em consequência da angústia recebeu tratamento hospitalar e foram-lhe receitados antidepressivos e ansiolíticos.
Há também histórias que deixam um travo amargo a solidão. Como o do serralheiro de 60 anos que durante seis meses ligou quase sete mil vezes para o 112 – só num dia fez 55 chamadas. Insultou polícias e bombeiros e o Tribunal de Braga condenou o homem a pagar 2000 euros e a juíza avisou-o para não repetir a brincadeira.
Depois de um discurso incoerente, acabou por confessar que o fez para enganar a solidão. Como diz Miguel Ganhão, subchefe de redação do ‘Correio da Manhã’ no posfácio do livro: "Os portugueses têm uma relação de amor-ódio com o Serviço Nacional de Saúde."
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