Aumentou o interesse por aves exóticas. Particulares e criadores investem em espécies que valem muitos milhares
A história do papagaio ‘Alex’, que durante três décadas foi ‘educado’ pela comunidade de cientistas da Universidade de Harvard, em Cambridge (Reino Unido), é apenas um exemplo do que estas aves raras são capazes de aprender. Considerado o mais inteligente do Mundo, ao morrer, em 2007, conseguia identificar 50 objetos, sete cores e contar até seis, e possuía – dizia a sua tutora, a cientista Irene Pepperberg – a inteligência de uma criança de cinco anos.
Foi também perto dessa idade que João Vargas despertou para a sua paixão por aves. Começou com mandarins, canários e periquitos, ainda em casa dos pais, e mais tarde alargou o espaço para poder receber aves exóticas. Numa quinta na Azambuja, este engenheiro de formação e a mulher Sílvia criam aves exóticas de todas as cores, e entre as gaiolas e a vegetação natural distinguem-se papagaios e araras, por serem mais vistosos e bem-falantes. Diz este criador que manter um espaço para aves exóticas "faz mais sentido pelo prazer lúdico do que por um intuito puramente comercial". Ainda assim, não esconde que, apesar da crise sentida em 2012, estas aves atingem grandes valores. "A mais valiosa que possuí foi uma arara glaucogularis, nascida em cativeiro, no Loro Parque, de Tenerife, mas com origem no sul do Brasil, que vale cerca de três mil euros", diz.
Seja pelo exotismo das cores, pela capacidade de reproduzir a voz humana ou pelo estatuto de raridade, o desejo de possuir aves exóticas de grande porte tem aumentado nos últimos anos na Europa. Quem procura são criadores, parques – que apostam nos shows de aves – e particulares de todas as latitudes, desde o cálido Portugal à gélida Rússia. Mas a par do negócio legal, surgem notícias de roubos e tráfico de aves.
"O aumento crescente da procura deste animais, para animal de companhia ou para coleção, levou ao terceiro maior negócio ilegal do Mundo, atrás das armas e da droga", nota João Loureiro, do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF). E o comércio ilegal de animais movimenta cerca de 7,5 mil milhões de euros anualmente, segundo dados da Secretaria da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (CITES), com sede em Genebra.
RARAS E VALIOSAS
É nos confins das florestas da América do Sul e de outros destinos tropicais que nascem as espécies mais apreciadas. Confinado na Europa o comércio de aves às que nascem em cativeiro – medida tomada após o primeiro surto de gripe das aves –, criadores e particulares tentam reproduzir em parques as condições da natureza.
No espaço do Papagaios Park, na Azambuja, as aves voam em liberdade. As de maior porte ou mais raras, como as araras, interessam essencialmente a criadores, pois obrigam a grandes espaços e gaiola de dimensões generosas. Já nos que são escolhidos para animais de estimação lidera o papagaio-cinzento de-cauda-vermelha (africano). "É o que se vende mais. É das espécies que melhor se reproduzem em cativeiro, e a que melhor imita a voz humana. Faz menos barulho, também, pois dá apenas uns assobios, enquanto os papagaios-verdes são mais barulhentos", frisa Jorge Baptista, outro criador, com espaço na Maia.
Oitocentos euros é quanto pode custar um papagaio-cinzento. Nos verdes, dos quais existem mais de 50 subespécies, o custo varia entre os 500 e os dois mil euros, nota o criador, que está neste negócio há mais de 15 anos.
O custo para particulares manterem uma ave exótica, concorda quem lida de perto com estes animais, não supera os 20 euros mensais em despesas com a alimentação. O retorno em termos de companhia, frisam, compensa o gasto, pois quando criadas em cativeiro estas aves podem ganhar competências que as distinguem.
‘Alex’, o famoso papagaio de Cambridge, chegava a manipular os cientistas. Pepperberg contou à Reuters que, por vezes, eram obrigados a repetir os testes "60 ou até 70 vezes para conseguir um bom resultado, pois nas primeiras 12 ele fingia-se inanimado".
Certo é que "as aves criadas à mão ganham uma característica, a que os criadores dão o nome de ‘impressing’, que resulta num ganhar de consciência, como se fossem humanas", avança João Vargas. "Essas aves, por norma, não reproduzem, pois por acharem que são humanos não acasalam com outras aves. São as mais dóceis e podem ser bons animais domésticos."
Já as aves destinadas a reprodução "devem ser criadas pelos próprios progenitores", adianta João Batista, que todos os anos guarda uns tantos ovos para manter a criação.
