Beber cerveja regularmente e de forma moderada protege de doenças cardiovasculares e pode ajudar a prevenir a osteoporose. O médico Martin Bobak defende até que o consumo pode ser feito sem qualquer problema a partir dos 16 anos. Mais, a cerveja não faz barriga.
Martin Bobak nasceu há 40 anos em Praga, na República Checa. Ambicionava ser médico psiquiatra mas acabou por se doutorar em Epidemiologia na London School of Hygiene and Tropical Medicine e desde 1994 que integra o Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da University College of London, onde lecciona algumas cadeiras.
Grande parte da investigação que faz é centrada nas condições de saúde na Europa Central e de Leste. A sua tese de doutoramento incidiu sobre as doenças cardiovasculares na Europa de Leste, que são a primeira causa de morte naqueles países. Foi aí que o médico compreendeu que a cerveja – se consumida regularmente e com moderação – tem efeitos benéficos na protecção das doenças do coração.
Bobak desmistifica ainda o mito da ‘barriguinha de cerveja’ dizendo que o consumo da bebida não está relacionado com o aparecimento da barriga ou a obesidade.
Como surgiu o interesse pela cerveja?
A minha tese de doutoramento foi baseada num estudo que fiz na República Checa para tentar perceber que factores contribuem para a elevada taxa de doenças cardiovasculares. Entre vários denominadores, como o tabaco, o colesterol e a diabetes, também analisámos a ingestão de álcool. Centramo-nos nas pessoas que bebiam unicamente cerveja e percebemos que este seria um dos primeiros estudos a ser publicado sobre o facto da cerveja proteger das doenças cardiovasculares.
E também evita os enfartes de miocárdio…
A cerveja protege as pessoas deste tipo de doenças. No entanto, tal só acontece se o consumo for regular e moderado.
E segundo o seu estudo, o elemento protector reside no etanol…
O etanol tem um efeito protector, mas depende da quantidade que se bebe. A protecção só existe se a pessoa beber regularmente e em doses moderadas. Não adianta beber numa noite o que não se bebeu durante toda a semana ou beber apenas ocasionalmente.
Quem bebe mais: homens ou mulheres?
Na maior parte dos países europeus, uma mulher beber é um estigma social. Por essa razão, nos estudos que fizemos percebemos que as mulheres que bebem muito ou que ingerem álcool em excesso se recusaram a participar. Neste estudo concreto, na República Checa, verificámos que eram os homens os principais consumidores de cerveja.
Acredita na palavra ‘abstémio’?
De uma forma geral quando uma pessoa diz “não bebo” é mentira, porque bebe de vez em quando. A categoria de cidadãos abstémios nem sempre corresponde à verdade, porque existe sempre quem beba mas não diga.
Porque é que as mulheres são mais sensíveis ao álcool do que os homens?
A capacidade que as pessoas têm de receber álcool está directamente relacionada com a estrutura e o peso e os homens são mais pesados. Por outro lado, a absorção do álcool está relacionada com uma enzima que possuímos no estômago e no intestino. Por razões genéticas as mulheres têm menos enzimas no estômago. O processo metabólico das mulheres começa directamente no intestino o que faz com que estas tenham menos resistência ao álcool e fiquem alcoolizadas com mais facilidade.
Em termos de protecção das doenças cardiovasculares, o que é melhor, a cerveja ou o vinho tinto?
É sensivelmente a mesma coisa. Beber meio litro de cerveja por dia ou dois decilitros de vinho tinto funciona exactamente da mesma maneira.
E afinal, a cerveja faz ou não barriga?
Não. A cerveja por si só não é responsável pela barriga. Na realidade, não existe uma relação directa entre a cerveja – consumida de forma moderada – e a obesidade.
Alguns especialistas dizem que a barriga é provocada pela alimentação que se pratica enquanto se bebe cerveja…
Não acredito muito nessa teoria da combinação da bebida com a comida. Pelo contrário, penso que quando as pessoas bebem tendem a reduzir o consumo de alimentos calóricos. Não concordo que a combinação da cerveja ou do vinho com a comida faça diferença para a obesidade.
E o consumo regular de bebidas com gás dilata o estômago?
Penso que a dilatação do estômago só acontece em casos extremos, por exemplo, se alguém beber regularmente grandes quantidades de qualquer bebida.
Ou seja, não há relação entre o álcool e a obesidade?
Beber está relacionado com fumar, com uma vida sedentária, uma alimentação errada e muitas vezes o acto de beber está associado a dificuldades sócio-económicas. Acredito que o estilo de vida é muito mais relevante para a obesidade do que beber-se ou não.
