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O verdadeiro Cavaquistão está a morrer

Há cinco anos, Alvaredos deu 100% dos votos a Cavaco Silva. Agora só um eleitor falhou. Mas a aldeia de Vinhais definha sem jovens

30 de janeiro de 2011 às 00:00

"Isto aqui em Alvaredos demora cinco minutos a contar os votos. Somos tão poucos..." Paula Silva, de 32 anos, sai da pequena sala da Junta de Freguesia onde funcionou a urna das eleições presidenciais. Dirige-se ao pai, António Francisco Silva, presidente da Junta, e comunica-lhe a contagem de votos. António liga para a Câmara Municipal de Vinhais e dá os resultados: "São 59 votos: 55 para Cavaco Silva, 1 para Manuel Alegre e 3 em branco".

E assim Alvaredos conquistou, pela segunda vez, o título de freguesia mais cavaquista de Portugal. Em 2006, o agora reeleito Presidente tinha conseguido 100% dos votos – arrebatou 83 cruzinhas em Alvaredos. António Silva mostra uma certa desilusão por a terra ter falhado o pleno da segunda vez. "Quem será que votou no Alegre?", pergunta.

Ainda assim, com 98,21%, esta é a maior percentagem que Cavaco Silva conseguiu em todo o País (em Granhos, Salvaterra de Magos, teve 100% dos votos, mas aí, devido a um boicote, só votaram 8 pessoas).

As televisões não começaram as emissões eleitorais quando se fecha a Junta de Freguesia. Dois vizinhos discutem quem terá sido o autor do voto em Alegre. Atiram nomes para o ar, mas sem chegar a conclusão nenhuma. A conversa dura pouco. São sete e meia da noite e não se vê vivalma. O termómetro marca zero graus e a escuridão tomou conta da aldeia.

UM HOMEM HONESTO

Dia de eleições é sempre um acontecimento que quebra as rotinas da aldeia. Com cerca de 70 residentes, Alvaredos conta com 102 nomes nos cadernos eleitorais, mas grande parte não aparece para votar: "São pessoas que estão fora, muitas delas emigradas. Só vêm cá no Verão", conta António Silva, que na juventude também andou pela França a trabalhar.

Cremilde dos Anjos, de 78 anos, Maria Isabel, de 49, e Alexandrina Gonçalves, 69, conversam na rua, aproveitando o sol da manhã. As três já votaram: "Gosto do Cavaco, estou habituada a ele. Há-de vir cá ver-nos um dia", diz Cremilde.

Alexandrina não sabe ler nem escrever e pouco liga à política. Mas está segura da sua escolha. "O povo é pela democracia. Gosto do Cavaco, os outros candidatos nem sei o nome deles". Avisa que "os políticos querem é encher a carteira". Mas com o marido "manco e coxo" e um filho "que não é muito bom da cabeça" em casa, a luta de Alexandrina é chegar ao fim do mês sem exceder os 440 euros de reformas com que se governam. Tem três filhos em Espanha que raramente vêm a casa.

Em Alvaredos, quase toda a gente tem um punhado de terra onde cultiva batatas e vinha. Natália Afonso, de 65 anos, sobe a rua principal com um molho de lenha às costas. Há-de acender o lume da casa onde vive com o marido e um filho de 27 anos, o mais novo trabalhador da aldeia: "Ele é padeiro numa terra aqui perto, foi o único que conseguiu arranjar emprego". Reformada há poucos meses, nunca saiu de Alvaredos e as andanças da política nacional dizem-lhe muito pouco. Ainda assim, também alinha em Cavaco Silva: "Ele é boa pessoa. É mais honesto. Não tenho fé no Alegre".

