Foram muito penosos os 21 meses que passámos em Bessa Monteiro, Angola. Os ‘turras’ estavam sempre à espera de um descuido nosso.
Assentei praça em Lanceiros 1 Elvas e passado um ano fui mobilizado para Angola, fazendo parte do Batalhão de Caçadores 1931, no Grafanil. Ia todo entusiasmado por finalmente deixar uma terra pacata, como era Loulé, e poder conhecer outro mundo.
O Grafanil era um campo militar onde estacionavam as tropas, perto da capital, Luanda, sem condições para receber tanta gente. Havia gente a dormir na rua e alguns de nós tivemos de montar uma barraquinha para poder ficar. Era enorme o contraste com a cidade, pois na altura Luanda era uma cidade desenvolvida, com restaurantes, esplanadas e muita população branca. Até os engraxadores eram brancos.
Mas nós, como tropa que éramos, estávamos lá para cumprir uma missão. Mal recebemos as armas, umas espingardas FN, fomos enviados para Bessa Monteiro, uma terriola situada a norte, junto à Mata da Sanga.
Naquele local já não havia população branca, pois em 1961, quando rebentou o terrorismo, os brancos que por lá andavam foram todos chacinados. A população negra, por seu lado, era constituída por cerca de 60 indivíduos, que viviam dentro do perímetro de arame farpado do aquartelamento juntamente com duas companhias e um pelotão de morteiros. Eram mais as mulheres, algumas crianças e poucos homens, não mais de 14. Algumas mulheres serviam-nos de lavadeiras e não existiram com eles conflitos de maior.
VIDA NO ARAME FARPADO
Bessa Monteiro era uma terra pequena, com uma dezena de casas abandonadas que serviam para as casernas e outros serviços. Tínhamos 14 postos de vigia com três soldados cada e, para além do arame farpado, o terreno estava armadilhado. As outras companhias sediadas em Baka e Quíbala Norte não sentiam estes conflitos. Aí não havia pretos nem brancos, havia gente. Mas em Bessa os pretos viviam em condições miseráveis, sem roupa, descalços, os pés roídos pelas matacanhas, as crianças magrinhas e ranhosas, com grandes barrigas.
Apesar da empatia que por eles sentíamos, éramos obrigados a estar sempre alerta. Eram todos ‘turras’ e se pudessem levavam a tropa à catanada. Das emboscadas e dos mortos não quero falar e apenas digo que os meteram em caixões e foram levados para Ambrizete, e daí seguiram para Luanda.
Foram muito penosos os 21 meses que passámos em Bessa Monteiro com os ‘turras’ sempre à espera de um descuido nosso. Aquela zona era terrível. Dos batalhões que por lá passaram, todos contam que sofreram várias mortes, e nós também fomos atingidos.
Apesar da enorme pressão, o batalhão cumpriu sempre bem a sua missão. Íamos a todos os locais para onde éramos chamados e nunca demos descanso ao ‘turra’. Recordo que o medo foi crescendo dentro de mim à medida que o tempo passava. Era mais penoso durante as colunas, que fazíamos todas as semanas, para o reabastecimento. Percorríamos 100 quilómetros, em colunas de oito viaturas, muitas vezes escoltados pela Força Aérea, sempre alerta.
DEVER CUMPRIDO
Hoje, já velho, lamento que os nossos governantes nos tenham abandonado e até parece que sentem vergonha de nós. No entanto, se o rumo da história tivesse sido outro, lá estariam eles na primeira fila para receber os louros. Mas foi sempre assim. Há uns séculos, o padre António Vieira dizia "serviste a pátria e ela foi-te ingrata. Tu cumpriste o teu dever e a pátria fez o que costuma fazer". Apesar de tudo, ainda não me arrependi.
Comissão
Angola, 1967/1970
Força
Batalhão de Caçadores 1931
Atualidade
Reformado, vive em Loulé
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