Curiosamente, o álcool contribui para aumentar o bom colesterol…
Normalmente, quando uma pessoa faz análises, indicam-lhe o valor do colesterol total. No entanto, este tem fracções diferentes: o HDL, LDL e os triglicéridos. A primeira fracção é boa e se os valores forem elevados, menor é o risco de doenças cardiovasculares. Tanto quanto sei, em doses moderadas, o álcool aumenta os níveis do bom colesterol. Por outro lado, se o LDL for elevado, maiores são os riscos de doenças.
Concorda com a teoria que a cerveja ajuda a prevenir a osteoporose?
Penso que é possível, porque a cerveja é uma fonte de silício que não está facilmente disponível em outros alimentos e está provado que ajuda no desenvolvimento dos ossos. Como medida de protecção, penso que é uma possibilidade.
O álcool também tem efeitos negativos como a cirrose, a sonolência que pode provocar acidentes e até cancros. Onde fica o equilíbrio entre o negativo e o positivo?
Penso que existem duas questões: o aspecto científico e a mensagem que as instituições ligadas à saúde pública transmitem. Em termos científicos é importante sabermos que quer a cerveja quer o vinho possuem efeitos específicos no risco de doenças cardiovasculares. Mas jamais devemos encorajar alguém que não bebe a começar a beber. Nunca sabemos se a pessoa que começa a beber é capaz de o fazer de forma moderada.
E as pessoas que têm problemas de coração?
Se não estiverem habituadas a beber, não o devem fazer. Mas se já forem consumidoras penso que o álcool pode exercer uma função protectora.
Além da cerveja e do vinho tinto, as outras bebidas alcoólicas também têm os mesmos efeitos?
Se encontrarmos uma população que consome bebidas espirituais de forma moderada e regular, possivelmente detectaríamos os mesmos efeitos protectores nas doenças cardiovasculares.
Como na Rússia, onde a bebida oficial é o vodka?
Sim, mas os russos não são um bom exemplo porque não consomem vodka de forma regular, mas sim uma vez por semana e aí bebem demasiadamente. É a pior maneira de ingerir álcool: muito de uma só vez e apenas ocasionalmente.
Há riscos no facto dos adolescentes consumirem cerveja?
Em termos médicos, não há problema se os adolescentes a partir dos 16, 17 anos a consumirem de forma muito moderada. No entanto, todos sabemos que os jovens bebem em excesso e muitas vezes com o objectivo de ficarem alcoolizados.
E quais os perigos do álcool para as crianças?
É extremamente perigoso porque interfere com o desenvolvimento do cérebro, retardando o crescimento e provocando várias deficiências. O álcool tem um efeito tóxico nas crianças.
Existem combinações explosivas de bebidas?
Em termos científicos não. Mas em termos de bebedeira e ressaca, é muito pior se a pessoa misturar bebidas do que se beber sempre a mesma.
Gosta de beber cerveja?
Sim. Sempre gostei. Para os portugueses a bebida nacional é o vinho tinto, para os checos é a cerveja e eu sou checo…
Porque razão decidiu ser médico?
Queria ser psiquiatra porque me interessaram desde sempre doenças do foro psiquiátrico, como a esquizofrenia e a depressão. Mas entretanto tive um excelente professor de Epidemiologia, e segui este caminho.
Nunca se arrependeu de não ter seguido psiquiatria?
Não. Gosto da Medicina de uma forma geral e vejo-a como um todo que combina aspectos biológicos e sociais, mostrando como o ser humano funciona por dentro e por fora. Penso que toda a gente devia estudar Medicina, pelo menos durante uns tempos.
É curioso que seja médico mas dedique grande parte do seu tempo à investigação e ao ensino…
Em Inglaterra os professores são incentivados a investigar porque em função dos trabalhos que publicamos as universidades recebem subsídios do Governo. Ensinar em Inglaterra não traz nenhuma compensação, investigar sim.
Consegue perceber se os seus alunos estão no caminho certo?
Consigo perceber se os estudantes têm ou não algum interesse em Saúde Pública e Epidemia. No entanto, a verdade é que grande parte dos médicos e futuros médicos não se interessam por esta área mas sim pelas operações, cirurgias… Eles pensam que a prevenção e a saúde pública não são medicina.
Isso quer dizer que a sua classe é posta à margem?
Sim. Para a grande maioria dos médicos e para a classe médica inglesa em geral, nós somos considerados estranhos. Mas ao mesmo tempo, não deixa de ser curioso que quando esses médicos fazem pesquisa pedem-nos ajuda…
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