Advogado de ‘El Chapo’, a ser julgado em Nova Iorque, alega que o líder é ‘Mayo’.
O narcotraficante mexicano Joaquín Guzmán Loera, antes da Netflix começar a exibir, no ano passado, a primeira temporada da série televisiva com o título da alcunha do maior ‘barão da droga’ – ‘El Chapo’ (‘O Baixinho’, pois só mede 1,68 metros) – , já era tão famoso que despertara o interesse de Hollywood. E o ator Sean Penn, aproveitando a cumplicidade que se estabelecera entre a atriz mexicana Kate del Castillo e o bandido de bigode negro, tinha tentado entrevistá-lo num esconderijo secreto nas montanhas de Sinaloa, para onde terá sido conduzido numa avioneta que escapava aos radares, como contaria num artigo da revista ‘Rolling Stone’.
‘El Chapo’, que está a ser julgado em Nova Iorque e pode vir a ser condenado a prisão perpétua, foi sempre apontado como o líder do principal grupo de tráfico de droga, o Cartel de Sinaloa – ao ponto de se tornar, após Osama bin Laden ter sido abatido, o criminoso mais procurado do Planeta. Mas o seu advogado de defesa, Jeffrey Lichtman, surpreendeu o Tribunal de Brooklin ao declarar, logo na primeira audiência, na terça-feira da semana passada, dia 13, que o seu constituinte "não controlava nada, pois quem o fazia era Ismael ‘Mayo’ Zambada" – o verdadeiro chefe. Lichtman foi mais longe: sustentou que o ex-sócio de Joaquín ‘El Chapo’ Guzmán "consegue que o exército e a polícia no México matem quem ele quiser" e revelou que o atual presidente, Enrique Peña Nieto, e o seu antecessor, Felipe Calderón, receberam "centenas de milhões de dólares em subornos" pagos por ‘Mayo’ Zambada – ambos os estadistas refutaram logo essa afirmação.
O promotor do Ministério Público, Adam Fels, pelo contrário, apresentou o arguido, não só como o responsável pela venda de narcóticos no país durante mais de 25 anos – só as toneladas de cocaína davam para cada um dos 300 milhões de americanos terem inalado um ‘risco’ de pó branco –, mas também como um assassino implacável, que torturava e executava membros dos grupos rivais (a guerra entre cartéis provocou um clima de terror no México, com tiroteios a matar crianças na escola ou cabeças decepadas lançadas em pistas de dança das discotecas), e a ameaçar testemunhas que irão agora depor sob anonimato. A acusação sustenta que tem um processo com 300 mil documentos, em que se incluem centenas de telefonemas e emails, gravações em vídeo e fotos de satélite.
Até agora, Joaquín ‘El Chapo’ Guzmán era considerado quase um génio empresarial, pois diversificou os ‘negócios’ (juntando aos lucros dos estupefacientes, os do tráfico de armas, sequestros e extorsões), acumulando uma fortuna que a revista ‘Forbes’, calculando que seria superior a mil milhões de dólares, o classificou como o 701º homem mais rico do Mundo, em 2009.
Sicília mexicana
O Cartel de Sinaloa, em termos de receitas ilegais e de derramamento de sangue, costuma ser comparado ao rival Cartel Los Zetas, aos ramos da máfia italiana Camorra e Ndrangheta, às organizações russa Solntsevskaya Bratva e brasileira Primeiro Comando da Capital, à milícia queniana Mungiki e à seita japonesa Yakuza, aos bandos americanos Crips e Bloods, Mara Salvatrucha 13 e Irmandade Ariana.
A cocaína, a heroína (fabricada a partir do ópio ou sintética), o haxixe e as metanfetaminas, que a acusação do Ministério Público dos Estados Unidos da América sustenta que entram no país de avião, em barcos de pesca e até em submarinos, também é traficada para a Europa e mesmo para a Ásia. O Cartel de Sinaloa, fundado na década de 80 e com base na cidade de Culiacán, mas que estende os seus tentáculos por mais de meia centena de países, terá superado já os lucros do colombiano Cartel de Medelín, do igualmente famoso Pablo Escobar.
‘El Chapo’ e ‘El Mayo’, ambos de origens humildes, nasceram em Badiraguato, a cidade do estado de Sinaloa que é conhecida, desde a década de 1940, como a ‘Sicília Mexicana’, quando ali se começou a plantar a papoila do ópio e a fazer heroína, beneficiando de uma boa rede de estradas e de caminho de ferro. Aliás, Sinaloa, em vez de ser conhecido pela prática de um tipo de futebol que vem do tempo dos astecas (o ulama), tem projeção internacional devido a este cartel.
Mito Robin dos Bosques
Em contraste com ‘El Chapo’, que teria uma metralhadora Kalashnikov com banho de ouro e uma pistola cravejada de diamantes com as suas iniciais, ‘Don Mayo’ Zambada é discreto, evita os luxos e tem mais estilo de empresário do que de traficante, usando dinheiro em vez de violência nos seus negócios criminosos.
E, ao contrário de Guzmán, três vezes apanhado – a primeira em 1993, na Guatemala, que o recambiou para o México, evadindo-se da prisão de Jalisco, escondido numa carrinha de roupa suja, em 2001 (e consta que ali "vivia como um rei"); a segunda, em 2014, conseguindo fugir da cadeia de Altiplano, no ano seguinte, através de um túnel, iluminado e ventilado, escavado a partir da sua cela e com quilómetro e meio de extensão (desconfia-se da cumplicidade de guardas prisionais); a derradeira em 2016, encarcerado numa cela isolada da penitenciária de Ciudad Juárez, onde jogava xadrez e lia o D. Quixote, com centenas de polícias e soldados a vigiarem o também conhecido como ‘O Último Padrinho’, sendo extraditado, a 19 de janeiro de 2017, para os EUA (que chegaram a oferecer uma recompensa de sete milhões de dólares a quem o capturasse), onde foi colocado num estabelecimento de máxima segurança em Nova Iorque –, ‘Mayo’ Zambada nunca passou qualquer noite num cárcere.
A explicação pode ser a sua prudência, pois o marginal de 70 anos de idade e 53 de atividades ilegais tem um eficaz sistema de comunicações e nunca dorme no mesmo local; conta com o apoio da população pobre, uma vez que o cartel financiou projetos para serviços de saúde e de educação em comunidades carenciadas (substituindo-se, assim, ao governo); e beneficia da prática do suborno, distribuindo verbas desde os guardas aos políticos.
A exemplo do que sucedeu com gangsters americanos, como o "inimigo público número um" John Dillinger ou o casal ‘Bonnye and Clyde’, mais populares entre o cidadão comum, que lia nos jornais ou ouvia na rádio os seus golpes e fugas, do que os polícias que não os conseguiam capturar, também ‘El Chapo’ criou uma quase lenda de moderno Robin dos Bosques – e tentou contratar um ‘escritor fantasma’ para escrever a sua autobiografia, em que apareceria como um romântico "bandido com coração", que ajudava os pobres e era amado na sua terra. Há ‘corridos’ (temas folclóricos mexicanos) com as façanhas de ‘El Chapo’, que também é idolatrado por rappers americanos, como Gucci Mane, que canta: "Tudo que eu quero ser é ‘El Chapo’ / E, quando o conhecer, vou-lhe dizer bravo".
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