MERCADO PARALELO
Mas, apesar da Europa ter legislação que obriga ao registo de todas as espécies, através do CITES, o fascínio por animais raros e selvagens ainda move colecionadores internacionais, que optam pelo mercado paralelo.
Em 2011, Portugal registou a maior apreensão de aves ilegais, ao detetar mais de cem ovos de aves raras, transportados de avião e colados ao corpo de ‘correios’ contratados por traficantes, referem os dados do ICNF. Já em 2012, aumentaram os roubos de aves a particulares.
João Loureiro, biólogo e responsável do ICNF, nota que estas duas atividades são distintas. "O tráfico implica redes, com ligações ao Brasil, de que Portugal é uma porta de entrada para a Europa. No caso dos roubos, cujo número aumentou exponencialmente, serve essencialmente para a venda a particulares, pois o português sempre gostou de ter aves."
Quem rouba está bem informado, "sabe ao que vai e entra nas casas que possuem animais mais valiosos", nota. Exemplo disso foi o assalto ‘cirúrgico’ ao Zoo de Lagos, a 27 de dezembro de 2012, que fez desaparecer cinco araras, avaliadas em três mil euros cada. Uma das aves foi avistada por um particular e entregue no local, outras três regressaram de forma natural ao Zoo. "Quem as levou terá tido medo de as vender e largou-as", frisou Paulo Figueiras, diretor do Zoo de Lagos.
São precisamente as espécies raras, e por isso mais valiosas, as preferidas no tráfico, diz João Loureiro. "Em Portugal não há colecionadores com o poder de compra de outros países", nota, frisando que se um papagaio pode atingir um valor de 15 mil euros, e por isso ser suscetível de cativar um colecionador local, a arara--azul-de-lear, que chega a valer 90 mil euros, é uma das espécies mais ‘exportáveis’ [ver caixa]. "Quanto mais rara é a espécie, mais cara se torna no comércio ilegal, pois no caso de ser uma espécie protegida nem sequer se pode comprar legalmente", explica o biólogo.
Em Portugal, já foram "intersetadas algumas das aves mais caras e desativadas quatro redes de tráfico, que incluíam portugueses, brasileiros e outros estrangeiros. Muitas destas redes funcionam para branqueamento de dinheiro e estão ligadas a outros negócios ilegais, como tráfico de droga e tráfico humano", explica o responsável do ICNF.
OVOS DE OURO
O tráfico faz-se essencialmente com ovos, transportados via aérea – que podem custar de dez a 50 mil euros, diz fonte do SEPNA, Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR – e que assim facilitam a ‘legalização’ das aves já nascidas em solo europeu. No entanto, o registo obrigatório "limita os danos".
"Há obrigação de dar informação sobre instalações, fazer um averbamento anual de nascimentos, mortes, vendas e trocas de todos os animais", que devem ser obrigatoriamente marcadas com microchips, no caso das aves, e possuem um Bilhete de Identidade, que explica o local de nascimento, a ascendência, etc.", frisa João Loureiro.
Com uma longevidade que pode chegar aos 80 anos, "araras e papagaios são mantidos como animais de companhia por todas as sociedades, desde os índios do Brasil aos colonizadores, até aos dias de hoje", frisa João Batista. E, a par da alimentação saudável, estas aves devem ser mantidas em "atividade, de forma a combater o tédio e a monotonia".
No ano passado, um vídeo do papagaio ‘Lala’, da Coreia do Sul, tornou-se viral na internet por mostrar a ave a fazer 50 imitações diferentes.
ARARA-LEAR VALE 90 MIL EUROS
Considerado um dos animais mais apetecíveis pelos apreciadores de aves raras, a arara-azul-de-lear tem origem no Sul do Brasil e é uma das espécies mais protegidas. Segundo registos mundiais, existirão menos de 200 mil indivíduos em estado selvagem, o que originou a proibição do seu comércio. Ainda assim, as redes de tráfico de aves – o terceiro maior negócio ilegal do Mundo – fazem circular exemplares desta arara, que no mercado paralelo chega aos 90 mil euros, diz João Loureiro, biólogo e responsável do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas. Também os ovos destas arara são transacionados neste tipo negócio.
NOTAS
HABITAT
O Brasil é o país com mais espécies de psitacídeos – papagaios, araras e catatuas – do Mundo: mais de 80.
NOBRE
No séc. XVI, araras- -vermelhas e papagaios-verdes enfeitavam os jardins nobres da Europa.
VOZ
Na Natureza, os papagaios usam o canto para comunicar. Em cativeiro, reproduzem os sons domésticos e a voz humana.
FAMOSO
O papagaio mais famoso, ‘Alex’, viveu na Universidade de Cambridge até 2007. Identificava 50 objetos e sabia contar até seis.
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