Éramos uns miúdos quando, logo no início da comissão, fomos chamados para a operação ‘Nó Górdio’
Assentei praça em Aveiro, a 21 de outubro de 1969, depois fui tirar a especialidade a Évora, no Regimento de Infantaria 16, em janeiro. Fui mobilizado em março de 1970, depois fomos para Faro. Embarcámos no dia 20 de maio de 1970 no ‘Niassa’, em Lisboa, faz agora 49 anos. Fizemos escala em Luanda, chegámos a Lourenço Marques a 10 de junho, subimos direitos à Beira, fomos a Nacala e desembarcámos em Porto Amélia, no dia 18 de junho de 1970.
Era noite e fomos pernoitar a Montepuez. Continuámos direitos a Nairoto, onde ficámos mais uma noite, em seguida continuámos para Mourite e dali para diante já era a guerra. Fomos ficar a Nacatara e dali seguimos para Mueda, onde chegámos a 22 ou 23 de junho – fomos render outra companhia. Nós éramos uma companhia independente, a companhia de caçadores 2730, cerca de 120 operacionais, os outros estavam no quartel. Saímos logo no dia 1 de julho – autênticos maçaricos sem qualquer experiência, uns miúdos que não tinham pedido para ir para a guerra – e logo para a operação ‘Nó Górdio’, a maior operação realizada em Moçambique, para fazer proteção e patrulhamento. No dia 7 de julho, tínhamos nós sete dias de mato, às sete da noite, confrontámo-nos pela primeira vez com a guerra a sério: tivemos uma emboscada e uma viatura rebenta minas, com vários feridos, um deles ficou em estado muito grave. Isto ao fim de sete dias foi logo para começar, para não termos ilusões de que ia ser fácil. Estivemos 33 dias a dormir no chão, no mato, e a comer ração de combate. Ao fim desses 33 dias voltámos ao quartel.
Quando vínhamos de regresso ao quartel tivemos uma vítima mortal provocada por uma mina pessoal anticarro. Nós, com 30 dias de guerra, vimos aquilo sem palavras. O camarada ficou completamente desfeito e os seus restos mortais ficaram pendurados numa árvore. Lá prosseguimos e chegámos a Mueda. O mais marcante para mim, que nessa altura era soldado, foi ter ido com o cabo para ajudar a colocar os mortos nos caixões.
Ao longo dos dois anos de comissão houve muitas coisas marcantes, é impossível esquecer. Como aquele dia em que tivemos um grupo que foi praticamente todo desfeito numas armadilhas que eles tinham montado no meio da picada... da minha companhia morreram onze homens, houve 18 feridos muito graves: camaradas que ficaram cegos, outros sem pernas e ainda 56 feridos. Esta emboscada foi no dia 21 de julho de 1971, impossível esquecer esta e outras datas do Ultramar. Também tivemos 13 viaturas minadas.
Não voltaria a combater
De qualquer forma não foi tudo mau, não posso pintar tudo negativo porque estaria a faltar à verdade. Depois de 21 meses nesse sítio mais complicado mandaram-nos para a capital, Lourenço Marques, o tempo restante, e aí foi mais tranquilo, quase parecia férias. Ficámos muito próximos porque éramos como uma família, isso também foi a parte positiva no meio de tantas coisas más. Tanto que nos reunimos todos os anos para lembrar aquilo que vivemos e que nunca conseguiremos esquecer. Somos pessoas de bem e fomos para lá obrigados, não fomos de livre vontade. Podiam dar-me a cidade do Porto toda para eu ir novamente para Moçambique fazer o mesmo que lá andei a fazer e não ia.
Acima de tudo lamento muito que os governos todos que passaram pelo nosso país e que continuam a passar não olhem pelos ex-combatentes, esta é a mágoa maior que tenho.
Não para mim, que graças a Deus não preciso, mas para os meus camaradas com problemas resultantes da guerra, que nem dinheiro têm para pagar os remédios e as consultas. Ninguém que esteve a servir o país devia passar dificuldades.
nome
Abílio Pereira Marques dos Reis
comissão
moçambique (1970-72)
força
companhia de caçadores 2730
* Info
tem 70 anos, é casado, pai de três filhas e avô de três netos
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