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O som do sexo

É sobre as letras das músicas que um estudo norte-americano diz influenciar os adolescentes para uma vida sexual. A culpa está nos versos degradantes. Mas será que é mesmo assim?

20 de agosto de 2006 às 00:00

Não há como tirar o sexo das letras musicais. Para os músicos, seria como retirar o sexo da existência humana. Impossível. Para um investigador norte-americano são as músicas com carácter sexual explícito que encorajam os adolescentes a tornarem-se sexualmente activos.

A culpa é do rap e do hip-hop e a meia-culpa é do rock e da popular. É possível? “Eu acho que sim, agora não é só isso”, considera o coordenador de psiquiatria do Centro de Apoio e Desenvolvimento Infantil. Em última análise, acrescenta Carlos Filipe, jovens com um enquadramento educacional e cultural adequado têm menor apetência para consumir este tipo de conteúdos.

Steven C. Martino, autor do estudo ‘Exposição a versos degradantes, letras musicais não degradantes e comportamento sexual na adolescência’, publicado na revista norte-americana da Academia de Pediatria, dá o exemplo: “Sou rapaz, tenho 13 anos, e estou sempre a ouvir nas letras de músicas que as mulheres são objectos sexuais e os homens os dominadores, até posso começar a pensar que seja um comportamento normal para mim”, relata o psiquiatra.

Pelo contrário, as raparigas não parecem ofendidas com o retrato feito nas músicas. A equipa de Martino seguiu 1461 adolescentes com idades entre 12 e 17 anos durante três anos e provou que músicas com teor sexual explícito e degradante influenciam a vida sexual dos jovens. O hip-hop e o rap são os géneros culpados. Só que Martino e a sua equipa de investigadores concluiu que este problema não depende só do facto das músicas tratarem o sexo de forma explícita. O problema está na linguagem e na forma como homens e mulheres são retractados.

O estudo não é só uma metáfora para explicar a liderança norte-americana de gavidezes na adolescência. Em Portugal, este tipo de gravidez é vice-campeã da Europa: 22 casos em cada mil raparigas entre os dez e os 19 anos. E apenas um quinto dos homens são adolescentes. Estatísticas incomparáveis às recordistas norte-americanas, acresce que no nosso País o uso geral dos contraceptivos é desastroso. É uma questão social.

Carlos Filipe explica que no estudo há uma correlação positiva entre o comportamento sexual e o conteúdo musical explícito. Porquê? Das duas uma: É a audição deste conteúdo que determina um comportamento sexual precoce; ou já há apetência para uma atitude sexual precoce. Mas há uma terceira hipótese defendida no estudo: A de que ambas aconteçam. Muito provavelmente os jovens que ouviam músicas com conteúdo sexual explícito e degradante também assistiam aos ‘videoclip’ e a concertos ao vivo. Nessas circunstâncias os ouvintes têm maior contacto com a música e a banda.

PAC, A VOZ DOS DA WEASEL

É o autor das letras da banda, considera que “dizer que a música influencia as crianças” é uma “visão hipócrita e mesquinha, típica dos norte-americanos”. O músico e líder de uma das bandas de culto da actualidade não deixa, por nada, de criar músicas sobre sexo e com mulheres. “Há-de haver e, graças a Deus, há. O sexo é uma parte importante da nossa vida, portanto, tinha de fazer parte das nossas letras”. Outra história é subjugar o papel da mulher. Aí sim, “pode ser uma influência na forma de se olhar a mulher”. Abolir o teor sexual: “Acho ridículo”, diz Pac, “o instinto sexual acompanha-nos desde uma idade precoce”. Mas porquê culpar a música? “É um sinal dos tempos, poderá ser o cinema, a publicidade, a televisão a ter esse papel, mais do que a música!”, defende o vocalista.

Mas Pac dá exemplos: Marvin Gaye, com a letra ‘Sexual healing’, “é mesmo o instinto animal que é comum a toda a gente.” E o filme ‘American Pie’? “Esta deve ser a melhor ‘chicotada’ de sexo na adolescência”, escreveu um fã no site da maior base de dados do mundo na especialidade, IMDb. Esta é uma realidade do sexo na adolescência. Mas em cinema. Só que os ídolos musicais de uns, são uma ofensa a outros. Foi o caso de Madonna, que voltou à polémica. O seu concerto em Roma, paredes-meias com a cidade do Vaticano, foi bastante censurado pelo Papa, que pedia o cancelamento. Resultado: uma casa cheia de romanos assistiu ao espectáculo – Madonna foi crucificada em palco.

PARA O AUTOR DO ESTUDO

Steven Martino, há músicas com um teor sexual não degradante, como a letra ‘Dizzy’, dos Ninety-Eight Degrees. Sobre essas não há nada de factual que diga influenciar adolescentes para uma vida sexual precoce. Agora, por exemplo, a letra ‘Livin’It Up’, de Ja Rule, é “degradante”, diz o sociólogo norte-americano. Pior será uma mistura bombástica de músicas que falem de sexo explícito, casual, ou simplesmente romântico. E aí, Martino culpa a geração de leitores de mp3 que invadiu o mundo. Não é possível os pais controlarem 300 músicas diferentes num aparelho destes, defende.

