A extrema-direita espanhola pode eleger no próximo domingo deputados nacionais.
O caudilho Francisco Franco, vencedor da sanguinária Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e ditador até 1975, morreu cinco meses antes de nascer Santiago Abascal, o presidente do partido de extrema-direita Vox, que, nas legislativas antecipadas do próximo domingo (dia 28), pode passar a estar representado no Parlamento.
Os votantes do Vox não serão apenas os saudosos de Franco e de Primo de Rivera (ditador entre 1923 e 1930). Nem só os "católico[s] que se identifica[m] muito com a nação espanhola e a sua unidade", como declarou à agência Lusa Jorge Sánchez, professor de Direito da Universidade Europeia. Juntam-se-lhes os desesperados, vítimas da crise económica, que nada têm a perder; os escandalizados com as denúncias de corrupção entre a classe política; os desiludidos com os clássicos socialistas do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e conservadores do PP (Partido Popular); os já desapontados com os novos Podemos (esquerda radical) e Ciudadanos (direita liberal), que fizeram desabar a anterior bipolarização.
Fundado por dissidentes do PP – o tradicional grande partido da direita democrática espanhola –, em 17 de dezembro de 2013, insatisfeitos com as medidas do politicamente frágil primeiro-ministro Mariano Rajoy e procurando "captar o voto da direita desencantada com as políticas" do seu anterior partido, surgiu o Vox – mas sem ninguém suspeitar que bastava meia dúzia de anos para conseguir conquistar um grande eleitorado.
Mudar a Espanha
O programa do Vox defende o inverso do que foi o país, pelo menos desde a transição democrática de 1976 até à crise independentista catalã de 2017: contrários ao Estatuto das Autonomias, advogam um Estado centralista; contestando a liberdade de associação, pretendem ilegalizar os partidos independentistas; em vez da via que alargou a CEE (hoje, UE) para 12 países com a Espanha e Portugal, são claramente eurocéticos; divergindo do pioneirismo legislativo em matéria de costumes, querem revogar os diplomas do aborto ou do casamento gay e assumem o seu antifeminismo e um abrandamento das medidas contra a violência doméstica (esse "jihadismo de género"); no lugar do "insustentável" sistema público de pensões, são liberais com um modelo em que metade das contribuições vão para fundos privados; apologistas do franquismo, querem acabar com a Lei da Memória Histórica e contestam a exumação, no Vale dos Caídos, do cadáver do ditador. E, no que se evidencia mais o seu populismo, querem erguer um muro nos enclaves de Ceuta e de Melilha (que, à maneira de Trump, deveria ser pago por Marrocos), além de outras medidas para acabar com as "invasões islamistas" dos que atravessam o Mediterrâneo em embarcações superlotadas.
O sociólogo Santiago Abascal Conde, que nasceu em Bilbau a 14 de abril de 1976, filho de um dirigente histórico do PP basco e neto do franquista autarca da vila de Aláva até ao fim da ditadura (tendo a sua família sido alvo de várias ameaças da ETA), autor de ensaios políticos e militante do PP de 1994 até 2013 – sendo deputado do Parlamento Regional do País Basco entre 2004 e 2009 –, tornou-se secretário-geral do Vox logo na sua fundação e, em setembro de 2014, triunfando nas lutas intestinas, ganhou a presidência, com o apoio de 91% dos militantes. Nessa data, declarou logo que o partido aspirava "conquistar o poder", o mais rapidamente possível, "para transformar Espanha".
Sem elegerem um eurodeputado em 2014 e obtendo resultados irrisórios nas Legislativas de 2015 (0,23%) e de 2016 (0,20%), os populistas de ultra direita deixaram de estar sob o foco dos comentadores. Menosprezaram, talvez, o facto de Abascal ser uma figura muito mediática, pois escreve nos diários ‘ABC’ e ‘La Razón’, no semanário ‘Alba’ e no jornal online ‘Libertad Digital’, colabora com as estações radiofónicas COPE e esRadio, além de ser comentador televisivo nos programas ‘El Gato al Agua’ (no canal Intereconomía) e ‘El Cascabel’ (canal Trece).
Espanto mundial
Até que, no passado dia 2 de dezembro, nas eleições autonómicas para o Parlamento da Andaluzia, o Vox garantiu 12 representantes e uma votação de 11%. "A extrema direita ganha lugares [parlamentares] numa região espanhola pela primeira vez desde Franco", titulava o jornal britânico ‘The Guardian’. O diário italiano ‘La Repubblica’, ao noticiar essa "surpresa", recordava que, até esta altura, "não havia [nenhuma força política relevante] à direita do Partido Popular ou dos liberais Ciudadanos" – mas, "agora, esse partido [da extrema-direita] está aí". Do outro lado do Atlântico, o ‘The New York Times’ classificava este resultado como "a maior mudança" na Andaluzia. E o ‘The Guardian’ alertava que "todos os olhos estarão agora focados no Vox, que poderia usar a Andaluzia como um trampolim" para as eleições deste ano.
Há sondagens que indicam que o Vox pode sentar deputados no parlamento espanhol – e, entre os seus dirigentes, não se esconde que o partido quer mesmo ultrapassar os 10%, a simbólica barreira dos dois dígitos. Mas as opiniões ainda se dividem. A editora-chefe da secção de opinião do ‘El Mundo’, Lucía Mendez, entende que se o PP aguentar o seu eleitorado base, o Vox "acabará por se dissolver", pois os seus candidatos "não são políticos", mas "toureiros [como Morante de la Puebla], militares [pelo menos, quatro generais na reserva] e outras pessoas [como o escritor Fernando Sánchez Dragó ou o padre Salvador Monedero, que têm] no coração uma certa ideia de Espanha".
Tese inversa é a do politólogo Pablo Simón, o professor na Universidade Carlos III que sustentou, numa entrevista ao ‘DN’, que o Vox "é um partido que veio para ficar" e pode vir a ter entre 10% e 15% no próximo domingo. Afinal, a questão será saber se se repetirá o facto de muitos analistas também terem minimizado, quase até ao fim, as probabilidades de sucesso das candidaturas de Trump ou de Bolsonaro.
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