O vizinho Clemente Macia, que em tempos ganhou a Junta a António Silva, é militante do PSD. Seguiu a campanha eleitoral com mais atenção: "Os ataques que fizeram a Cavaco na campanha não me dizem nada. Ele já tinha explicado tudo na internet". Clemente vive em Bragança, onde a televisão por cabo e a internet chegam a todo o lado. Ali, todos dependem das redes móveis e do satélite. Mas Clemente lamenta não ter tido "condições para continuar a viver em Alvaredos." "Sem empregos é impossível", explica.

DE CAPELA EM CAPELA

Francisco Gomes, de 45 anos, está a fazer uma casa nova. É uma das duas únicas obras em curso na aldeia. "Fui o único que fiquei de todos os meus familiares e amigos, mas é preciso fazer alguma coisa". Trabalha no matadouro de Vinhais e é ele quem trata das matanças do porco que ainda se vão fazendo por aqui.

A tarde eleitoral é um bom pretexto para os vizinhos andarem de adega em adega a experimentar o vinho novo. "Lá em baixo, nas cidades, não temos oportunidade de andar de capela em capela, como aqui", diz Francisco Branco, que voltou a Alvaredos há 27 anos, depois de ter sido polícia em Angola, Lisboa e Gaia e taxista na cidade da margem esquerda do Douro.

SEM OPORTUNIDADES

Sofia, de 17 anos, é a mais nova residente de Alvaredos. Mas não por muito tempo. "Quando acabar a escola quero ir para Bragança", diz a jovem que tem uma irmã em França. Vai todos os dias de táxi para Vinhais, a 15 km. Quando regressa, espera-a uma aldeia sem jovens. "Ela não sai, depois da escola fica em casa", assegura a mãe, Maria Isabel, que cuida da avó de Sofia – aos 89 anos é a pessoa mais velha da terra.

"Temo que daqui a 20 anos Alvaredos já não exista. A população está muito envelhecida e os mais novos não querem ficar", conta o presidente da Junta.

João Carlos, de 29 anos, está de visita ao pais. Militar em Santa Margarida (perto de Abrantes), saiu da terra a contragosto: "Gostava muito de viver aqui, mas não há trabalho. Só a Câmara de Vinhais é que dá emprego". João foi um dos últimos alunos da escola primária da aldeia, fechada há 15 anos. "Mesmo em Vinhais, no meu tempo éramos 1800 alunos. Agora são menos de metade".

Armindo Barreiro, pai de João e de mais três filhos, veio da tropa em 1969 para descobrir que todos os seus amigos tinham partido. Também ele esteve em França cinco anos e depois trabalhou no campo e na criação de animais. Conta a história dos negrilhos, árvores típicas da região, que "desapareceram todas em poucos anos, por causa de uma doença estranha". A doença de Alvaredos não tem nada de estranho. Chamam-lhe velhice.

NÃO HÁ QUEM SUBA AO PAU

Em Alvaredos faltam os jovens, mas quem resiste por ali insiste em manter vivas as tradições. No Inverno mata-se o porco, no Verão festeja-se o São João. Há dias, viveu-se um outro festejo típico. "Aqui celebramos o Santo Antão, que é o padroeiro dos porcos", explica Francisco Branco.

A tradição manda que se corte um tronco de pinheiro, que é descascado e enterrado ao alto no centro da aldeia. Antigamente, penduravam-se doces e brindes no topo do ‘pau’, e os mais jovens aventuravam-se a trepar para reclamar o prémio.

Este ano o ritual foi frustrante. Já se sabia que não havia jovens para subir ao pau, mas o pior é que Francisco, a quem cabia erguer o pinheiro, caiu e magoou-se. Já não houve pau, mas sobra ainda a amizade que une os da terra.

NOTAS

102

É o número de recenseados em Alvaredos, menos 17 do que em 2006. A abstenção foi agora de 42%.

70

É o número estimado de habitantes de Alvaredos. No Verão, os emigrantes mais que duplicam a população.

98,21%

Alvaredos registou a maior percentagem de votos em Cavaco Silva. Só um dos 59 votantes escolheu outro candidato – Alegre.

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