Mais a mais, através da Internet qualquer miúdo pode transferir para este ‘gadget’ qualquer canção... Já que a tarefa da família em proteger os filhos de conteúdos menos próprios se torna difícil, o investigador aconselha o recurso ao diálogo, explicando a forma como os adolescentes podem ser “críticos” ao que ouvem e aos seus comportamentos futuros. Carlos Filipe discorda. Os pais podem estar em discordância, concordância, ou indiferentes. “Não basta a discordância, é preciso oferecer alternativas mais interessantes, mais apelativas do ponto de vista cultural e afectivo.”

OS FALSOS SUPERMACHOS

O estudo norte-americano tem uma conclusão comportamental: Os rapazes que ouvem músicas com letras sexualmente degradantes – onde as mulheres são subjugadas a um poder machista e másculo – são influenciados a pensar que esta é uma realidade que eles próprios poderão vir a adoptar...

- Rapazes podem ser influenciados por letras de músicas sexualmente degradantes, diz o estudo, para maltratar mulheres

- 12 a 17 anos são idades vulneráveis a influências sexuais

- 22 em mil portuguesas engravidam antes dos 19 anos. Portugal é vice-campeão da Europa de gravidez na adolescência

- Sexo A maioria dos jovens apenas se aconselha com amigos

Não basta gostar do ritmo, é preciso sobretudo saber interpretar as letras. Siga alguns destes conselhos para superar alguns problemas com a música.

FÁCIL DE OUVIR

Transportar música não é problema com os leitores de mp3. Acontece que quem usa estes aparelho deve escolher as músicas de que gosta e as letras que sabe interpretar. Parece um lugar-comum, mas para os adolescentes esta tarefa pode carecer da ajuda de um adulto, já que os pais devem criar hábitos musicais.

MITOS SUPERSTAR

As estrelas da música têm tendência a criar personagens nas suas músicas, e muitas, para marcar os fãs. A sua postura em palco também é condicionada pela imagem que querem fazer passar. Saber interpretar a letra é a melhor forma de distinguir os comportamentos humanos correctos.

CONSELHO DOS PAIS

O autor do estudo, Steven Martino, aconselha os pais que se preocupam com as músicas que os filhos ouvem, nomeadamente com as mensagens que estas transmitem: conversem sobre o significado das palavras e o contexto da própria música; procurem desenvolver nos filhos um espírito crítico.

A IDADE DO SEXO

Não há uma idade definida a partir da qual se possa iniciar uma vida sexual saudável. É preciso que o jovem tenha maturidade, sentido de responsabilidade e, de preferência, que conheça o seu parceiro. Em qualquer caso, é desejável que o jovem fale da sua sexualidade com um médico e familiares próximos.

A OPINIÃO DA JORNALISTA DULCE GARCIA

O sexo é masculino, a sexualidade é feminina. E isto faz toda a diferença. Os rapazes querem saber tudo sobre o funcionamento da coisa. As raparigas querem vivê-la. Eles escondem-se debaixo da cama a contar piadas sobre pilinhas e coram de vergonha quando têm de dar um beijo a uma menina. Elas, bom, elas correm atrás deles a fazer declarações de amor quando ainda mal largaram os cueiros.

Um dia destes a minha filha – prestes a fazer três anos – agarrou-me pelos maxilares para me dar um beijo. Não era um beijo qualquer e a fogosidade do gesto devia ter-me alertado. “Mãe, quero beijar de boca aberta”. Ri-me, claro. Mas perante a insistência comecei a perguntar-me de onde lhe vieram estes ímpetos carnais. “De boca aberta porquê?” Lá fundo, a sua resposta trapalhona só veio confirmar as minhas suspeitas. “É como o Tiago beija a Matilde”. Para quem não sabe o Tiago é o galã da terceira série dos ‘Morangos com Açúcar’ e a Matilde, como está bom de ver, é a partenaire.

Tentei dissuadi-la do gesto. Ainda tento, já que ela vai insistindo, amiúde, na provocação. E não se fica por aqui. Durante as férias, reencontrámos um amigo do irmão, agora com 11 anos. Bastou um par de horas para ela se pendurar no braço do miúdo, e pôr-se a fazer declarações de amor misturadas com abracinhos. O irmão aproveitou para incentivar as investidas, achando tudo aquilo de um gozo supremo. Claro está que, para ele, ouvir alguém dizer, alto e bom som, “dá-me um beijinho” ou “estou apaixonada por ti”, é a maior de todas as ousadias. O próprio, 15 dias antes, recusara dar um beijo àquela que apelida de namorada, no dia do seu aniversário.

Passou uma semana a contar os minutos para a ver e oferecer-lhe o presente que escolheu a dedo, e quando ela apareceu, escondeu-se debaixo do banco do carro a emitir uma espécie de urros que traduzi como a mais inocente expressão do seu embaraço. As crianças podem despertar mais cedo para a sexualidade por causa de séries de televisão e das letras da música pop. Mas há coisas que nunca mudam. Os rapazes falam, falam, falam e não fazem nada. As raparigas, pela calada, fazem tudo sem dizer nada a ninguém.

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